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Falta de personalidades históricas de Santos e de fatos importantes. Estas lacunas deixam o sambaenredo em homenagem a Santos da Grande Rio, para 2016, um retrato opaco da grandeza histórica do Município na avaliação do professor de História Elenilton Andrade. Para ele, o enredo “Fui no Itororó beber água, não achei. Mas achei a bela Santos, e por ela me apaixonei” é digno de uma “nota zero”.
Diário do Litoral (DL) – Falar de Santos e esquecer José Bonifácio é um equívoco?
Elenilton Andrade – É o mesmo que homenagear os Estados Unidos e não citar Abraham Lincoln. O samba é pobre, simplório, absolutamente superficial. A história de Cidade é rica. Repleta de personagens que se confundem com a história do País, como o caso de José Bonifácio, o Patriarca de Independência. Ele foi a base do Imperador Dom Pedro II. É triste como santista ver tamanho equívoco cultural.
Diário – Brás Cubas também, não?
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Andrade – Exato. Fundador da Vila de Porto de Santos em 1.545 e outro personagem que infelizmente foi esquecido. Ele veio com Martim Afonso de Souza em 1.535. E o Outeiro de Santa Catarina considerado o marco inicial santista, local conhecido por ter sido o sítio das duas capelas consagradas à Santa Catarina de Alexandria. Olha só o que o Brasil e o Mundo vãoi deixar de conhecer no Sambódromo da Avenida Marquês de Sapucaí.
Diário – Uma grande referência também são os canais de Santos.
Andrade – Justo e seu idealizador, outro personagem que deveria ser contemplado que é o engenheiro e sanitarista Saturnino de Brito, que realizou alguns dos mais importantes estudos de saneamento básico e urbanismo em várias cidades do País, considerado o pioneiro da Engenharia Sanitária e Ambiental no Brasil. A visão deste homem foi fantástica. Os canais funcionam até hoje e são fundamentais para o Município. Quem visita Santos quer conhecer os canais e, no entanto, os equipamentos não estão no enredo.
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Diário – Tem outros grandes personagens como Bartolomeu de Gusmão, o padre voador, e Visconde de São Leopoldo, não é?
Andrade – Sim, imagina tudo isso no Sambódromo! Bartolomeu de Gusmão fez perante a corte portuguesa cinco experiências com balões de pequenas dimensões construídos por ele. A história santista foi jogada de lado. Visconde de São Leopoldo foi um escritor, magistrado e político de suma importância. A Cidade tem um leque de opções para qualquer carnavalesco criar, trabalhar com os personagens, trazê-los para a avenida. Esses personagens e tantos outros são muito mais importantes que Pelé e Neymar, embora os dois atletas tenham muito valor. Não tem como homenagear Santos e esquecer todos esses personagens, como a Marquesa de Santos, amante de Dom Pedro I. Imagine contar essa história!
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Diário – E um pouco da história recente tivemos Pagú.
Andrade – Sim, Patrícia Galvão, que teve grande destaque no movimento modernista iniciado em 1922. Por que ela foi deixada de lado? Qual a razão para tamanho desconhecimento cultural? Gostaria de saber quem passou para os carnavalescos a sinopse da história de Santos. Eu, como santista, não sinto que este samba me representa.
Diário – Temos edificações e equipamentos importantes também.
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Andrade – A Santa Casa de Misericórdia de Santos é a mais antiga instituição assistencial e hospitalar em funcionamento do Brasil, fundada em 1.543. Tem santista que não sabe disso. Não fala da Bolsa do Café. A história do Café se confunde com o segundo império, com o ciclo econômico. Trouxe riqueza ao País. E o enredo fala do aroma do café. Poxa, haja superficialidade. Também não fala do Bonde que leva ao Santuário de Nossa Senhora do Monte Serrat. Não dá para ignorar tudo isso.
Diário – É um desperdício, uma falta de sensibilidade do governo santista?
Andrade – Vamos perder a oportunidade de mostrar toda essa riqueza ao Mundo por falta de pesquisa. Estou ofendido e acho que muitos santistas também devem estar. Quer mais um exemplo. Quando foi assinada, em 13 de maio de 1.888, a Lei Áurea pela Princesa Isabel, Santos já havia abolido a escravidão, em 1886 (dois anos antes). Princesa Isabel teve a informação que Santos já havia libertado os escravos. A cidade foi pioneira. Santos é parte da história nacional que tinha que ser contada em toda sua plenitude e não dessa forma branda e fraca.
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Diário – Dá para buscar algum ponto positivo neste samba?
Andrade – Está difícil. Negar ou não lembrar isso tudo é lamentável. Temos outros grandes personagens, momentos e símbolos. Por exemplo: o navio-prisão Raul Soares, transformando num cárcere flutuante no Porto de Santos, no primeiro ano do Golpe de 64, faz parte do passado negro do País. Santos também foi berço do sindicalismo brasileiro. Ser comercial não significa ser superficial. Não dá para falar que este samba homenageia Santos. Esse samba é nota zero.
Confira o samba-enredo da Grande Rio
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Compositores: Márcio Das Camisas, Mariano
Araújo, Competência, Kaká e Dinho.
Nesse mar de alegria, quero vê me segurar
A Grande Rio mandou chamar
Vem pra ciranda ioiô... No Itororó vem iaiá
Beber na fonte que me faz apaixonar
Lindo cenário de amor... Histórias pra se cantar
Santos... Maravilha de lugar (vou contar)
De além-mar chega o colonizador
O mercado prosperou no vai e vem (vai e vem)
O cheiro doce que o vento trouxe... Encanta a
família real
Nossa senhora... Mãe poderosa... Livrai essa terra
do mal
Veio gente de todo lugar pra somar
Liberdade, um grito ecoou ôôô
Nessa labuta tem aroma de café
É saboroso, todo mundo botou fé
Pode embarcar que o apito do bonde tocou
Pode embarcar que o progresso não pode parar
Vem mergulhar nessas ondas, sentir o prazer
Esporte é vida, lazer
Tá no gramado a paixão
Peixe o orgulho da ‘vila’
Celeiro do eterno campeão
Ê! Menino bom de bola
No destino deu olé (olé... Olé)
O atleta consagrado... Majestade é nosso Rei Pelé
Cavalheiro da paz... Magia
Na corte tem Neymar... Ousadia e alegria
Pisa forte Grande Rio, é pura emoção
Santos conquistou meu coração
Desembarquei no porto da felicidade
Quanta beleza pra curtir nessa cidade
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