Continua depois da publicidade
Israel e Hamas estabeleceram uma trégua humanitária de 12 horas, prorrogada por mais quatro, ontem, após 19 dias de confronto sangrento travado na Faixa de Gaza. O Ministério da Saúde do território palestino contava, ontem, 985 mortos e mais de seis mil feridos. Na última sexta-feira, o saldo de mortos era de 800 palestinos e 37 israelenses. Gaza concentra 1,8 milhão de pessoas que vivem na pobreza. Para entender o conflito infindável entre israelenses e palestinos, o Diário do Litoral conversou com o presidente da Sociedade Islâmica de Santos e Litoral Paulista Salah Mahamad Ali, o palestino Loutfi Moubaric e com a presidente do Centro Cultural Israelita Brasileiro de Santos Branca Kives Ostronoff para o Papo de Domingo.
‘Se Israel parar de se defender será jogado no mar’
Continua depois da publicidade
DL – Sr. Salah, qual o seu conceito sobre esse conflito travado entre palestinos e israelenses hoje?
Salah Mohamad Ali – A Faixa de Gaza e a Cisjordânia da Palestina estão sofrendo uma guerra de agressão sionista israelenses. A população palestina está sendo bombardeada. Com que motivo? O motivo do regime sionista desde que ocupou a Palestina em 1948, passando pela guerra de 1967, que ocupou uma parte de vários países árabes, passando pela guerra do Líbano, em 1982 e em 2006, com o mesmo pretexto, em defesa própria. Ela ataca a Faixa de Gaza já faz anos pelo ar, terra e mar, proibindo a entrada de comida e até remédios. A guerra atual é acabar com a presença de palestinos, atacando residências, hospitais, escolas, de Gaza e do resto da Palestina. Várias vilas já foram eliminadas, são centenas de mortos e feridos. Mesquitas e igrejas foram bombardeadas. Os quatro principais hospitais de Gaza estão no chão. Israel tem forças armas, tanques, navios e aviões. A resistência palestina não tem nada disso. Só tem a experiência dos combatentes para enfrentar, com os corpos deles, o inimigo.
Continua depois da publicidade
DL – Por que a ofensiva israelense ataca a população e não o Hamas?
Salah - Israel está tentando eliminar bairros inteiros para chegar ao movimento da resistência do Hamas e de outros grupos palestinos, para eles se renderem. Eles estão bem escondidos embaixo da terra. Eles (israelenses) dizem que têm direito de defesa. Defesa de quem? Eles são uma força ocupante: o verdadeiro terrorista.
Continua depois da publicidade
DL – Então, o Hamas não é terrorista?
Salah – Hoje quem é o terrorista? Quem mata civil e quem está lutando para libertar a terra dele? O Hamas matou três civis. Israel matou até hoje de manhã (sexta-feira, dia 25) 816 civis e deixou 5.200 feridos. Porque o Hamas quer uma Palestina libertada, soberana, unificada e árabe eles são terroristas? Porque defendem as casas deles, as crianças deles, eles são terroristas? O regime sionista de Israel foi quem promoveu o terror desde 1948. Não viram que um povo reprimido vai chegar a um ponto, um dia, de ter condição de enfrentar de igual para igual. O Hamas tem míssis primários e atacam as bases militares de Israel. Uma guerra tem que ser militar contra militar. Esses civis são alguma ameaça para Israel? Com certeza, não. Nós estamos solidários porque a causa deles é justa.
DL – Por que o Hamas se uniu ao Fatah contra Israel?
Continua depois da publicidade
Salah – Um dos motivos dessa guerra é acabar com a conciliação palestina porque o Hamas quer o caminho da resistência para libertar a terra ocupada, e o Fatah, o caminho da negociação, de acordos diplomáticos. Os palestinos correm atrás de um acordo há 25 anos, mas Israel não cede.
DL - Como é a relação entre judeus e palestinos aqui em Santos?
Salah - A gente vive em paz aqui com todas as comunidades. Nossa sociedade faz parte do grupo inter-religioso formado por 18 seitas e religiões. A cada mês a gente vai para uma casa de culto, até na Sociedade Israelita. Os judeus aqui da Baixada são nossos irmãos. Nas nossas festas religiosas, a gente convida todo mundo para vir para cá. Aqui no Brasil, a gente respeita as leis do país e vive em paz e harmonia com todo mundo. Do mesmo jeito, a gente quer o apoio de todas as forças democráticas do Brasil e do mundo para estar contra essa agressão (sionista).
Continua depois da publicidade
“É uma terra abençoada com um povo amaldiçoado”
O DL falou por telefone com o palestino naturalizado brasileiro, Loutfi Moubaric, em Ramallah, capital da Cisjordânia. Ele é comerciante e mora em São Vicente. Até a última sexta-feira, Loutfi estava com familiares que moram em Ramallah, região que não foi atingida pelos bombardeios.
DL – Como você está se sentindo por causa do conflito?
Loutfi– Estamos no período da Festa do Ramadã. Mas está sendo uma festa triste por causa do sofrimento dos palestinos na Faixa de Gaza.
Continua depois da publicidade
DL – Como você avalia os conflitos entre palestinos e israelenses?
Loutfi – Péssimo. É uma terra abençoada com um povo amaldiçoado. Vivemos um momento de tristeza, morte e angústia. Não tem uma família na Faixa de Gaza que não tenha perdido uma ou duas pessoas.
DL - Você está em uma área onde ocorrem os conflitos?
Loutfi – Os foguetes passam sobre as nossas cabeças, mas os bombardeios ocorrem em Tel Aviv (capital de Israel). Daqui de Ramallah, vejo as luzes dos foguetes no céu de Tel Aviv.
DL – Os conflitos afetaram Ramallah. Como está o abastecimento de alimentos, energia elétrica etc, na cidade?
Loutfi – Não. A região mais crítica é a Faixa da Gaza. Os israelenses fecharam a fronteira. Os palestinos não recebem alimentos, remédios, e ambulâncias estão proibidas de entrar lá.
Continua depois da publicidade
DL – Vocês temem ataques em Ramallah? Mudaram alguma coisa na rotina de vocês?
Loutfi – Sim. À noite, ninguém sai de casa. Você pode morrer na rua.
DL – Houve uma manifestação em Ramallah ontem (quinta-feira), não?
Ontem à noite, 48 mil palestinos participaram da manifestação aqui em Ramallah. O protesto seguiu até a fronteira de Jerusalém. Quatro pessoas morreram e 40 ficaram feridas.
DL – Você conhecia alguém que morreu nos ataques?
Loutfi – Sim. Dois rapazes que moravam aqui em Ramallah. Eles eram civis.
Continua depois da publicidade
DL – Existe realmente um ódio entre palestinos e judeus desde a infância?
Loutfi – Fora dos períodos de conflitos, palestinos e israelenses convivem bem. Palestinos entram em Israel com autorização, vamos ao mercado, tudo normal. A relação é normal.
‘Se Israel parar de se defender será jogado no mar’
A presidente do Centro Cultural Israelita Branca Kives Ostronoff e seu marido Mauro Ostronoff, membro do Centro Israelita e Movimento Interreligioso pela Cidadania, têm familiares morando em Israel e contou ao DL como eles estão vivendo durante esses dias de confronto armado.
DL – Branca, como estão vivendo seus familiares e amigos em Israel durante esses dias de conflito?
Branca – Nós temos parentes em Naharia (fronteira com o Líbano). Ela (a cidade) sofreu na guerra do Líbano, agora não. Minha sobrinha mora em Far Saba, perto de Tel Aviv. Hoje mesmo (dia 24) ela disse que tocou a sirene. Tenho uma amiga que mora lá, em Israel, que está brava por causa dos foguetes e porque o mundo todo está culpando Israel.
DL - Vocês estão preocupados com os seus familiares em Israel?
Branca – Não, porque Israel protege o povo. Toca a sirene, as pessoas são avisadas e saem das casas ou se fecham nelas. Em todas as cidades tem bunker. Hoje, os avisos de bombas são feitos até pelo celular. Todo mundo sabe onde vão cair as bombas.
DL – Então, a população israelense está protegida?
Branca - Morre menos gente de Israel por que? Israel tem tecnologia para interceptar foguetes. Eles (Hamas) estão soltando milhares de foguetes, se não houvesse tecnologia, haveria muito mais mortes.
DL – Os judeus realmente sentem ódio dos palestinos?
Branca - A guerra não é contra os palestinos, é contra o movimento terrorista do Hamas. Eles usam as escolas, as mesquitas e as casas particulares para lançarem os foguetes.
DL – Por que a fronteira na Faixa de Gaza foi bloqueada pelos israelenses?
Branca - Os palestinos têm que atravessar a fronteira e trabalhar em Israel. Por que teve esse impedimento na fronteira? Por que passam homens-bomba (Hamas) e armamento.
DL – Qual é o objetivo desta ofensiva de Israel?
Branca - Israel entrou na Faixa de Gaza para destruir os túneis construídos pelo Hamas, que servem de passagem de homens-bomba e para contrabando de armas.
DL – A senhora disse que o exército israelense está defendendo o povo de Israel do Hamas. Quem começou a guerra?
Branca - Quem começou o conflito foi o Hamas. A ONU pediu duas tréguas. Israel aceitou, o Hamas não. Eles só aceitam se liberar a fronteira. Impossível. Eles não têm a tecnologia que nós temos. Os foguetes são atirados a esmo. Israel tem a sorte de interceptar.
DL- Por que esse conflito entre os povos israelenses e palestinos nunca termina?
Branca – Em 1947, foi decretada pela ONU a partilha da Palestina em dois estados: Israel e Palestina. Israel aceitou o acordo e os palestinos não. Israel está cercado por países árabes. Os árabes falaram para os palestinos saírem porque eles iriam jogar os judeus no mar, retomar a terra. Tanto que a guerra da Independência começou no dia seguinte ao decreto. Israel foi invadido pelos países árabes. Se Israel parar de se defender, será jogado no mar. Israel está defendendo o povo dele. Numa dessas guerras, em 1967, Israel foi invadido e tomou posse dos territórios. Em 2005, Israel devolveu a Faixa de Gaza aos palestinos.
DL – É verdade que Israel impede ajuda aos feridos na Faixa de Gaza?
Branca - Israel montou, junto com o Crescente Vermelho, um hospital de campanha na fronteira para atender as pessoas atingidas, e o Hamas não deixa as pessoas passarem.
DL - Como é a relação entre vocês judeus e os palestinos aqui na região?
Branca - Quando tem alguma coisa na mesquita, nós vamos. Aqui no Brasil, nós nos damos bem. Nós queremos que essa paz vá pra lá. A gente torce para que acabe a guerra e que os palestinos tenham o país deles. Os dois lados só têm a ganhar com a paz. E, principalmente, os palestinos, com toda a tecnologia de Israel.
DL – Os dois povos tem a mesma origem, não?
Branca - Os judeus e os árabes são primos. São do mesmo ramo semita. Os árabes descendem de Ismael, filho de Abraão, e os judeus, de Isaac. Tanto judeus quanto muçulmanos reverenciam os patriarcas Abraão, Isaac e Jacob.