Cotidiano

Papo de domingo: “Danos da dependência do álcool são maiores nas mulheres”

Número de mulheres que bebem ou se tornam alcóolatras aumentou nos últimos 15 anos

Publicado em 25/10/2015 às 01:46

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No último domingo, o principal destaque do noticiário foi a morte de dois trabalhadores, atropelados por uma jovem embriagada em São Paulo. Aos 28 anos e três vezes acima do limite de álcool permitido a um motorista, Juliana Cristina da Silva invadiu uma área isolada e atropelou dois funcionários que pintavam uma ciclofaixa em Santana, na Zona Norte.Todo este episódio, que tomou uma proporção nacional, levantou a questão: o que está fazendo as mulheres beberem tanto assim? Em 15 anos, o número de mulheres que consomem bebida alcoólica quadruplicou: antes eram duas para cada dez homens, hoje são oito.

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Nos últimos anos, 12% das mulheres que bebem superaram os homens na quantidade de álcool que ingerem. E o número daquelas que não bebiam e agora consomem álcool também aumentou. As jovens estão começando a beber cada vez mais cedo. Em Belo Horizonte, por exemplo, as adolescentes do sexo feminino já superam os rapazes da faixa etária dos 15 anos em consumo de álcool. As constatações são de uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com a Federação Internacional de Universidades Católicas (Fiuc), com sede em Paris, na França.

Esta constatação também pode ser vista em clínicas de tratamento de dependência. A presença de mulheres é cada vez maior e o álcool é o principal motivo do vício. Para tratar sobre esta questão e alertar sobre o perigo do abuso do álcool, o Diário do Litoral entrevistou o terapeuta com especialização de dependência química, Marcelo Oliveira, proprietário de um centro terapêutico em Mongaguá.

Diário do Litoral - As mulheres estão bebendo mais a cada dia. Há 15 anos, esta proporção era de duas mulheres para cada dez homens. Atualmente, este número quadruplicou: são oito mulheres para cada dez homens. O que ocasionou este aumento?

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Marcelo Oliveira - Isso se dá muito ao crescimento da mulher no mercado, às novas atividades. Ela está assumindo cada vez mais funções. E participa de ‘happy hours’ e encontros em barezinhos, coisa que não acontecia antigamente. O próprio crescimento do ingresso da mulher nas universidades proporciona um aumento no consumo de álcool. Esta nova vida faz com que ela conheça o álcool, vivencie estes momentos e, de repente, desencadeei o alcoolismo. A doença pode existir em qualquer pessoa. Não tem cientificamente provado o que causa. Tem pessoa que nasce com esta propensão: a dependência de álcool ou qualquer tipo de dependência. Estas pessoas, geralmente, têm uma resiliência, é incapaz de lidar com dificuldades.

Diário do Litoral – O álcool é a principal dependência das mulheres? Quais as faixas etárias mais atingidas?

Oliveira – O álcool ou outras drogas. Mas, as mulheres, geralmente, ficam no álcool. Na clínica nós atendemos mulheres de 14 a 68 anos. Nesta proporção que você mencionou acima, nós encontramos as mais jovens. Para cada dez homens que atendemos com problemas de dependência, atendendo oito mulheres jovens. Em relação às mais velhas, esta proporção cai de duas mulheres para dez homens. 90% dos casos de dependência têm início no álcool.

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Diário do Litoral – As mulheres estão mais expostas ao vício do álcool?

Oliveira – Os danos são maiores nas mulheres. Tanto com o álcool como com outras drogas. É uma questão física. A resistência da mulher é muito menor do que a do homem para qualquer tipo de substância. Elas perdem mais massa muscular e os músculos lisos – coração, fígado, rim – ficam mais debilitados.

Diário do Litoral – Quanto tempo dura o tratamento contra a dependência alcoólica para estas mulheres?

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Oliveira – Em média, seis meses. Este é o mínimo indicado pela Organização Mundial da Saúde. Hoje, estamos percebendo que, cada vez mais, estas pessoas chegam a clínica com outras comorbidades associadas ao uso. Ou tinham problemas antes e no uso isto se expandiu. Ou desenvolveu após o uso, como é o caso da esquizofrenia. Às vezes uma pessoa tem propensão a doença, mas ela nunca se manifesta. Mas pode se manifestar em casos de dependência. O uso do álcool traz isto a tona com muito mais frequência e em pessoas cada vez mais jovens. Na clínica, tenho casos esquizofrênicos em meninas de 18 e 19 anos, causados pelo uso, principalmente pela maconha. Hoje, 78% dos casos de esquizofrenia em adolescentes são causados pela maconha.

Marcelo Oliveira se interessou pelo tratamento de dependentes após passar pelos mesmos processos de seus pacientes (Foto: Matheus Tagé/DL)

Diário do Litoral – E isso tudo começa pelo álcool?

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Oliveira – Sim. O álcool aliado a maconha. Elas frequentam festinhas, bailes funk, raves. Tudo isso ajuda. As raves principalmente. Tenho pessoas em tratamentos que são casos sérios de dependência causada pelos chamados ‘doces’. Eles chegam aqui alucinados. Tem uma menina que já está na clínica há seis meses e ainda vê duendes. A droga é tão forte que ela ainda não conseguiu passar por este processo.

Diário do Litoral – Como tratar uma dependência de álcool, sendo que ele pode ser encontrado em qualquer esquina? É comum os próprios dependentes pedirem ajuda?

Oliveira – 5% dos internos vieram por vontade própria. É muito difícil assumir a doença. Principalmente para os homens que, geralmente, chegam mais velhos já com um comprometimento hepático, cerebral e dermatológico. Mas isso também vem crescendo entre as mulheres. Eu costumo dizer que o alcoolismo é a doença dos três D’s: diarreia, dermatite e demência alcoólica. Na clínica, temos sucesso no tratamento de 35% entre os homens. Já entre as mulheres, este número é maior que há envolvimento familiar. É um processo coletivo que envolve clínica, paciente e família. A família tem que se preparar e se tratar – porque fica doente com a co-dependência – para receber o dependente quando ele volta para casa. Se todos participam deste processo, a chance de sucesso é de 80% entre as mulheres.

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Diário do Litoral – Este processo é mais fácil ou mais difícil para as mulheres?

Oliveira – Depende da faixa etária. Entre as mais idosas, é mais difícil. Geralmente, elas já são casadas e a primeira coisa que o marido faz é abandonar. Totalmente o contrário no caso dos homens, em que a esposa acolhe e ajuda. Então, no caso da terceira idade, o sucesso do tratamento é menor do que dos homens. Para as mais jovens, que ainda tem uma estrutura familiar, o tratamento costuma dar mais certo e recuperamos mais fácil. No caso dos homens, acontece o oposto. Os mais velhos obtém mais sucesso. Os mais jovens que não são casados e não tem filhos, geralmente, voltam para o mesmo lugar, fazem as mesmas coisas e acabam retornando para a dependência. Eles acham que podem controlar a doença, esta é a grande dificuldade. Não tem como controlar, uma dose e dispara o gatilho. O dependente tem que entender que para ele não dá mais. Ele é dependente de prazer. Inclusive, ele tem que tomar cuidado com tudo. Ele fica pode depender até do remédio.

Diário do Litoral – Como perceber que aquela cervejinha com os amigos deixou de ser diversão para virar dependência?

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Oliveira – Tudo que foge do equilíbrio precisa ser vigiado. As pessoas normais vivem entre a alegria e a tristeza de uma forma: “tive um problema hoje, eu não estou bem, mas vou resolver” ou “tive uma conquista, eu estou feliz”. Altos e baixos normais da vida de cada um. O dependente é extremista. Ou ele está extremamente alegre: “tudo vai dar certo, então eu vou beber”. Ou depressivo: “está tudo dando errado, então eu vou beber”.

Diário do Litoral – O dependente tem uma personalidade específica?

Oliveira - É comportamento. São pessoas egocêntricas, que acham que o mundo gira em torno delas. Geralmente, elas não conseguem trabalhar um ‘não’. Quando elas recebem um ‘não’, elas se revoltam, se jogam, xingam. Aquilo para ela é o fim. Aquela pessoa que argumenta demais, que quer tudo do jeito dela, no tempo dela. Quando não acontece no tempo dela, ela se frustra e fica mal. O mundo acaba para ela. A pessoa que se acha o centro das atenções tem grande probabilidade de se tornar um dependente. Isto é fato. O álcool é uma droga lícita e perigosa. Assim como todas as outras. O problema é que você encontra em qualquer esquina. E a propaganda e a mídia ajudam muito nisto. A propaganda do álcool mostra sucesso, só que não é.

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Diário do Litoral – As pessoas não entendem que o alcoolismo é uma doença. Há muito preconceito, tanto da própria família quanto da sociedade no geral. O que você diria para estas pessoas que não acolhem os dependentes da forma correta?

Oliveira – Comecem a perceber que isto acontece na sua casa também. É uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como outra doença qualquer. Hoje, vergonha é não tratar. Enquanto você acha que ninguém está sabendo, todos já enxergam. O único que não enxerga é o dependente. A família é a última aceitar que isto acontece. Aceitando tudo fica mais fácil, tanto para o dependente quanto para os co-dependentes. A família tem que prestar muita atenção nos comportamentos naquela fase do adolescente em que se diz “é da idade”. Tudo tem limite. Preste atenção se seu filho começar a se isolar demais no quarto, nunca querer estar com a família em lugar nenhum, olhos vermelhos, fuga do olhar direto, amigos que você não conhece, lugares estranhos que ele passe a frequentar. Não acredite que seu filho vai para uma rave e fica tomando água a noite inteira.

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