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As novas mídias sociais - especialmente o Facebook e o Whatsapp - aliados a um número maior de smartphones com acesso à internet tornam o compartilhamento de fotos, vídeos e textos mais comuns. O grande problema é quando o conteúdo é de conotação erótica ou sensual e acaba expondo pessoas para toda a internet.
Levantamento feito pela ONG Safernet, que há oito anos tem um serviço de denúncias online, mostra que em 2014 foram registrados 224 casos de sexting (prática de enviar mensagens, fotos ou vídeos sexualmente explícitos pelo celular), o que ocasionou aumento de 120% em relação a 2013, quando foram registrados 101 casos.
Para tratar do assunto, o Diário do Litoral conversou com o advogado especialista em Direito Digital, José Roberto Chiarella, que criou um projeto para instruir estudantes, e desde 2014, ministra aulas em unidades de uma rede escolas particular da Baixada Santista. O objetivo é orientar os jovens de que todas as ações no mundo online tem consequências também na vida real.
Diário do Litoral - Como o senhor vê o aumento em mais de 100 % de denúncias de sexting no ano passado?
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José Roberto Chiarella - Vai fazer um ano que entrou em vigor o Marco Civil da Internet. E o que acontece? Houve a judicialização das questões da internet e, consequentemente, a visibilidade dos casos. O conteúdo que se posta na internet é algo que mudou o conceito de vivência social. Hoje eu sou muito mais emissor do que receptor. As pessoas conseguem emitir muito mais do que receber. Nós antigamente contrabalaceavamos nossos canais de recepção pela televisão, que hoje perde de longe para a internet e outros meios. As pessoas estão despreparadas para isso.
DL - Quais são as principais vítimas desse tipo de ocorrência.
José Roberto Chiarella - São mulheres e menores. Quando a gente fala em menor, a gente já caminha para outro lado que é a pedofilia. O simples armazenamento dessas fotos já causa o delito. Hoje, quando se trata de menor, inclusive a lei já proteja, existem meios de se buscar a autoria, tanto é que hora ou outra nós vemos noticiado que alguém foi pego. Mas a vítima maior é a mulher. A mulher confia, e, nessa questão de confiar, há a vingança sexual. Em um momento de intimidade ela se deixa expor.
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DL - A quem o senhor credita esse comportamento, à maior acessibilidade ou às redes sociais?
José Roberto Chiarella - Eu credito à falta de conhecimento pleno, de educação digital. É uma sociedade que ainda não está pronta para tudo isso. Ela confunde o real e o virtual. Ela consegue falar dentro de uma tela do computador aquilo que ela não fala para você pessoalmente. Esse tipo de desvinculação que causa um grande problema nos relacionamentos. Tanto causa que o governo lançou a campanha hastag Humaniza Rede, que é uma atitude governamental de tornar as redes sociais mais humanas.
O que é humanizar a rede? É tornar ela mais humana. O marco (Marco Civil da Internet) diz que a internet é livre, mas a liberdade que está lá não é absoluta. Ela tem relatividade. Essa ideia de liberdade total não existe. Ou governo abre os olhos, entende que isso é um problema de ordem pública, e começa a fomentar a educação digital na escola, ou vamos criar crianças que não vão conseguir frear esse tipo de situação.
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DL - O senhor ministra aulas em escolas sobre educação digital. É importante que os pais orientem os filhos?
José Roberto Chiarella - Primeiro que tudo é novidade, inclusive para o pai e para a mãe. Eles não acreditam que o filho se exponha dessa maneira. Eles, na grande maioria, não dominam o uso do aparelho e do aplicativo. Então para ele não é fácil acompanhar o que não conhece. Quem educa é o pai e a mãe em casa. Se o meu filho ou a minha filha está tendo um desvio de comportamento grave, porque a exposição do corpo nú é desvio de comportamentoe, o que eu preciso fazer? Ter uma boa conversa. Preciso tratar. Não posso proibir o uso. Não vai adiantar. Eu tenho que entender o que leva alguém com pequena idade a se expor. Não dá para colocar a culpa na mídia, na música, na cultura, no Brasil, que o Brasil vende o corpo da mulher. Eu preciso primeiro dar os princípios e os princípios vêm de casa. Na escola a gente já faz isso (nortear) e a Comissão de Direito Eletrônico e Crime da Tecnologia OAB São Paulo tem uma cartilha que fala do uso da internet. Fala também das questões sexuais e dessa exibição.
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DL - Essa cartilha está disponível para o público?
José Roberto Chiarella - Sim, qualquer pessoa tem acesso direto pela OAB. É só entrar no site. É de utilidade pública. Nós estamos muito preocupados com esse assunto e a preocupação não é de hoje. Nós estamos caminhando com aumentos dos nossos problemas em matéria de gravidade e falta de recurso para resolver. A internet é ótima - não vai deixa de ser nunca – mas, por outro lado, se não tiver uma direção nós vamos ter muita dificuldade.
DL - Sobre boatos na internet. Recentemente, o compartilhamento da foto de um casal, que supostamente sequestrava crianças para tráfico de órgãos, causou pânico nas redes sociais. Nesse tipo de ocorrência tem como achar o culpado? Quem é responsabilizado?
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José Roberto Chiarella - A questão viral é o seguinte. Vou dar o exemplo da moça do Guarujá (que foi espancada após boato espalhado na internet e acabou falecendo). Quem divulgou isso foi uma fanpage. Vamos buscar primeiro quem dissemina. Existem alguns entendimentos sobre o assunto. Por exemplo, a ação de danos morais.
Aconteceu em Santos, recentemente. Uma paciente falou mal de um médico em Santos na rede e a amiga comentou. O médico entrou na justiça e ganhou das duas- uma porque falou e a outra porque curtiu e comentou - a ação por danos morais, pois o juiz entendeu que havia meios próprios para ela reclamar do serviço, que não é a rede social.
A fanpage do Guarujá é obvio que criminalmente ele não vai responder, como não respondeu. O moderador é aquele que modera que administra o conteúdo. Ele errou ao postar, aí cabe uma indenização por danos materiais e morais, porque o artigo 927 do Código Civil fala do desvio da finalidade. Ele exerceu o direito de se expressar e desviou a finalidade. O retrato falado é de finalidade policial, saiu de Niterói, era do ano de dois mil e qualquer coisa e não tinha correlaçao com o Guarujá. Quando isso acontece, eu vou buscar o primeiro que postou.
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DL - Tem como achar o primeiro que postou?
José Roberto Chiarella - Tem e dá trabalho. E o trabalho é técnico e caro. Normalmente quem faz é quem não tem recurso. Daí você vai buscando criminalmente. É uma dificuldade muito grande lidar com isso, por isso, a grande questão é a disposição das coisas que você coloca na internet.
DL - Quais são as principais consequências de expor a vida pessoal na internet? Como não se envolver em problemas?
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José Roberto Chiarella – Primeiro: seu computador tem que ter um bom antivirus e contratação de serviço bancário internetbanking que tenha garantia. Segundo: quando você quer expor detalhes da vida pessoal na rede social você tem que ser muito comedido. As pessoas têm que perceber que todo caminho que ela segue não pode por em demasia “eu sai para cá, eu comi aqui, comprei acolá”. Não pode postar todos os passos na internet. O que ela gera? Para os mais próximos, que efetivamento gostam, uma admiração e alegria pelo sucesso. Mas nem todo mundo tem o mesmo sentimento. Tem gente invejosa e isso incomoda. Tem gente que não consegue ter e acredita que quem tem não deveria e não merecia ter, e estabelece juízo de valor. Como evitar é uma questão de educação. Precisamos ter mais campanha. Nós tínhamos há um tempo propagandas de cigarro que mostravam que fumar era bom e sinônimo de status. Mas o processo evolutivo mostrou que o cigarro é cangerígeno e mata, aumentou o preço, o consumo diminuiu, então conscientizei. A internet é a mesma coisa. Falta conscientização.
DL - A questão vai piorar então?
José Roberto Chiarella - A mentira é mentira desde que o mundo existe. Hoje você tem uma vida virtual e real. Então a tendência é piorar, se nada for feito.
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DL - As leis que amparam a internet são boas?
José Roberto Chiarella - Ajuda, mas são poucas. Se eu pego um provedor de aplicativos de conexão, por exemplo, que está sitiado fora do país, eu só posso citar por meio eletrônico. As leis que prevalecem são as nossas, mas vai ter que buscar quem não está aqui, daí a dificuldade aumenta um pouco.
DL – O que fazer ao se envolver em problemas na internet?
José Roberto Chiarella - O melhor é pensar antes de postar qualquer coisa. Agora se foi vítima, o que se tem a fazer é dar um print na tela, ir ao cartório de notas e pedir para o cartorário fazer uma ata notarial. Dar fé pública ao que foi postado. Depois segue para a Delegacia de Polícia e faz um boletim de ocorrência. Se não for crime sexual, o delegado vai pedir para o judiciário que identifique o autor.
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