História do Srakane remonta uma das mais dramáticas situações trabalhistas já vistas no Porto de Santos, publicada pelo Diário do Litoral / Carlos Ratton/DL
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Quem faz a travessia entre Santos e Guarujá todos os dias, de balsa ou barquinha ou, até mesmo, quem contempla o Canal do Estuário santista nas muretas da Ponta de Praia já se acostumou com a visão do navio Srakane. Ancorado desde setembro de 2020 no cais do estaleiro do terminal de propriedade da antiga Cooperativa Mista de Pesca Nipo-Brasileira, em Guarujá, a embarcação aguarda a realização de reparos que a colocassem de novo em operação, o que nunca ocorreu.
A história do Srakane remonta uma das mais dramáticas situações trabalhistas já vistas no Porto de Santos, publicada pelo Diário do Litoral. Em junho de 2021, quinze tripulantes praticamente ‘gritaram’ por socorro após serem abandonados por seus empregadores.
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Eles permaneciam no navio sem salário e em condições precárias de higiene, saúde e segurança. A alimentação e combustível chegavam de forma paliativa a ponto do então capitão Eduard Goguadze pedir ajuda às autoridades, pois a tripulação já estava sem água e sem comida.
À época, a International Transport Workers Federation (ITWF) constatou que o uso do gerador de energia no navio vinha sendo racionado por motivos de economia, uma vez que funciona a diesel e seria ligado durante o período noturno, para permitir que a embarcação mantivesse a iluminação de segurança necessária, exigida pela Marinha para auxiliar na navegação no canal do porto e preparação das refeições aos tripulantes.
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A situação foi descoberta após o Ministério Público do Trabalho (MPT) de Santos obter uma correspondência informando que uma empresa transportadora foi contratada para efetuar um fornecimento emergencial de gêneros alimentícios de primeira necessidade ao Srakane, mas não conseguiu entregar os alimentos.
O navio é de propriedade da Vintade Trading SRO, da cidade de Bratislava, capital da Eslováquia, e afretado pela Oceans Wide Limited, com sede em Malta. À época, poderia ficar sem iluminação, o que comprometeria a segurança do canal. A empresa nunca se manifestou.
O MPT, por intermédio do procurador Rodrigo Lestra de Pedroso, chegou a ingressar com uma ação civil pública para reverter a situação. A Justiça do Trabalho concedeu a liminar (decisão provisória), por não ter dúvidas da evidente violação à convenção sobre Trabalho Marítimo.
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Conforme a sentença, as empresas responsáveis tiveram que pagar os salários. A Justiça também determinou o desembarque imediato e a repatriação de todos os tripulantes da embarcação da Geórgia, Montenegro e Ucrânia, com o custeio de todas as despesas necessárias: passagens aéreas, em voo de socorro, hospedagem e diárias, deslocamentos terrestres, translado de bagagens, alimentação, remuneração, benefícios e assistência médica.
Além disso, foi obrigatória a testagem para identificação do coronavírus de todos os tripulantes para garantia de segurança sanitária em hospedagens e deslocamentos. As empresas não puderam abandonar a embarcação e tiveram suspensos os passes de saída do Porto. Situação que perdura até hoje.
A Justiça do Trabalho chegou ainda a informar a situação às embaixadas da Georgia e Ucrânia e Consulado de Montenegro. Também a Capitania dos Portos e o Núcleo Especial de Polícia Marítima (Nepom) da Polícia Federal (PF) em Santos.
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Ainda na ocasião, o MPT entrou em contato com a Guarda Portuária, sob responsabilidade da então Santos Port Authority (SPA), antiga Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) e atual Autoridade Portuária de Santos (APS). Durante a conversa, foi informado que uma pequena quantidade de alimentos tinha sido entregue por mar, mas somente o suficiente para um dia.
O MPT também foi em busca dos responsáveis pela Wilson Sons, mas não houve resultado prático, assim como a tentativa de abrir os portões para o envio de mantimentos por terra. A Capitania dos Portos também foi acionada, mas informou na ocasião não ter poder legal para agir.Os tripulantes até se prontificaram a percorrer os 200 metros entre o navio e a portaria e carregar os suprimentos nas mãos, mas não foram autorizados na ocasião.
Diante da situação, o MPT resolveu solicitar assistência emergencial tendo em vista a falta de comida, água, combustível e 80 toneladas de esgoto a serem retiradas - quase a capacidade máxima. Os caminhões chegaram a ficar à postos para a pronta entrega de todo material necessário, que na ação havia alertado à Justiça sobre medidas urgentes e imediatas de liberação do acesso do transporte com os suprimentos essenciais para a salvaguarda das vidas dos tripulantes.
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Na mesma ação, Lestrade informou que a situação chegou a amenizar dias depois, com a entrega, via terrestre, de combustível e mantimentos aos tripulantes. As três empresas rés na ação eram a Argo Agenciamentos Marítimos Ltda, localizada no Macuco; a SeachiosCrane Naval e Serviços Marítimos (Paquetá) e CBA Exportação de Produtos Agrícolas Ltda (Boqueirão), além da União Federal, como responsável solidária pela situação. Nunca se manifestaram.
A APS (antes SPA) confirmou que a área não estava sob sua jurisprudência e que a situação não causaria risco à navegação. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) - que integra Administração Federal e vinculada ao Ministério da Infraestrutura – também revelava que não poderia intervir de outra forma pois o terminal não estava dentro do Porto Organizado de Santos. “Essa travessia é de competência da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de SP (Semil)”, informou ontem em nova consulta do Diário.
O advogado da Argo, Alex ChristoBahov, informou que a responsabilidade é do armador e não da agência, conforme jurisprudência dos tribunais e o argumento não foi analisado na decisão judicial.
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