05 de Novembro de 2024 • 00:51
O MPF abriu procedimento para investigar possível privatização irregular de áreas públicas da União no Canal de Bertioga / Carlos Ratton/DL
O Ministério Público Federal (MPF), por intermédio do procurador da República, Antonio José Donizetti Molina Daloia, abriu procedimento para investigar possível privatização irregular de áreas públicas da União no Canal de Bertioga, onde marinas de condomínios estariam impedindo o acesso de pescadores e colocando em risco o meio ambiente local.
A peça-chave para a iniciativa foram recentes reportagens do Diário do Litoral (três no total). As ocupações supostamente irregulares geraram também uma nova edição do Diário de Um Repórter intitulada Milionários de Mangue, que já se encontra à disposição no site, demais ferramentas digitais do Diário e no YouTube, pelo endereço eletrônico .
A reunião que gerou o início do procedimento aconteceu em 22 de outubro passado entre o MPF, a Associação Guarujá Viva (AGUAVIVA), representada pelo engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves, também membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Guarujá, e o Instituto Maramar para Gestão Responsável dos Ambientes Costeiros e Marinhos, representado por Fabrício Gandini.
O encontro destacou a preocupação com a ocupação privada das margens do canal, que impacta diretamente a pesca e a conservação ambiental. Representantes da AGUAVIVA e do Maramar relataram os problemas enfrentados, mencionando ainda os efeitos de empreendimentos no Porto de Santos para os pescadores locais.
O procurador incentivou o envio de imagens e documentos que comprovem as supostas irregularidades na área em questão. Ao final, a ata da reunião foi registrada e ficará disponível mediante solicitação. Daloia disse ainda que iria iniciar alguns encaminhamentos a diversas autarquias.
Além do MPF, conforme já publicado também com exclusividade pelo Diário, em 30 de setembro, a Coordenadoria da Baixada Santista e Vale do Ribeira da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) iniciou processo de notificação junto às direções das marinas, incluindo as duas que possuem condomínios, que estão estabelecidas no Canal de Bertioga.
Recentemente, o coordenador regional da SPU, Emerson Santos, disse que pelo menos seis ações demolitórias foram expedidas pelo órgão federal. Ele já havia adiantado que muitas marinas ampliaram seus espaços, supostamente sem autorização. Santos chegou a cobrar da Prefeitura de Guarujá fiscalização das ocupações atuais e futuras, visto que as marinas são acessadas também por terra.
Ao percorrer de barco o Canal de Bertioga, a Reportagem detectou supostos abusos e irregularidades em Área de Preservação Permanente (APP) existente em toda extensão do canal, por causa do mangue e a biodiversidade nele inserida. Há uma certa falta de isonomia.
Enquanto uma família de pescador é rigorosamente fiscalizada e sequer pode reparar um pequeno píer de madeira, que não causa praticamente impacto ambiental, os milionários podem, por exemplo, manter um píer de alvenaria cortando parte do canal de navegação para atracar lanchas, iates e outras embarcações de recreio.
Mais. Praticamente sem regras e fiscalização, constroem residências luxuosas, delimitam com boias e cordas o espaço aquático e mantém guaritas de segurança particular, que expulsa pescadores que se aproximam.
Vale lembrar que manguezais – que ocupam toda a extensão do canal - são considerados berçários do mar, pois são locais de reprodução de diversos peixes, crustáceos e moluscos, além de outras espécies marinhas que procuram as águas calmas e ricas em matéria orgânica para desovar. Tamanha biodiversidade aquática também atrai aves e mamíferos. No caso em questão, há anos que se registra queda dessas espécies no canal.
Foram descobertas duas dragas para aprofundar a área de manobra para atracação de lanchas e iates em frente aos imóveis, construídos em área de mangue visivelmente aterrada. A Reportagem chegou a flagrar dois postos de combustível para abastecer embarcações também sobre o mangue, que estariam regularizados por conta de compensações ambientais.
A construção ou qualquer intervenção humana em APP apenas será permitida se enquadrada dentro do que o Código Florestal (Lei 12.651/12). Ele estipula a forma sustentável e ecologicamente correta de se fazer ou se estabelecer. Caso contrário, a ação poderá ser enquadrada como infração administrativa e crime ambiental.
Motos aquáticas, lanchas e iates acima do limite de velocidade, proporcionando marolas que causam perigo aos poucos pescadores que se arriscam na busca de sobrevivência, também foram flagradas. Vale ressaltar que a velocidade máxima no Canal de Bertioga e nos rios é de oito nós – 15 quilômetros por hora. A maioria estava em velocidade bem superior.
As marolas, além de causar risco de capotamento de embarcações menores, destroem a vegetação ciliar dos mangues, causando grande impacto ecológico. Algumas árvores nativas, por exemplo, estão com as raízes expostas e pendendo para os lados.
O novo Código Florestal (Lei 12.651/12) estabelece como regra a proibição de construções em APP. Em seu 8º artigo estabelece que, excepcionalmente, é possível construir ou fazer outro tipo de intervenção somente em quatro casos: utilidade pública, interesse social, atividades eventuais ou de baixo impacto, em casos de pequena propriedade ou posse rural familiar ou atividades de aquicultura.
A Reportagem entrou em contato com outras autoridades, mas nenhuma se mostrou ativa em relação à questão, com exceção da Marinha do Brasil, que garantiu que fiscaliza os abusos.
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