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Após quase quatro décadas morando de forma precária, tendo uma vida humilde e sobrevivendo basicamente da pesca artesanal, cerca de 50 famílias, com média de seis pessoas cada (muitas crianças), que residem às margens da Rodovia Ariovaldo (estrada Guarujá-Bertioga), terão que sair. É que o Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo (DER/SP) entrou com uma ação demolitória para retirar os casebres construídos no entorno da via.
primeiros moradores já estão recebendo as cartas de intimação, oriundas da Primeira Vara Cível de Guarujá, conforme constatado pela reportagem do Diário do Litoral, na última quarta-feira (19). O estranho é que o mesmo não vem ocorrendo com marinas, restaurantes, bares e loteamentos de luxo que mantém imóveis à beira da estrada, como ocorre com os caiçaras, cujas casas não causam risco algum, nem mesmo ao meio ambiente.
A pescadora Rosa Jorge de Souza, que vive com uma pensão deixada pelo marido correspondente a um salário mínimo (R$ 724,00) e sustenta filhos e netos, não sabe o que fazer, pois não tem condições de pagar aluguel ou comprar um imóvel. Ela mora no entorno da estrada há 40 anos.
“Uma de minhas netas é especial. Tudo o que eu tenho está aqui. É pouco, mas o suficiente para minha família. Nós nunca destruímos a mata. Vivemos da pesca artesanal. Estão fazendo isso porque a gente não tem como pagar um advogado. Eu ainda tenho problema de pressão. Se o DER precisa da área, pelo menos nos garanta um local para morar”, afirma.
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Rosa fica muito triste quando a acusam de invasora. “Quando cheguei aqui não tinha luz, estrada e nada. A gente chegava em Santos por uma barquinha. Agora somos invasores. E o que dizer então dos loteamentos de luxo? Eles são o quê?”, questiona a moradora.
Angélica Jorge de Souza, filha de Rosa, trabalha limpando apartamentos no centro de Guarujá. Ela também ganha pouco e tem filhos para sustentar. “Eu sou diarista e moro aqui desde que nasci. Eu não tenho como sobreviver fora deste lugar. Os técnicos estiveram aqui, mediram as casas e foram embora sem sequer olhar na cara da gente. Parece que somos cidadãos diferentes. Que não temos vida. Querem demolir o pouco que temos, o nosso teto. Eu ganho R$ 600,00. Como vou pagar aluguel e comer? Vamos ter que morar debaixo da ponte?”, indaga.
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Sandra Angélica dos Santos Rodrigues vive com um irmão, pois não tem onde morar. Ela nasceu e foi criada nas imediações do quilômetro 13 da estrada Guarujá- Bertioga, próximo a uma das bicas que desaguam na beira da rodovia. “A casa é de meu irmão, que nasceu aqui e tem 47 anos. Outro dia, eu estava levando meu filho para a escola e vi os técnicos do DER medindo tudo. Até a igreja não escapou”, revela, enquanto preparava o filho e um sobrinho para ir para a escola.
Ela afirma que o irmão vive da pesca e do aluguel de alguns pequenos barcos. “O ganha pão dele está aqui. O que ele e eu vamos fazer para sobreviver? Nós crescemos aqui. Eu e meu filho não temos onde morar. Estou desempregada”, disse.
O líder comunitário Sidnei Bibiano, também nascido e criado no local, explica que a pressão para a retirada dos moradores não é de hoje. Ele conta que há cinco anos aproximadamente, com a implantação do Conselho da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra do Guararú, a pressão aumentou para os caiçaras, que não promovem qualquer tipo de crime ambiental. A APA tem o objetivo de proteger as diversidades biológicas e assegurar a sustentabilidade do uso de recursos naturais do local.
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Bibiano mostra um estudo que prova que a região é foco de grande interesse de empreendimentos imobiliários voltados à indústria turística (marinas e segunda moradia). No documento, feito por um ex-técnico do estado, fica evidente que há uma tentativa descontrolar o acesso, com a criação da Estrada Parque Serra do Guararú, mas não foi possível devido a estrada ser estadual e conectada com a balsa, que faz a travessia para Bertioga. O estudo garante que estão tentando municipalizar a rodovia, a custo do despejo da comunidade mais pobre.
“O Conselho Gestor dessa APA, que envolve um instituto, o DER e membros de loteamentos de luxo, está intensificando a pressão para retirar os caiçaras. Sou suplente deste conselho, não concordo e garanto que isso vem ocorrendo. A cada dia piora. Daqui a pouco, devem pressionar a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) alegando área de marinha. Mas as marinas, condomínios e casas de shows também não estão em área de marinha?”.
Dia do Caiçara
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Segundo o líder, 15 de março último é a data de comemoração do Dia do Caiçara. “E o nosso presente foi a intimação da Justiça dando conta que teremos que abandonar nossas casas. Somos filhos e netos de pescadores. A maior colônia de nativos se concentra nessa região. Temos registros de moradores da década de 40. Temos documentos que comprovam tudo isso. A dona Rosa, por exemplo, mora aqui desde 1973”, finaliza, alegando que há uma verdadeira injustiça social e que o DER está cercando o mangue.
DER
O DL tentou, durante toda a última quinta-feira (20), data de fechamento dessa reportagem, ouvir o DER sobre a possível retirada dos caiçaras mas, até as 20 horas, nenhuma resposta foi encaminhada.
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