Cotidiano

Moradores da Estrada Guarujá-Bertioga são despejados

O DER está movendo ação contra famílias caiçaras que residem no local há pelo menos 40 anos. Porém, não há notícia que o mesmo ocorre em locais como marinas e condomínios na mesma área

Publicado em 23/03/2014 às 01:40

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Após quase quatro décadas morando de forma precária, tendo uma vida humilde e sobrevivendo basicamente da pesca artesanal, cerca de 50 famílias, com média de seis pessoas cada (muitas crianças), que residem às margens da Rodovia Ariovaldo (estrada Guarujá-Bertioga), terão que sair. É que o Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo (DER/SP) entrou com uma ação demolitória para retirar os casebres construídos no entorno da via.

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primeiros moradores já estão recebendo as cartas de intimação, oriundas da Primeira Vara Cível de Guarujá, conforme constatado pela reportagem do Diário do Litoral, na última quarta-feira (19). O estranho é que o mesmo não vem ocorrendo com marinas, restaurantes, bares e loteamentos de luxo que mantém imóveis à beira da estrada, como ocorre com os caiçaras, cujas casas não causam risco algum, nem mesmo ao meio ambiente.

A pescadora Rosa Jorge de Souza, que vive com uma pensão deixada pelo marido correspondente a um salário mínimo (R$ 724,00) e sustenta filhos e netos, não sabe o que fazer, pois não tem condições de pagar aluguel ou comprar um imóvel. Ela mora no entorno da estrada há 40 anos.

“Uma de minhas netas é especial. Tudo o que eu tenho está aqui. É pouco, mas o suficiente para minha família. Nós nunca destruímos a mata. Vivemos da pesca artesanal. Estão fazendo isso porque a gente não tem como pagar um advogado. Eu ainda tenho problema de pressão. Se o DER precisa da área, pelo menos nos garanta um local para morar”, afirma.

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DER move ação demolitória para retirar casebres construídos no entorno da rodovia (Foto: Luiz Torres/DL)

Rosa fica muito triste quando a acusam de invasora. “Quando cheguei aqui não tinha luz, estrada e nada. A gente chegava em Santos por uma barquinha. Agora somos invasores. E o que dizer então dos loteamentos de luxo? Eles são o quê?”, questiona a moradora.

Angélica Jorge de Souza, filha de Rosa, trabalha limpando apartamentos no centro de Guarujá. Ela também ganha pouco e tem filhos para sustentar. “Eu sou diarista e moro aqui desde que nasci. Eu não tenho como sobreviver fora deste lugar. Os técnicos estiveram aqui, mediram as casas e foram embora sem sequer olhar na cara da gente. Parece que somos cidadãos diferentes. Que não temos vida. Querem demolir o pouco que temos, o nosso teto. Eu ganho R$ 600,00. Como vou pagar aluguel e comer? Vamos ter que morar debaixo da ponte?”, indaga.

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Sandra Angélica dos Santos Rodrigues vive com um irmão, pois não tem onde morar. Ela nasceu e foi criada nas imediações do quilômetro 13 da estrada Guarujá- Bertioga, próximo a uma das bicas que desaguam na beira da rodovia. “A casa é de meu irmão, que nasceu aqui e tem 47 anos. Outro dia, eu estava levando meu filho para a escola e vi os técnicos do DER medindo tudo. Até a igreja não escapou”, revela, enquanto preparava o filho e um sobrinho para ir para a escola.

Ela afirma que o irmão vive da pesca e do aluguel de alguns pequenos barcos. “O ganha pão dele está aqui. O que ele e eu vamos fazer para sobreviver? Nós crescemos aqui. Eu e meu filho não temos onde morar. Estou desempregada”, disse.

O líder comunitário Sidnei Bibiano, também nascido e criado no local, explica que a pressão para a retirada dos moradores não é de hoje. Ele conta que há cinco anos aproximadamente, com a implantação do Conselho da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra do Guararú, a pressão aumentou para os caiçaras, que não promovem qualquer tipo de crime ambiental. A APA tem o objetivo de proteger as diversidades biológicas e assegurar a sustentabilidade do uso de recursos naturais do local.

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Bibiano mostra um estudo que prova que a região é foco de grande interesse de empreendimentos imobiliários voltados à indústria turística (marinas e segunda moradia). No documento, feito por um ex-técnico do estado, fica evidente que há uma tentativa descontrolar o acesso, com a criação da Estrada Parque Serra do Guararú, mas não foi possível devido a estrada ser estadual e conectada com a balsa, que faz a travessia para Bertioga. O estudo garante que estão tentando municipalizar a rodovia, a custo do despejo da comunidade mais pobre.

“O Conselho Gestor dessa APA, que envolve um instituto, o DER e membros de loteamentos de luxo, está intensificando a pressão para retirar os caiçaras. Sou suplente deste conselho, não concordo e garanto que isso vem ocorrendo. A cada dia piora. Daqui a pouco, devem pressionar a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) alegando área de marinha. Mas as marinas, condomínios e casas de shows também não estão em área de marinha?”.

Dia do Caiçara

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Segundo o líder, 15 de março último é a data de comemoração do Dia do Caiçara. “E o nosso presente foi a intimação da Justiça dando conta que teremos que abandonar nossas casas. Somos filhos e netos de pescadores. A maior colônia de nativos se concentra nessa região. Temos registros de moradores da década de 40. Temos documentos que comprovam tudo isso. A dona Rosa, por exemplo, mora aqui desde 1973”, finaliza, alegando que há uma verdadeira injustiça social e que o DER está cercando o mangue.

DER

O DL tentou, durante toda a última quinta-feira (20), data de fechamento dessa reportagem, ouvir o DER sobre a possível retirada dos caiçaras mas, até as 20 horas, nenhuma resposta foi encaminhada.

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