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Um imóvel discreto em uma rua movimentada no bairro Gonzaga, em Santos. Até as últimas semanas, quem transitava pela Rua Pereira Barreto não imaginava que ali funcionava um bingo clandestino.
O lugar foi só mais um dos vários fechados pelo Ministério Público do estado de São Paulo (MP-SP) neste ano. O promotor de Justiça Silvio de Cillo Leite Loubeh, que integra o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) explica não se trata apenas de um bingo clandestino, mas é sobre o crime organizado.
“O próprio bingo clandestino é o crime organizado. Não é uma pessoa que está ali ganhando um dinheirinho, fazendo uma contravenção. Tem uma estrutura muito grande por trás disso. São laranjas que aparecem como locatários de imóveis, são policiais civis e militares que recebem propina para permitir que o jogo continue, para passar informações privilegiadas. Isso já ficou demonstrado em várias operações do Gaeco. São fiscais da Prefeitura que não fiscalizam essas residências que são todas modificadas para permitir que o negócio funcione. Então, é uma estrutura gigantesca, que envolve muito dinheiro”.
O envolvimento de policiais e outros agentes públicos no esquema de corrupção é, segundo o promotor, o principal motivo da atuação do Gaeco. “Se não tivesse a corrupção relacionada à exploração do jogo, certamente não seria uma ação prioritária como a gente tem hoje. Acho que esse é o aspecto mais grave da questão”.
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Neste ano, dois policiais foram presos por envolvimento com bingos clandestinos. Em 2012, cerca 10 policiais acabaram detidos pelo mesmo crime. No entanto, não há como estimar se aumentou ou não a participação de agentes de segurança nesses casos. “A forma deles trabalharem pode estar mais elaborada”.
O bingo que funcionava na Rua Pereira Barreto tinha um lucro líquido, por semana, de R$ 70 mil. Apesar do MP não precisar quanto a máfia dos jogos movimenta, a estimativa é que uma casa, com cerca de 40 máquinas, tenha faturamento semelhante ao bingo que funcionava no Gonzaga.
No último ano, o Gaeco realizou 38 operações e apreendeu 595 máquinas de jogo. Somente em 2015, impulsionado pela operação “Jogo Duro”, deflagrada em abril, foram 39 operações e 425 máquinas apreendidas. Apesar do intenso trabalho, ainda não há um controle sobre a quantidade de bingos clandestinos na Baixada Santista.
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“Não tem como saber. A gente fecha o bingo e dois dias depois ele já está funcionando em outro local. A PM vai lá e fecha. Dá mais uma semana, ela reabre e nós fechamos de novo. E reabrem novamente. Chegam denúncias falando ‘vocês fecharam um bingo na rua tal, e agora ele está funcionando em outra rua’”, explicou o promotor.
Bandidos e leis
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No dia 18 de maio, a reportagem do Diário do Litoral acompanhou uma operação da Polícia Militar, que fechou um bingo na Rua Euclides da Cunha, no bairro Pompéia , em Santos. Durante a ação, algumas pessoas criticavam o trabalho da PM com frases como ‘deixa os idosos jogarem’ e ‘vão procurar bandidos e deixem o bingo em paz’.
Segundo Loubeh, esse tipo de manifestação ainda existe, mas o número de reclamações é cada vez menor.
“Primeiro, quero deixar claro que nós procuramos bandidos também. O Gaeco apura tráfico, corrupção, uma série de outros casos. Isso cada vez a gente ouve menos. As pessoas que estão ali falam, mas elas sabem o que está acontecendo. Há 2 ou 3 anos era mais comum ouvir esse tipo de coisa. Mas não falta informação. Ninguém é inocente ali”.
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Hoje, a pena por contravenção penal, considerado crime de menor potencial ofensivo, é de 3 meses a um ano de prisão. Mas, recentemente, o MP tem a disposição outro dispositivo para deixar a pena mais rígida.
“Isso movimenta muito dinheiro e essas pessoas que exploram o jogo precisam, de alguma forma, trazer esse dinheiro que eles ganham para o mercado formal. Então, tem sempre um esquema de lavagem por trás. É muito comum eles terem empresas de fachada. Até 1 ano atrás, não podíamos investigar lavagem de dinheiro relacionada com jogo. Hoje já pode. Embora ele esteja conseguindo dinheiro através da contravenção, sem a gente esquecer que tem a corrupção sempre caminhando junto, agora a gente também pode enquadrar na lei de lavagem de dinheiro. A coisa vai ficando mais complexa”.
Loubeh cobrou mudanças na forma como se trata do jogo ilegal. Para ele, é preciso tomar uma decisão: se legaliza ou endurece a lei. “É uma opção que o legislador tem que fazer. Ou resolve legalizar de uma vez e tomar todas as providências em relação a isso, cobrar imposto inclusive. Ou tem que endurecer a pena porque do jeito que está hoje está bem claro que não está resolvendo. Por isso que está espalhado e não é só na região. Certamente, está espalhado por todo estado”.
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Além de buscar incluir denunciados no crime de lavagem de dinheiro, o MP ainda tenta fazer com que os proprietários de imóveis zelem pelos seus patrimônios. “Todos os casos de casas que a gente vai e fecha, encaminhamos uma representação para a Promotoria de Urbanismo. Chegando lá, eles instauram um procedimento de investigação, chamam o proprietário e temos notícias de acordos assinados com proprietários dos imóveis nos quais eles se comprometem, sob pena de multa, a zelar para que o imóvel não volte a ser utilizado para essa finalidade. É outro caminho que tentamos utilizar para dificultar a ação da máfia dos jogos”.
Denúncias e locais
Tanto o Gaeco quanto a Polícia chegam até os bingos clandestinos devido a denúncias. Segundo o promotor, por diversas vezes, elas são feitas por parentes de jogadores. “São familiares que fazem as denúncias para a gente. Não é incomum a pessoa mandar mensagem pelo Disque Denúncia do Gaeco ou ligar aqui sem se identificar e falar ‘meu pai gasta todo dinheiro da aposentadoria lá’ou ‘minha mãe gasta todo o dinheiro lá. Vocês precisam fechar essa casa’. É muito comum familiares fazerem essas denúncias”.
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Por fim, Loubeh explicou os artifícios utilizados pelos contraventores para ‘viciar’ os jogadores e evitarem curiosos. “Eles fazem justamente para dificultar a localização dos bingos e manter a pessoa mais tempo. Como eles preparam essas casas? As portas, eles fazem de aço, vedadas, geralmente duas ou três até chegar ao salão de jogos.
As janelas são emparedadas ou, no mínimo, tampadas por tapumes pelo lado de dentro. De fora, você não consegue ver se há movimento dentro do imóvel e quem está dentro não percebe que a hora está passando, que já escureceu. Fica aquele ambiente viciado, com o ar condicionado ligado direto e com fumo liberado, inclusive, podendo trazer danos a saúde desses idosos. Cria-se um ambiente para a pessoa ficar lá até acabar o dinheiro”.
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