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Mineração no fundo do mar pode acontecer a 370 km das praias do Litoral de SP

Corrida por matéria-prima para produção de baterias e painéis solares motiva cobiça de mineradoras, que avançam sobre os oceanos, com impactos ambientais imprevisíveis

Pedro Henrique Fonseca

Publicado em 22/07/2024 às 06:15

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Empresas querem lotear o fundo do mar, pondo em risco praias, baleias e pinguins / Divulgação/PMS

Quantos segredos ainda nos reservam as profundezas dos oceanos? A humanidade está prestes a novamente se lançar rumo ao desconhecido. Mais precisamente, ao fundo do mar, onde repousam gigantescas jazidas de minerais como cobre, cobalto, manganês e níquel. Esse tesouro é alvo da cobiça de pequenas ilhas-nações isoladas e pobres, aliciadas pelos interesses de grandes mineradoras multinacionais.

Resta saber qual será o impacto dessa aventura na sua, na minha, na nossa praia, o ambiente mais democrático do mundo, onde ricos empresários desfilam de sunga, tanto quanto pobres ambulantes que mascateiam bugigangas, entre a avenida e o mar.

Ambientalistas alertam que essa ‘caça ao tesouro’ no lar de baleias, peixes e pinguins deverá causar impactos tão grandes quanto as riquezas que repousam sob o assoalho marinho.

E o Brasil é protagonista nos debates que começaram na última segunda-feira, durante a assembleia da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, em inglês), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU). O evento acontece na Jamaica até 2 de agosto.

Essa ‘caça ao tesouro’ ganha tração com a transição do petróleo para energias limpas, carbono-zero. E pretende suprir a demanda por matéria-prima para baterias dos veículos elétricos, painéis solares e, também, telefones celulares.

A princípio, essa mineração está prevista para acontecer em águas internacionais. Essas ‘águas sem pátria’ ocupam 71% dos oceanos e ficam a partir de 370 quilômetros em linha reta das praias do Gonzaga, da Enseada, do Gonzaguinha, do Boqueirão, da Riviera de São Lourenço e do Cibratel.

Convenção da ONU

A discussão na Jamaica reúne representantes de 167 países signatários da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar. E duas agendas dominam os debates: permitir o início da mineração no fundo do mar e a eleição do próximo secretário-geral. E uma brasileira está na disputa pelo comando do órgão, responsável por conceder as licenças de exploração.

Mas, o consenso está longe de ser alcançado entre as nações. E, se elas não chegarem a um acordo sobre as linhas gerais de um Código da Mineração no Mar, o caminho ficará livre para que os interessados possam explorar os minerais em águas internacionais.

Isso porque existe uma regra na Convenção da ONU que, se acionada, libera as nações-membro a apresentar planos para mineração em larga escala, mesmo que o código não tenha sido adotado formalmente.

Em julho de 2021, Nauru, uma ilha da Oceania, em parceria com a mineradora canadense The Metals Company, acionou essa regra, pressionando o Conselho da ISA a finalizar o código de mineração até julho de 2023. Mas, isso não ocorreu.

‘Mineração sem freio’

Até o início dos debates nesta semana, 27 dos 36 países que compõem o Conselho da ISA se manifestaram a favor de uma moratória. Essa suspensão de qualquer licenciamento seria adotada até que os impactos ambientais sejam melhor avaliados e que as nações desenhem, em conjunto com a Ciência, um código de mineração seguro.

Segundo Louisa Casson, ativista da campanha Stop Deep Sea Mining do Greenpeace, o momento é “politicamente estressante”, devido à iminente divisão entre as nações. E essa discórdia pode desaguar no limbo que permitirá a mineração sem freio. “Se não tivermos um caminho claro após essa reunião, a porta estará aberta para a Metals Company”, advertiu Louisa em entrevista à agência de notícias epbr.com.

Sem regras, vale tudo no litoral da América

Na ausência de regras, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) se viu obrigada a autorizar 31 contratos de exploração mineral em alto mar. As áreas liberadas compreendem um total de 1,5 milhão de quilômetros quadrados. O loteamento do fundo do mar abrange um espaço equivalente a quatro vezes o tamanho do território da Alemanha, ou 1% de todo o assoalho marinho em águas internacionais.

A maior parte desses contratos mira uma área no Oceano Pacífico potencialmente rica em minerais essenciais para a economia carbono-zero. Próximo desses canteiros de obras estão praias badaladas como Acapulco, no México, além do litoral de estados norte-americanos, como a Califórnia, e até o paraíso dos surfistas, no Havaí.

Esses 31 contratos não permitem extrair minérios em larga escala, mas autorizam a exploração para testes que vão subsidiar a etapa seguinte dos projetos, que é a solicitação formal para mineração de cobre, níquel, manganês e cobalto. É o que a The Metals Company planeja fazer ainda este ano.

“A ciência mostra que se fizer a mineração no mar, haverá danos. Isso é inevitável”, resume a ativista Louisa Casson, da campanha Stop Deep Sea Mining do Greenpeace.

Moratória

Brasil, Chile, Canadá, México, Costa Rica, Finlândia, Alemanha, Portugal, Suíça e Nova Zelândia estão entre os 27 países que defendem uma moratória para mineração no fundo do mar até que seja pactuada uma legislação específica para a atividade em águas internacionais. A França se declarou a favor de banir definitivamente as operações em mar aberto.

Segundo a epbr.com, um grupo com mais de 800 cientistas e empresas também defende a moratória preventiva. Esse grupo conta com o apoio de Google, BMW, Volvo e Renault, por exemplo. Povos indígenas do Pacífico, cuja subsistência depende do oceano, também resistem à ideia.

Na outra ponta estão China, Noruega, Nauru e Reino Unido, que pedem agilidade no licenciamento. Nos Estados Unidos, essa é uma agenda que divide Republicanos e Democratas, às vésperas da eleição presidencial.

Brasil é protagonista contra ‘caça ao tesouro’

Os críticos à mineração no fundo do mar contestam a liderança do britânico Michael Lodge, atual secretário-geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA). Na avaliação desses setores, Lodge pautou seus dois mandatos pela defesa dos interesses das grandes mineradoras internacionais. Para obter uma licença para estudos no assoalho marinho cada empresa paga US$ 500 mil em taxas para a ISA. Ao longo da gestão Lodge, nenhum pedido de mineração exploratória preliminar foi rejeitado.

Para romper com essa suposta afinidade, o Brasil lançou a candidatura da diplomata e cientista do mar Letícia Carvalho. A candidatura brasileira para a Secretaria-Geral da Autoridade Internacional já recebeu o apoio de nações como a Alemanha. Letícia pode ser a única adversária de Lodge.

A eleição para o cargo ocorre no próximo dia 2, na Jamaica. O papel de secretário-geral é administrativo e deve buscar a neutralidade, mas tem a tarefa de pautar a agenda de debates e definir quais vozes são priorizadas. A relação de candidatos será definida no último dia da reunião do Conselho da Autoridade Internacional, no próximo dia 26.

“Os governos pró-moratória –, que estão crescendo em número, apoiados por empresas, populações indígenas, cientistas e ambientalistas –, vão construir mais poder para criar uma barreira legal ao começo da mineração no mar? Ou as coisas ficarão abertas e estaremos sob ameaça da mineração no mar, o que seria desastroso para os oceanos?”, questionou Louisa Casson, ativista da campanha Stop Deep Sea Mining do Greenpeace, em entrevista à agência de notícias epbr.com.

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