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A cada ano, graças em parte à tecnologia, o Porto de Santos bate um novo recorde. No entanto, se o esforço do empresariado do cais santista foi suficientemente eficiente para garantir boa ‘performance’ de chegada e a partida de produtos e equipamentos, não foi tão eficaz no que diz respeito às condições de trabalho para um personagem fundamental para e economia do Mundo: o trabalhador portuário.
A conclusão acima está explícita no livro Porto de Santos – Saúde e Trabalho em Tempos de Modernização, resultado dos estudos das professoras doutoras Maria de Fátima Ferreira Queiróz (Universidade Federal de São Paulo – Unifesp); Rosana Machin e Márcia Thereza Couto, da Universidade de São Paulo (USP). No livro, as professores investigaram a modernização do trabalho portuário por duas décadas em Santos e os efeitos do processo na saúde dos trabalhadores que, em pleno ano de 2015, continuam sem ter onde se alimentar com dignidade.
“Há contradições e tensões presentes nessas mudanças, pois ao mudar a forma de trabalhar também mudam os adoecimentos e, apesar das inovações tecnológicas, persiste o desgaste físico e mental, o cansaço e a dor”, revelaram esta semana à Reportagem Márcia Couto e Rosana Machin, em visita ao Diário do Litoral.
Segundo as professoras-doutoras, a instabilidade decorrente de cada vez ter menos trabalho disponível expõem o trabalhador a constante estresse. As pressões por produção com equipes compostas por menor número de trabalhadores aumentam os riscos de acidentes e adoecimentos.
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O estudo das professoras revelam índices preocupantes: 18,4% dos trabalhadores apresentam fadiga generaliza da e boa parte crônica. Distúrbios osteomusculares estão presentes em 43% dos trabalhadores do porto, sendo que um número significante sofre dormência na região cervical (pescoço) e 63% na lombar. Mais de 60% dos portuários referem-se à inexistência de pausas para a alimentação.
O estudo informa que, legalmente, a redução da jornada de trabalho para seis horas permite uma pausa de 15 minutos durante o turno. Contudo, muitos não realizam ou consideram insuficiente em razão da escassez de estabelecimentos comerciais de alimentação no entorno do cais ou mesmo pela intensificação do ritmo de trabalho que dificulta a saída do local de trabalho. Dependendo do ponto do cais, não há permissão para sair dos terminais privados. “As opções são muito precárias. Não existe uma alimentação adequada para a jornada enfrentada pelos portuários. Muitas operadoras oferecem lanches, mas a qualidade nutricional ainda não é a ideal”, aponta Rosana Machin.
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As docentes revelam que é preciso que as empresas tenham um olhar diferenciado para a saúde dos trabalhadores. É preciso reconhecer que o processo de modernização não trouxe apenas benefícios, mas também malefícios. “As tecnologias melhoraram o trabalho, principalmente no aspecto de segurança, mas diminuiu o número de trabalhadores e exigiu mais produtividade. A oferta de trabalhos paralelos também diminuiu. Isso afeta o psicológico dos portuários. Há um conflito entre o antigo e o moderno, que as empresas não estão conseguindo equacionar. Os novos problemas continuam atingindo o físico do trabalhador e aumentaram a questão psicológica”, afirma Rosana Machin, alertando que o relacionamento interpessoal entre os portuários diminuiu drasticamente. “Muitos se comunicavam por sinais. A experiência de muitos não está sendo levada em consideração”, completa.
OGMO exige multifuncionalidade
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Segundo Márcia Couto, a implantação do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) trouxe junto a multifuncionalidade, que também causou impacto ao trabalhador, que teve a oferta de trabalho diminuída e, por consequência, os rendimentos. “O trabalho portuário era um ofício que ultrapassava gerações. A ideia de família ainda está enraizada no portuário. As mudanças estão causando muito sofrimento e atingindo a autoestima do trabalhador. A concorrência pelo trabalho aumentou e as relações ficaram muito mais superficiais. A confiança entre os trabalhadores diminuiu e se tornou uma aflição no mundo do trabalho portuário”, afirma Márcia Couto.
As educadoras-pesquisadoras revelam que grande parte dos trabalhadores do porto não reside em Santos, mas nos municípios próximos, o que também reflete outro problema que é a dificuldade de transporte. “Quando ele não é escalado fica pela cidade, próximo à área do cais, de qualquer jeito, sem opção de descanso, alimentação, enfim. Isso tira o trabalhador do convívio familiar. É a luta pela sobrevivência no cais”, informa Márcia Couto.
Além disso, completa Rosana Machin, muitos trabalhadores estão se dirigindo ao porto e não estão conseguindo o trabalho. “Os sofrimentos e as pressões são muito grandes. Muitos trabalhadores estão estimulando os filhos a buscar novas alternativas longe do porto. A valorização antiga do trabalho portuário foi se perdendo com o passar dos anos. Há também uma grande busca por uma nova identidade para os trabalhadores do porto”, conta a professora.
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As pesquisadoras são unânimes em dizer que as empresas portuárias têm que não só buscar tecnologia, mas também alternativas para melhorar o ambiente de trabalho dos portuários, pois não existe nada que seja mais importante do que a força de trabalho dos homens e, aos poucos, também as mulheres do cais. “É preciso, acima de tudo, valorizar a informação e o conhecimento dos trabalhadores”, finalizam.
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