Cotidiano

Médico afirma que filho autista foi excluído de aula-teste em universidade de Santos

Pai do jovem de 20 anos procurou a Reportagem porque acredita que sua situação não deve ser única na Cidade em outras instituições semelhantes

Carlos Ratton

Publicado em 27/01/2025 às 06:30

Atualizado em 27/01/2025 às 07:33

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O médico Jerônimo Fernandes Godofredo afirma ter passado por uma situação constrangedora / Carlos Ratton/DL

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Uma situação constrangedora e suspeita de exclusão afirma ter passado o médico Jerônimo Fernandes Godofredo, pai do jovem Victor Musashi Toguchi Godofredo, de 20 anos, portador de autismo severo, na Universidade Metropolitana de Santos - UNIMES. Ele procurou a Reportagem porque acredita que sua situação não deve ser única na Cidade em outras instituições semelhantes.

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O médico conta que, recentemente, conseguiu inscrever Victor em uma aula-teste de hidroginástica na Unimes. No dia do teste, antes mesmo de iniciar a aula, disse que a instrutora o alertou que o seu filho não iria conseguir acompanhar a aula, mesmo na companhia da irmã de 16 anos, que serviria como uma espécie de acompanhante terapêutica (AT).

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O médico insistiu, pagou o teste e, mesmo o rapaz apresentando um comportamento feliz de estar fazendo hidro próximo a idosos que estavam na piscina participando e não se importando com sua presença, a mesma instrutora disse ao médico que o rapaz não estava conseguindo acompanhar a aula e, ainda, que estaria atrapalhando a dinâmica e didática de seus exercícios.

"Meu filho não consegue nadar. Por isso, pensei que a hidroginástica seria aconselhável. Eu paguei pela aula-teste que tinha por objetivo verificar as condições dos alunos. No formulário, eu apontei que ele tinha a deficiência, foi quando a professora, antes mesmo do teste, veio me aconselhar a desistir", afirma o médico.

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Jerônimo ficou observando a aula e explica: "ela dava uma orientação coletiva e, como meus filhos estavam mais afastados, a instrutora tentava orientar. Após a aula, ela (instrutora) se dirigiu a mim e disse que meu filho não tinha condições de continuar e, mesmo eu dizendo que era importante para seu bem-estar, disse que ele atrapalharia as aulas", revela o médico.

Jerônimo acrescenta que, em nenhum momento, a Unimes informou uma opção para alunos autistas. Nem mesmo se teria uma equipe especializada para situações especiais. Disse ainda que não era a primeira vez que isso teria acontecido com seu filho na instituição.

"Quando eu o inscrevi na natação, anos atrás, aconteceu algo semelhante. Resolvi me manifestar agora para alertar outros pais e por acreditar que uma instituição como a Unimes, uma referência na área de educação física, deveria ser preparada para atender pessoas como meu filho. Acho que lá existe mais exclusão do que inclusão", dispara, garantindo que não vai acionar a universidade na Justiça.

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Professor

O Diário expôs a situação vivida por Jerônimo e Victor a um técnico. O professor de natação Cristiano Torres, especialista em natação adaptada para autismo e em adolescência pela Universidade de São Paulo (Unifesp), com vários trabalhos para pessoas com deficiência, alerta que o médico deveria procurar a Justiça, pois existem inúmeras leis que asseguram e legitimam a participação de Victor nas aulas.

"Foi uma exclusão, sim. O rapaz estava com acompanhante, o que permite que ele tenha aulas. A AT, no caso a irmã, seria intermediadora dos exercícios caso houvesse alguma dificuldade com Victor. Além disso, a faculdade tem obrigação de ter um atendimento terapêutico. A faculdade que eu leciono, em Mato Grosso, tem", afirma Torres.

O professor acredita que, além da exclusão, pode ter havido preconceito. "As universidades precisam capacitar e humanizar seus funcionários. O médico deveria entrar em contato com a direção da Unimes e alertá-la sobre a necessidade de revisão de posturas e capacitação de funcionários".

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Unimes

Procurada, a Unimes destaca que as atividades desenvolvidas na piscina são desempenhadas por uma academia e que tomou maiores detalhes com a equipe técnica responsável pela hidroginástica que confirmou que o aluno foi direcionado a aula-teste, para conhecimento das suas habilidades e que as atividades em grupo, dentro da aula, remete a interação social com faixa etária diversa.

"Face a pluralidade de condições, a professora fez a orientação de que o aluno deveria perquirir outro tipo de atividade aquática, sobretudo para garantir-lhe melhor aproveitamento sem ignorar sua segurança", afirma em nota.

A Unimes destaca que, embora a academia não tenha nenhum trabalho específico para grupos de alunos determinados, para além da expertise, há inúmeros alunos, típicos e atípicos, com diferentes limitações sensoriais, cognitivas e físicas, dentre elas, TEA, TDH, portadores de deficiência visual, hemiplégicos entre outros.

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Por fim, lamentando profundamente pela sensação narrada, reitera o compromisso social e acadêmico, reafirmando o compromisso com a diversidade, troca e, sobretudo, aprendizado com atenção absoluta a integridade e a segurança de todos.

Existe ampla legislação que ampara situações iguais

No Brasil, há uma vasta legislação sobre a questão. A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, garante que todas as pessoas com deficiência, incluindo os autistas, tenham acesso igualitário a serviços, bens e espaços públicos e privados, o que inclui academias e centros esportivos.

Além disso, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a pessoa tem o direito de receber o serviço contratado de forma adequada e segura, conforme as suas necessidades específicas. Se a academia ou clube se recusar a oferecer as adaptações necessárias ou cobrar valores abusivos por esses ajustes, pode-se buscar direitos na Justiça ou junto a órgãos de defesa do consumidor.

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Vale lembrar que a exclusão ou discriminação pode se manifestar de várias formas, como a recusa de matrícula, a falta de adaptação do ambiente ou até mesmo a cobrança de taxas extras indevidas para atender às necessidades específicas.

A ainda há a Lei Berenice Piana (12.764/2012), que institui os direitos dos autistas e suas famílias em diversas esferas sociais e a Lei Romeo Mion (13.977/2020), que estabelece a emissão de uma Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CipTEA).

Também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/1996), que estabelece as diretrizes gerais da educação no Brasil e inclui disposições específicas sobre a educação especial.

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Ano passado, foi aprovada pela Câmara dos Deputados o projeto de lei garante o direito de atendimento educacional especializado para estudantes com autismo, seja na rede de ensino privada ou pública. O novo texto aprovado é um substitutivo da deputada Helena Lima para o PL 1874/15, do ex-deputado Victor Mendes.

No novo texto, as escolas privadas não poderão cobrar qualquer valor adicionado nas mensalidades, matrículas ou anuidades dos estudantes, para a oferta de profissionais de apoio escolar.

Também fica proibido que essas instituições privadas de ensino fixem um limite pré-determinado de estudantes com TEA nas salas de aula, em todas as modalidades ou níveis de ensino.

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Pensando na formação dos profissionais da educação que atuam diretamente nessas instituições de ensino infantil, o novo PL determina a inclusão de tópicos a respeito do transtorno na primeira infância e do trabalho integrado com as equipes multidisciplinares.

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