EXTINÇÃO
De acordo com uma pesquisa publicada na edição desta terça (17) da revista científica Nature Communications, quase dois terços (59%) das 134 espécies de tubarões e raias recifais apresentam algum nível de perigo
Espécies de tubarão e arraia sofre com possível extinção / DIVULGAÇÃO
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Tubarões e raias que vivem associados aos recifes de corais ou utilizam essas áreas para passagem são os que mais estão ameaçados de extinção nos últimos 50 anos.
De acordo com uma pesquisa publicada na edição desta terça (17) da revista científica Nature Communications, quase dois terços (59%) das 134 espécies de tubarões e raias recifais apresentam algum nível de perigo, como vulneráveis, ameaçados ou criticamente ameaçados. Destas, 14 (10,5%) estão criticamente ameaçadas, 24 (17,9%) ameaçadas e 41 (30,6%) foram classificadas como vulneráveis.
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Esse índice só é menor do que o de mamíferos marinhos, como baleias e golfinhos, com 75% das oito espécies avaliadas com algum tipo de ameaça. Todos os outros grupos de organismos considerados apresentavam menor risco de extinção.
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Os dados analisados foram obtidos da última atualização da lista vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza, na sigla em inglês), de 2021, até 1970, compreendendo um período de meio século de avaliação das espécies.
O estudo fez um cálculo do chamado índice da lista vermelha (RLI, na sigla em inglês), que calcula a proporção de espécies com menor preocupação e aquelas consideradas ameaçadas. Quanto mais próximo de um, melhor é o estado de conservação, enquanto uma taxa próxima de zero significa que mais espécies estão perto de serem extintas.
Em 1970, todos os elasmobrânquios (grupo que inclui as raias e tubarões) tinham índices RLI próximos a um (0,95). Esse número caiu para 0,64 em 2021. Considerando os grupos específicos, as raias recifais são as que hoje têm o menor índice, de apenas 0,6, embora a tendência de queda seja muito semelhante à dos tubarões recifais.
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Segundo a pesquisa, a pesca tanto intencional quanto acidental -quando o peixe é capturado junto à rede ou com o uso de ferramenta de pesca, mas não era o produto de interesse (chamado em inglês de "by-catch")- foi a principal causa de ameaça a esses peixes nos recifes de corais (100% das espécies com dados disponíveis). Em seguida, as outras causas que hoje ameaçam a vida dos tubarões e raias são as mudanças climáticas (36%), o desenvolvimento urbano em zonas costeiras (29%) e a poluição marinha (9%).
Contrariamente ao que era esperado, as espécies consideradas como passageiras foram as que apresentaram maior ameaça (76%), enquanto as espécies residentes tiveram proporcionalmente menor risco (44%). Ainda, espécies encontradas em menos de dez países tiveram risco menor de extinção quando comparadas àquelas com maior distribuição geográfica (43% contra 95%).
O risco era ainda maior para espécies de grande porte, como o tubarão cabeça-chata (Carcharhinus leucas), classificado como vulnerável pela IUCN, e que pode chegar a 3,5 metros de comprimento.
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Para Samantha Sherman, pesquisadora na Universidade Simon Fraser, na Columbia Britânica (Canadá) e primeira autora do estudo, o resultado reflete a mobilidade destes animais que por estarem nas áreas costeiras de vários países se submetem a diferentes jurisdições. "Elas estão sujeitas ao encontro de redes ou equipamentos de pesca em algum momento da vida delas, e não necessariamente vão encontrar medidas de manejo similares em cada local", explica.
A pesquisadora lembra ainda que medidas de proteção de tubarões e raias devem considerar a biologia e as estratégias de vida destes animais. "Como tubarões e raias atingem a idade de reprodução mais tarde e vivem mais, os efeitos de medidas de proteção só vão ser observados depois de décadas de implementação", afirma.
Nos anos 2000, países passaram a regulamentar a pesca de tubarões, especialmente para coibir a prática conhecida como "finning", nome dado à remoção das nadadeiras dos tubarões para venda em mercados especializados no "descarte" do restante do corpo do animal no mar. No Brasil, a legislação que proíbe o "finning" é de 2009, mas mesmo no estudo de Sherman o país aparece como um dos lugares com maior risco para os tubarões recifais.
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Segundo o ictiólogo Fábio Motta, professor de Conservação Marinha na Unifesp de Santos, ainda que tenha tido uma evolução importante em termos da agenda global de preservação destes animais, há um preconceito muito forte na população que prejudica a conservação de tubarões e raias.
"Por causa dos incidentes com os humanos e também por serem parte importante da dieta em alguns locais, como na região Norte, onde são pescados e comercializados, e também considerando o ciclo de vida e a longevidade, os tubarões e raias aparecem com frequência em listas de espécies ameaçadas", diz.
De acordo com o pesquisador, o ideal seria pensar em estratégias que aliem monitoramento das áreas costeiras, fiscalização, criação de áreas protegidas e conscientização da população sobre a origem do peixe. "Não adianta só fazer a proibição da pesca por proibir, precisa atuar com a participação popular para mudar o meio de consumo", avalia.
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De acordo com ele, uma medida efetiva seria uma lista taxonômica com as espécies incluídas como ameaçadas para proibir a pesca. "Hoje, no Brasil, tudo que é tubarão entra em uma categoria genérica de 'cação', e o que é raia entra como raia. E não temos conhecimento sobre quantidade e tipos de espécies pescadas anualmente", explica.
Patricia Charvet, da Universidade Federal do Ceará e uma das autoras do estudo na Nature, lembra que as medidas de proteção de tubarões, embora sejam ainda incipientes, já existem no Brasil, enquanto as raias continuam como os peixes mais ameaçados e sem proteção.
"Em alguns locais existem soluções que tiveram sucesso, mas em geral elas precisam ser feitas em conjunto. É importante destacar que no caso de raias e tubarões a pesca é a principal atividade que ameaça os animais, então fazer cotas de volume de pesca, limitar as áreas, ter zonas adjacentes às áreas preservadas onde os animais podem circular, são algumas das medidas que podem ser adotadas tanto no Brasil quanto internacionalmente", afirma.
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O estudo internacional discute ainda o papel de áreas de preservação ambiental marinha, as chamadas MPAs, na sigla em inglês. De acordo com a pesquisa, legislações governamentais fracas ou incipientes estavam associadas ao maior risco de extinção das espécies, e isso levanta o debate de criar zonas de restrição definitiva para a pesca de animais.
É o caso do Parque Nacional de Abrolhos, a 65 quilômetros da costa sul da Bahia. De acordo com um estudo feito pela bióloga Fernanda Rolim, do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha da Unifesp de Santos, o mesmo de Motta, em áreas em que a pesca era permitida não foram encontrados tubarões recifais, enquanto nas zonas classificadas como totalmente restritivas foram avistados os animais, como o tubarão-limão (Negaprion brevirostris), o tubarão-cabeça-de-cesto (Carcharhinus perezi) e o tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum).
"Existem hoje classificações para criar boas áreas de proteção ambiental, com critérios bem definidos, e que isso possibilite a preservação das espécies. Muitos tubarões e raias dependem dos corais para reprodução, então é importante entender também esse papel de berçário. Não adianta criar uma área de proteção marinha em uma região de mar aberto onde não tem nenhuma espécie sensível", avalia.
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