Cotidiano
A decisão do STJ pode acabar com uma injustiça que perdura desde o final de 2021 e garantir, inclusive, o direito de indÃgenas
Rio em Bertioga / Nair Bueno/DL
Continua depois da publicidade
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode acabar com uma injustiça que perdura desde 2021 e garantir, inclusive, o direito de indígenas da Baixada Santista. O STJ negou recurso do Estado de São Paulo e do Comitê da Bacia Hidrográfica da Baixada Santista e decidiu que este último tem que garantir o equilíbrio na composição do colegiado de forma a permitir a efetiva participação da sociedade civil, inclusive indígena. A ação foi movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP).
A decisão judicial estabelece ainda a realização de novas eleições para o Comitê, sob pena de multa diária de R$ 3 mil.
Continua depois da publicidade
Com isso, vale a sentença publicada em primeira instância determinando que o Comitê deve assegurar à sociedade civil ao menos metade do número total de membros, sendo que Estado e municípios não podem, juntos, ter mais do que 50% dos votos.
Além disso, o Estatuto do Comitê precisará ser adequado à Lei Federal 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, entre outras providências.
Continua depois da publicidade
Em seu artigo 39, o texto estabelece que a representação dos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios será limitada à metade do total de membros.
A promotora Flávia Maria Gonçalves, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA), apontou que o Comitê vinha desrespeitando a paridade necessária imposta por lei federal quando limitou a participação da sociedade civil ao máximo de um terço do número total de votos.
O Estatuto do Comitê determina a existência de 36 assentos, sendo nove representantes do Estado, nove dos municípios que compõem a Baixada Santista e mais 18 assentos destinados aos representantes da sociedade civil.
Continua depois da publicidade
Para efeito de verificação de quórum e contagem nas votações, os votos de cada representante da sociedade civil seriam computados após multiplicados por um fator igual a 0,5.
Ou seja, na prática, os votos dos 18 assentos da sociedade civil valeriam no máximo 9 votos, enquanto a soma entre o Estado e os municípios valeriam 18 votos.
"Assim, com uma clara inferioridade no valor do seu voto que no máximo totalizará 1/3 do total, é de se compreender por que a sociedade civil não possui um poder efetivo nas decisões a serem tomadas no âmbito do Comitê, quer no tocante às diretrizes políticas, quer nas medidas de gestão quantitativa e /ou qualitativa", afirmou Flávia nos autos. Também atuou no caso o procurador de Justiça Paulo Afonso Garrido de Paula.
Continua depois da publicidade
Desde agosto de 2021, o Diário vinha denunciando problemas de paridade no Comitê. Um dos mais graves é que ele não garante presença indígena nas reuniões e decisões do colegiado.
Com a decisão atual, esse problema deverá ser resolvido, como ocorreu anos atrás no Comitê da região de Piracicaba, Interior de São Paulo, também obrigado a garantir 50% da sociedade civil (incluindo os indígenas) e 50% de representantes dos governos estadual e federal.
Na Baixada, até a Fundação Nacional do Índio (Funai) - o órgão indigenista oficial do Estado Brasileiro, vinculado ao Ministério da Justiça - não consegue participar. Estima-se que aproximadamente 2.600 indígenas estão inseridos em 14 terras indígenas e 41 aldeias sob a influência da Bacia Hidrográfica da Baixada Santista.
Continua depois da publicidade
O coordenador regional Litoral Sudeste da Funai, o indígena Ubiratã Jorge de Souza Gomes, está esperançoso. Ele participou de inúmeras reuniões do Comitê para demandar vaga para indígenas conselheiros.
"Fizemos inúmeros ofícios pleiteando assento para a Funai e para os indígenas e nunca fomos atendidos. Foram criados diversos obstáculos e nunca permitiram minha entrada, nem com a ajuda de um advogado. A partir deste momento, com essa decisão, vamos poder ingressar e decidir sobre os investimentos em relação a saneamento e acesso a água nos territórios indígenas".
É importante lembrar que outro que luta pelos direito de participação indígena no CBH é o oceanógrafo e sócio fundador do Instituto Maramar, Fabrício Gandini.
Continua depois da publicidade
Ele pensa que os indígenas brasileiros, incluindo os regionais, são verdadeiros guardiões dos recursos naturais do País e deveriam ser usados como aliados, e não como inimigos do Estado em relação à preservação do Meio Ambiente.
A Litoral Paulista concentra o maior número de aldeias do Estado. A população nessas terras é do povo Guarani Mbya e Tupi-Guarani (Ñandeva). A principal forma de subsistência é a agricultura e o artesanato.
A aldeia mais recente da Baixada Santista é a Tekoa Mirim, em Praia Grande. A maior população indígena está no Ribeirão Silveira, em Bertioga, que abriga aproximadamente 600 índios.
Continua depois da publicidade
Os povos originais são reconhecidos pela Constituição Federal de 1998 como os primeiros e naturais senhores da terra. A Carta Magna considera terras indígenas as habitadas por eles em caráter permanente e utilizadas para suas atividades produtivas, com vistas para a preservação dos recursos naturais, do bem-estar, da cultura, costumes e tradições.
O artigo 231, parágrafo 6, da Constituição diz que são nulos, e não produzem efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação ou a propriedade de terra indígena.
Todos os títulos de propriedade que foram concedidos pelo Estado Brasileiro ou que são oriundos de grilagem - ações muito comuns desde a concessão das capitanias hereditárias e, posteriormente, pela marcha ao oeste e a ditadura civil militar brasileira - são nulos porque incidem sobre terra tradicional indígena e de propriedade da União.
Continua depois da publicidade