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Ele usa tênis e roupas modernas. O sorriso é metálico e o cabelo estiloso. Ela é mais básica. Calça jeans, camisa da escola, pulseira e gargantilha. Wellington Castro da Silva, 16 anos, e Luiza Benites, 17 anos, são jovens índios guaranis da aldeia Paranapuã, em São Vicente. Além da origem, os adolescentes têm em comum a determinação de prosseguir nos estudos e proporcionar ao seu povo uma melhor qualidade de vida.
“Morava em Itanhaém e tinha dificuldades para fazer o Ensino Médio porque a escola era longe da aldeia e o acesso ruim. Conversei com a minha mãe e decidi sair de casa para estudar. No começo ela não queria, achou que seria melhor ir para a aldei da Ribeirão Silveira (Bertioga). Mas preferi vir para cá (Paranapuã) e morar com a tia, pois poderia ver a minha mãe aos finais de semana”, disse Wellington, cujo nome guarani é Kuaray Mirim, que significa pequeno sol.
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O adolescente nasceu em uma aldeia do Paraná. Seguiu com os pais para outra comunidade de Itanhaém, onde cresceu e cursou todo o Ensino Fundamental na escola indígena. A vontade de continuar estudando, e buscar novas oportunidades, o levou para a aldeia de Paranapuã onde mora com a tia. Ele disse que no litoral os jovens enfrentam dificuldades para seguir no Ensino Médio.
“Os jovens estão buscando melhorias para suas aldeias junto com os mais velhos. Às vezes isso causa dificuldades para estudar. Temos problemas com saúde, educação e a falta de demarcação”, afirmou Wellington.
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O jovem cursa o primeiro ano do Ensino Médio na Escola Estadual Pastor Joaquim Lopes Leão, que fica atrás do Centro de Convenções, no Parque Bitaru, no período da manhã. Para estudar, ele percorre um longo caminho, que inclui descer o morro pelas ruas do Parque Prainha, onde fica a aldeia, e atravessar a Ponte Pênsil. A caminhada às vezes desanima, assim como o preconceito.
“A gente sofre muito preconceito. Leva crítica. Dão risada da forma como a gente fala e da aparência. Tive que me adaptar ao jeito que eles andam. Na aldeia sou outro. Sou índio”, disse Wellington.
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E é verdade. O rapaz tímido, porém de fala determinada, possui visual de um jovem não-indígena. A sua origem é identificada pelos traços indígenas, o sotaque – já que na aldeia a conversação é na língua guarani a qual fala fluentemente - e os poucos acessórios que não abre mão de usar. Questionado sobre como consegue manter o visual, já que as condições econômicas das famílias que residem a aldeia de Paranapuã são mínimas, ele diz que a responsável é a mãe: “Ela é vice-diretora da escola da aldeia de Itanhaém. Minha mãe me incentiva bastante”.
O jovem, que gosta mais das aulas de matemática, ainda não definiu o que pretende fazer após terminar o Ensino Médio, mas não descarta a possibilidade de cursar Odontologia e se tornar dentista. Mesmo com todo o desejo de conhecimento, preservar a cultura e o seu povo é a sua maior meta.
“O índio procura conhecimento porque muitas aldeias têm conflito por causa da terra e ele quer olhar pelo seu povo. Eles querem acabar com o índio, mas a gente não vai deixar. Os portugueses deram esse nome índio que vem do latim e significa ‘sem Deus’, mas se enganaram. O certo seria povo originário. Se a gente conseguir vencer, a gente não vai mais precisar se adaptar a ninguém. Não vai mais ser preciso brigar”, destacou o jovem índio guarani.
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Ywa (Céu)
Luiza, cujo nome em guarani é Ywa, que significa céu, também mora em Paranapuã com a tia desde 2006. A jovem de 17 anos é tímida e fala pouco. Cursa o primeiro ano do Ensino Médio na mesma escola que Wellington e quer buscar nos estudos a oportunidade de crescer e poder ajudar a sua família e a aldeia onde vive. Seu objetivo é se tornar professora.
“A aldeia está com muitas dificuldades. Falta de alimentos. Quero ajudar a minha família e me ajudar. Quando terminar quero estudar para ser professora“, disse Luiza.
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A jovem também relatou que entre as dificuldades que encontra no convívio com os não-indígenas no ambiente escolar é o preconceito. Ela acredita que outros jovens da aldeia deixem de estudar por conta disso e por causa do longo caminho que tem para percorrer. “Eles xingam os índios de palavras feias. Na aldeia não é todo mundo que estuda. Gosto de estudar tudo, menos matemática”.
Atualmente os indígenas têm vagas garantidas por cotas em universidades públicas e também em entidades de ensino superior privada por meio do Programa Universidade Para Todos (Prouni). Para acessar as oportunidades é preciso realizar o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem).
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Discussões
Os dois jovens disseram que questões comuns a eles e aos jovens não-indígenas são discutidas dentro da aldeia. Gravidez na adolescência, internet e drogas estão nas conversas mantidas com os índios mais velhos na casa de reza.
“No passado a gravidez na adolescência era comum, mas agora diminuiu. Isso prejudica a gente em tudo. A gente discute com os mais velhos sobre isso. O problema da drogas também, porque prejudica a nossa cultura. Chamam a gente de vagabundo e que só bebe, porque quando veem um índio bêbado não aponta para ele, falam que todos os índios são bêbados”, destacou Wellington.
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Membro do CMDCA encaminha adolescentes
Wellington e Luiza pretendem ingressar no mercado de trabalnho formal para ter o seu próprio recurso. Marcos Vinicius Batista de Souza, membro do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de São Vicente, intermediou o possível ingresso dos jovens no Centro de Assistência Social e Mobilização Permanente de São Vicente (CampSV), que capacita e encaminha adolescentes à vida profissional. Ele tem acompanhado a rotina da aldeia Paranapuã.
“Conheci o cacique da aldeia em uma apresentação que eles fizeram em uma escola e falei da necessidade deles participarem de reuniões em espaços que eles têm a oportunidade de falar dos problemas. Ele foi a reunião do CMDCA e expôs a situação da aldeia. Desde então mantenho contato com eles”, disse Souza.
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Em uma reunião para falar com os adolescentes da aldeia sobre a importância da participação deles nos espaços do CMDCA, ele conheceu Wellington. O jovem foi indicado pela aldeia para participar de um fórum metropolitano que reunirá crianças e adolescentes das cidades da Região. Na reunião de fundação do grupo, o jovem índio conheceu o trabalho desenvolvido pelo CampSV. A instituição liberou três vagas em um projeto para adolescentes da aldeia.
“Tem um projeto desenvolvido pelo CampSV que é o de fortalecimento de vínculos. É voltado para adolescente em vulnerabilidade social e oferece oficinas de capacitação e teatro e durante esse processo eles vão percebendo a evolução do adolescente e então o encaminha para o mercado de trabalho. Eles se encaixam nesse perfil”, explicou Souza. Wellington já foi inscrito. Luiza ainda será.
O membro do CMDCA de São Vicente ressaltou as dificuldades que as famílias de Paranapuã têm de subsistência. Devido a falta de demarcação de terra, nenhum projeto pode ser desenvolvido na área que fica dentro de um parque estadual e aguarda a decisão judicial de um processo que reivindica a reintegração de posse do lugar. O Diário do Litoral retratou na última segunda-feira (5) a situação da comunidade.
“A cidade não possui projeto, via assistência social, que vise à subsistência dos índios e também não há entidade que trabalhe com essa questão. Cobramos da Prefeitura ações, mas ainda não houve retorno. Hoje a maior dificuldade deles é com relação a alimentação”, disse Souza.