Curiosidade
Local onde o Senhor Bom Jesus passou pelo litoral paulista parou no tempo e preserva rico patrimônio ambiental, histórico e arquitetônico
Curiosamente, o local do achado e também para onde ela foi levada parou no tempo, apesar de Iguape estar a pouco mais de 200 km da maior cidade do país / Márcio Ribeiro
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Você sabia que o local onde foi encontrada a imagem do Senhor Bom Jesus de Iguape, em 1647, foi transformado em um cemitério e que hoje está em completo abandono?
Pois é, o campo santo possui cruzeiros espalhados nos brejos e matos que surgiram com o passar do tempo e também em uma pequena clareira forrada com caraguatás e outras plantas com espinhos. Talvez seja um dos poucos locais do país onde não foi construída uma igreja quando encontrada uma efígie considerada sagrada.
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Curiosamente, o local do achado e também para onde ela foi levada parou no tempo, apesar de Iguape estar a pouco mais de 200 km da maior cidade do país, veja só:
A Praia do Una foi transformada em Estação Ecológica em 1986 e, desde então, os moradores foram deixando as suas casas pela pressão do estado e diminuição de oportunidades.
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Praticamente não há mais moradores nos 15 km daquela costa, que fica entre a foz do rio Una e o morro do Grajaúna. Trata-se de um dos locais mais bonitos e bem preservados do Brasil e dentro da maior porção representativa da Mata Atlântica.
Por sua vez, a cidade de Iguape, para onde a imagem foi levada, também parou no tempo e hoje preserva um centro histórico que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Apesar da cidade ser a maior do estado em tamanho territorial, possui pouco mais de 30 mil habitantes, de acordo com dados de 2020.
Não há muita informação de quando o cemitério foi criado, mas tudo indica que os enterros começaram após a chegada do Bom Jesus de Iguape, como conta o morador da Juréia, Cleiton do Prado Carneiro, que é também fandangueiro e luta pela preservação da identidade e cultura caiçara:
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“Pelo o que eu sei, ali é um cemitério caiçara e indígena. Os mais velhos contam que ele existe desde após a aparição da imagem, por que virou um ponto de referência para as pessoas que passavam pela praia”
Na mesma linha do tradicional morador, Pedro Delázari, historiador, professor da rede pública de ensino e membro do Instituto Ermesto Zwarg, disse também:
“O cemitério está em uma rota que era muito utilizada entre a Vila Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém e Iguape. Muito provavelmente, a rota já existia até mesmo antes da colonização portuguesa. Durante a formação das comunidades caiçaras, todo aquele trecho que passa pela Praia do Una, Rio Verde, e Praia da Juréia foram ocupados por sítios ou chácaras que residiam muitas pessoas. Evidentemente tinham que enterrar seus mortos e, por ser um terreno de difícil trânsito, não faria sentido uma viagem até Itanhaém ou Iguape. Assim surgiram os cemitérios da Praia do Una e do Prelado. Não conheço registros oficiais do surgimento do cemitério. Existem cruzeiros que datam do início do século 20. Mas é muito possível que ele já era utilizado desde o século 17. A própria história oral trata o local como cemitério indígena/caiçara. De qualquer maneira com certeza é um assunto que merece uma pesquisa mais aprofundada. ”
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O local sempre foi considerado sagrado pelos caiçaras que viveram por aquelas paragens e, talvez por isso, muitas lendas surgiram com o passar dos anos e algumas delas dizem respeito a aparição do Senhor Bom Jesus de Iguape.
Uma das mais famosas é aquela do momento do achado do Bom Jesus. Os antigos contam que a imagem ficava pesada quando tentavam levá-la para Itanhaém, que naquela época era sede de capitania, mas ficava leve quando tentavam conduzí-la para Iguape, o que acabou acontecendo, no entendimento de que era a vontade do santo.
Uma outra bem difundida é que, ao levarem para Iguape e de passagem em uma cachoeira escondida na serra da Juréia, o retrato do santo ficou gravado em uma rocha, após ele ser lavado naquelas águas. Quem conhece a história e é devoto do Bom Jesus, faz questão de parar por lá para admirar a suposta gravura e pedir graça.
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Tem também a história de que, certa vez quando um navio queria bombardear Iguape, os agressores viram nas torres da igreja canhões apontados para eles e prontos para atacar, fazendo com que desistissem da investida.
Muitos caiçaras tinham medo de passar em frente ao cemitério de noite, pois, segundo eles, o local era assombrado. Quem se atravesse poderia ver coisas inexplicáveis e era tomado pelo pavor e medo.
Sabe-se que a peregrinação para a Igreja de Iguape a partir do local da aparição da imagem do santo é muito antiga, já que o local era passagem para quem ia à Festa do Bom Jesus, mas foi paralisada na época da tentativa da construção da Usina Nuclear, nos anos 1980.
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Após a criação da Estação Ecológica de Jureía-itatins, a romaria foi retomada graças ao esforço e iniciativa do Ernesto Zwarg, ambientalista e famoso defensor da Juréia, que faleceu em 2009.
Hoje, há um marco na entrada do antigo cemitério, construído pela Mongue (Proteção ao Sistema Costeiro), projetado por Yhon Henrique Ferreira e com mosaico de Celia Sodré:
“Os moradores montavam o altar para missa, mas com a saída deles, o local iria se perder e por isso fizemos o marco”, conta, Plinio Melo, presidente da Ong Mongue.
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Por ser Estação Ecológica, é proibido entrar naquela área sem a autorização da Fundação Florestal, mas abre-se uma exceção durante a festa do Bom Jesus, quando os romeiros cruzam a Juréia a pé rumo a basílica de Iguape.
Neste ano, a romaria aconteceu no fim de semana do dia 27 de julho e os romeiros puderam renovar as esperanças, cruzar a Juréia, pedir graças ou simplesmente agradecer por mais um ano vivido.
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