José, junto com advogado Fábio Moura, mostra a documentação do imóvel. Moura diz que não há como reverter a situação e apela ao MP / Divulgação
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Moradia é um direito social previsto no artigo 6º da Constituição Brasileira. No entanto, para o casal de idosos José Antônio e Raimunda Fernandes de Farias (ambos com 67 anos), que reside num pequeno sítio, no Caminho de Pilões, 620, do Parque Estadual da Serra do Mar, em Cubatão, a carta magna, o conjunto de normas jurídicas que define a estrutura, os poderes e os direitos de um governo, pode ser rasgada por falta de um entendimento mais humanitário.
Isso porque o casal está sofrendo uma ação de reintegração de posse como se fosse invasor, movida pelo Governo do Estado e já transitada em julgado (decisão final e definitiva), que permitirá não só colocar José e Raimunda na rua, como a demolição de sua modesta casa. O cumprimento da sentença já foi expedido.
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José Antônio tem provas de que nunca foi invasor, pois possui instrumento particular de compra e venda de benfeitorias, registrado em cartório e datado de 17 de julho de 1990 e, ainda, Certidão de Propriedade, emitido pela Prefeitura em 7 de outubro de 2005.
O problema é que o local onde mora é uma reserva ambiental há décadas, mas só de uns anos pra cá o Governo resolveu agir.
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O que chama a atenção também é uma certa incoerência. O casal, cuja propriedade se resume a uma pequena casa, sem quase nenhuma benfeitoria que agrida o meio ambiente, não pode permanecer.
No entanto, segundo informações obtidas pela Reportagem, quase todos os finais de semana, centenas de turistas circulam de carro, bicicleta, enfim, se instalam na reserva sem a menor fiscalização que garanta sua preservação.
Pela entrada de Cubatão, só existe uma guarita com um segurança e nada mais. A Reportagem esteve no local na semana passada e não viu qualquer veículo de fiscalização rondando a reserva para preservar a fauna e a flora existente.
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A decisão judicial a qual ele e a esposa – que sofre de um câncer raro e passa por tratamento de quimioterapia – estão submetidos envolve também cerca de 52 famílias que estão na mesma situação. Todos os processos são individuais.
O Estado entrou na Justiça há alguns anos para tirar todos do Núcleo Itutinga-Pilões, criado pela incorporação das antigas Reserva Estadual da Serra do Mar, Reserva de Rio Branco-Cubatão e Reserva de São Vicente ao Parque Estadual da Serra do Mar, no ano de 1977.
Importantes rios, como o Passareúva, o Pilões e o Cubatão, responsáveis pelo abastecimento hídrico de 80% da Baixada Santista e também dos mananciais da represa Billings, são preservados dentro do Núcleo, que só recebe visitações supostamente monitoradas.
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“Essa situação (despejo) poderia ser suspensa até que me concedessem um local digno para eu e minha esposa. Não temos condições de ficar na rua com a idade que estamos. Recebo dois salários mínimos de aposentadoria.
Não temos parentes. O Governo teria que me dar um lugar para morar, me indenizar de forma justa, porque eu não sou invasor. Eu comprei esse pedaço de chão e tenho tudo registrado em cartório e na Prefeitura de Cubatão”, explica José Antônio, que os oficiais de Justiça já bateram em sua porta.
O casal precisa de, no mínimo, um aluguel social até que o Governo ceda uma habitação popular para abrigá-lo. Até agora, ofereceram cinco salários mínimos de indenização, cerca de R$ 7 mil. “Eu não tenho como comprar nada com esse valor. Como posso ser invasor de minha própria casa?”, explica o aposentado, sem conter as lágrimas.
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O advogado Fábio Moura dos Santos, que defende o casal, disse que todos os meios e recursos judiciais já foram esgotados e nada mais se pode fazer porque a questão já está na fase executória de cumprimento de sentença.
O advogado, agora, está recorrendo ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), para que o órgão ajude a intermediar, via curadorias de Direitos Humanos e do Idoso, uma prorrogação do prazo de despejo e demolição da propriedade, por intermédio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) envolvendo o Estado e o Município.
Ontem, ele obteve a resposta de um oficial de Promotoria que o caso dos idosos já foi encaminhado à promotora responsável que as secretarias municipais de Assistência Social e de Habitação já haviam sido acionadas em em caráter de urgência.
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“Eles adquiriram o imóvel de boa-fé. A Prefeitura já foi contatada, mas não se pronuncia sobre a possiblidade de oferecer ao casal um auxílio moradia e, posteriormente, uma unidade habitacional já pronta no município. Em casos excepcionais como esse, isso é possível”, acredita o advogado.
A Prefeitura de Cubatão esclarece que o documento que o casal se refere não se trata de “Certidão de Propriedade”, e sim de cadastro do imóvel, documento simples de levantamento realizado pela Prefeitura em toda a cidade.
Também informa que a família já se inscreveu no Cadastro Habitacional Municipal para fazer parte do processo, sorteio e distribuição das unidades habitacionais em futuros projetos habitacionais.
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Em paralelo, A Prefeitura sugeriu ao Governo do Estado, responsável pela área que o casal ocupa irregularmente, inclua a família no empreendimento ‘Cubatão K’ que está sendo construído na Ilha Caraguatá para contemplar famílias da Água Fria e Pilões.
Esclarece também que está impossibilitada juridicamente de ofertar auxílio-moradia, uma vez que essas pessoas ocupam área pertencente ao Estado, devendo o Governo de São Paulo incluí-las no auxílio estadual.
A Administração informa ainda que o casal teria recebido a oportunidade de atendimento habitacional no Conjunto São Judas Tadeu, no Casqueiro, porém não aceitou a oferta, permanecendo nos Pilões até a presente data.
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O Governo do Estado reitera que trata-se de ação civil pública para desocupação de área de proteção ambiental (Parque Estadual da Serra do Mar) e ela tramitou regularmente, com apresentação de defesa pelos moradores, e foi julgada parcialmente procedente para determinar a desocupação da área, demolição das edificações e recuperação ambiental, tendo transitado em julgado em 2021. “Os ocupantes ainda tentaram desconstituir a sentença por meio de ação rescisória, que foi julgada improcedente em 2023, mantendo-se a condenação anterior”.