Cotidiano

Homenagem a ex-coronel da Ditadura pode ser barrada no STF

Ano passado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou parecer numa ação no STF para anular a lei

Carlos Ratton

Publicado em 19/10/2024 às 07:00

Atualizado em 19/10/2024 às 08:02

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O coronel angariou apoio da população que defendia a repressão / Reprodução

A intenção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de homenagear o ex-coronel Antônio Erasmo Dias, que foi enterrado em Santos e acusado de ter cometido uma série de delitos durante a Ditadura Civil-Militar, entre eles, tortura psicológica, repressão política e proteção aos crimes cometidos por policiais, pode ser sepultada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)

Ano passado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou parecer numa ação no STF para anular a lei, promulgada também em 2023, dando o nome do ex-coronel ao entroncamento em Paraguaçu Paulista. A lei foi sancionada pelo vice-governador do Estado, Felício Ramuth (PSD), na ausência de Tarcísio.

O caso está sob análise da ministra Cármen Lúcia, relatora da ação. Para os autores da ação, a regra viola princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da democracia e da cidadania, além da dignidade de vítimas do período. Segundo a PGR, "qualquer ato estatal que, de forma explícita ou velada, enalteça o autoritarismo é contrário à própria gênese do regime democrático e merece o mais veemente repúdio".

A ação contra sua homenagem foi apresentada por três partidos e o Centro Acadêmico 22 de agosto, ligado à Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. "É incontrastável que a trajetória de vida da personalidade homenageada com a designação de seu nome a via pública, historicamente ligada a atos antidemocráticos praticados na vigência da ditadura militar no Brasil, significa perenizar a memória de momento tormentoso da história brasileira e, em consequência disso, enaltecer, mesmo que de forma simbólica, o autoritarismo. E democracia não convive com autoritarismo!", afirmou a procuradora-geral Elizeta Ramos, da PGR em entrevista à Imprensa.

"Ao homenagear Antônio Erasmo Dias, um dos mais emblemáticos agentes das violações aos direitos fundamentais perpetradas durante a ditadura militar, a Lei paulista prestigia as investidas das novas formas de autoritarismo, pois inocula no sistema de Direito positivo estadual atos de glorificação e de legitimação da ditadura militar que, por duas décadas, assolou o Brasil (1964 a 1985), em afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da democracia, da cidadania, que não só asseguram o direito à memória histórica e à verdade, como também resguardam a dignidade das vítimas", afirmam os responsáveis pela ação.

"Não se trata de mera homenagem isoladamente considerada, mas de ato dotado de propósitos marcadamente sistêmicos de degradação e fragilização tanto do próprio pacto civilizatório quanto dos preceitos fundamentais da Constituição Federal. Mantendo-se incólume o ato normativo, viola-se o compromisso irrenunciável estabelecido pela Constituição para com os valores democráticos, os direitos fundamentais à memória histórica e à verdade, e a dignidade das vítimas", completam.

Cemitério santista

O ex-coronel Antônio Erasmo Dias foi sepultado no cemitério do Paquetá, em Santos, com direito a caixão coberto com bandeiras do Estado de São Paulo e do Santos FC. Dias faleceu em 4 de janeiro de 2010. Tinha aos 85 anos, vítima de câncer no aparelho digestivo após lutar contra a doença por quase dois anos. Está enterrado no mesmo cemitério que Luiz Eduardo Merlino, jornalista assassinado nos porões da ditadura em 1973.

Em 1964, Erasmo Dias era comandante do Forte Itaipú em Praia Grande. Prendeu sindicalistas como petroleiros, portuários e estivadores, aprisionando todos no navio-prisão Raul Soares - embarcação que, em Santos, foi o maior símbolo da autoritarismo e crimes contra os Direitos Humanos.

Em 22 de setembro de 1977, como secretário da Segurança Pública, Erasmo Dias comandou a ocupação do campus da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. O militar esteve pessoalmente no local e foi filmado aos berros, xingando os estudantes e os jornalistas.

Cerca de três mil policiais participaram da operação. No estacionamento da PUC, mais de 1,5 mil estudantes passaram por triagem policial. Cerca de 854 pessoas foram transferidos, em ônibus da Prefeitura, para o quartel do Batalhão Tobias de Aguiar, onde passaram por processo de cadastramento e qualificação.

O presidente Ernesto Geisel (1975-1979) havia prometido a abertura do regime, mas dentro das Forças Armadas havia oposição e Erasmo Dias fazia parte da ala que defendia o endurecimento do regime. Nos eventos da PUC, ele fez valer esse ponto de vista, o que obrigou Geisel a refluir a repressão contra os estudantes.

Não muito diferente dos dias atuais, na época, o coronel angariou apoio da população que defendia a repressão. Depois de deixar a secretaria da Segurança Pública de São Paulo, Erasmo Dias foi eleito deputado federal pela extinta Arena em 1978.

Se elegeu deputado estadual três vezes - pelo PDS e pelo PPR - e, por fim, vereador de São Paulo pelo PPB. Se manteve aliado de Paulo Maluf em todo esse período. Seu último mandato terminou em 2004 e sua morte se deu em 2010.

Entre 1964 e 1985, o regime militar fechou o Congresso, censurou a imprensa, lançou para a clandestinidade grupos opositores, torturou e matou. Colaborou ainda com ditaduras pela América Latina. Povos indígenas foram exterminados e casos de corrupção censurados.

O navio e Erasmo 

Em Santos, para manter os trabalhadores presos, as forças militares utilizaram o Navio Raul Soares, atracado no porto de abril a outubro de 1964. A finalidade da prisão embarcada era, segundo Erasmo Dias, "prender e humilhar" os trabalhadores.

Documento encontrado no Arquivo Nacional em Brasília também comprova que a comissão de oficiais da Marinha de Guerra, encarregada do Inquérito Policial Militar (IPM) da Orla do Cais, realizou seus trabalhos dentro de salas da Divisão de Pessoal da antiga Companhia Docas de Santos na década de 1960.

O trabalho consistia em listar os servidores portuários que, no entender dos órgãos de repressão, estavam atrelados a partidos de esquerda.

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