Abordagem é feita por comissionado à paisana. Débora e Telma prometem agir contra iniciativa santista que atinge direitos humanos / Divulgação
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Após ler a versão da Prefeitura de Santos na reportagem do último domingo (28) do Diário sobre pessoas em situação de rua retiradas de praças e avenidas de grande circulação e visibilidade, e suas roupas, cobertores e objetos pessoais, incluindo documentos, sendo jogados no lixo pela Guarda, um grupo de guardas resolveu se manifestar alertando que são obrigados, contra a vontade, a fazer parte da intitulada “Operação Cidade Limpa e Segura”.
A Reportagem recebeu documentos que comprovam que a Operação é coordenada pela Secretaria Municipal de Segurança e pelo Comando da Guarda, que desenvolveu até uma ficha (relatório diário) com tudo que é recolhido, incluindo colchão, papel, papelão e roupas, que servem para aquecer as pessoas em situação de rua. Outro documento divide até a cidade em setores de atuação e os guardas são comandados por comissionados à paisana, que praticamente obrigam os guardas a se desviar de suas funções.
A Prefeitura havia garantido que a Guarda apenas apoiava ações conjuntas das subprefeituras e que a Guarda não apreendia nenhum pertence pessoal, sendo retirados das vias públicas somente materiais e resíduos abandonados de forma irregular.
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FACÃO EM PUNHO.
“Os documentos mostram que a Guarda está à frente. Não se trata de apoio. A Guarda já sai da base com os locais específicos para pegar ‘lixo’. Somos obrigados a fazer a ação e, se não fizermos, somos punidos com transferências de postos e outras formas de assédio. Também podemos responder pelo descumprimento de ordem. Os guardas têm suas finalidades desviadas. É lamentável o que acontece”, informa um guarda que cuja identidade é preservada por motivos óbvios.
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Os guardas revelam que as ações já estão no Ministério Público (MP). Um vídeo obtido pelo Diário confirma que a Prefeitura não recolhe apenas material abandonado. Nele, um dos coordenadores à paisana (sem uniforme), chega a tirar R$ 7,00 do bolso após um morador de rua reclamar que no meio de seus pertences estava a quantia.
Um outro que trabalha no Centro tem fama de truculento durante as ações. “Ele já desce do caminhão com um facão em punho. Ele serve para cortar as sacolas amarradas aos carrinhos, mas também intimida”, afirma o guarda.
Outro guarda revela que há orientação superior para que se recolha tudo que não seja possível carregar de uma vez só. “Tipo manda andar e levar o que dá. O resto sobe pro caminhão. É exigida fotos dessas recolhas, já que antes de ir ao local, um munícipe já descreveu a situação, mandando imagens de local e do morador de rua. O comandante e subcomandante fazem uso das fotos para mandar o guarda ir recolher sob o argumento de mau uso do espaço público”, relata, enfatizando que há munícipes que são ‘cúmplices’ da ação desumana e desconfortável à maioria dos guardas.
O agente público confirma a pressão pela obrigatoriedade do serviço. “Os guardas, na ponta da linha, só executam as ordens. Alguns fazem sem pestanejar. Outros, questionam e são taxados como ‘mão cansada’. São transferidos para outra coordenadoria ou para serviços degradantes”, finaliza.
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DIREITOS HUMANOS.
A narrativa dos guardas confirma a denúncia da coordenadora da Baixada Santista do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua (MNLDPSR), Laureci Elias Dias, conhecida como Laura Dias, que considera a iniciativa como uma verdadeira higienização social ou limpeza social e contra os Direitos Humanos, pois até pontos de energia elétrica das praças estão sendo retirados para evitar o uso. Também há ordem para não fornecer água e banheiros. Há casos de agressões com gás de pimenta e multa cobrada de quem for flagrado fornecendo comida.
CÂMARA.
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A reação sobre a “Operação Cidade Limpa e Segura” não é só dos guardas obrigados a executá-la. “Além de repudiar esse tipo de procedimento desumano e intransigente, em confronto com as políticas de assistência social e de garantia de direitos humanos, cobramos um protocolo de abordagem que impedisse essa prática, por meio da formalização de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que a Prefeitura garanta a humanização do serviço de atendimento à população em situação de rua. Lamentavelmente, a Administração ainda não levou adiante essa proposta e os casos de violência contra a população de rua seguem acontecendo, como mostra a edição do Diário do Litoral deste domingo”, afirma Telma de Souza (PT).
Débora Camilo (PSOL) vai mais além por ser da Comissão de Direitos Humanos da Casa. Para ela, as denúncias mostram flagrante violação dos direitos, extrapolação dos poderes da instituição e demonstram a política higienista da Prefeitura, “que quer expulsar as pessoas da cidade em vez de aplicar com efetividade políticas públicas sérias para acabar com as violências e extrema vulnerabilidade dessa parcela da sociedade”, afirma.
A vereadora vai questionar a Prefeitura atuando com a Defensoria Pública e o Ministério Público para que esse tipo de prática não vire política do Município e alerta que a Comissão também vai apurar o caso e ampliar a discussão. “Nosso mandato está à disposição para o recebimento de denúncias que podem ser enviadas por meio do whatsapp 99709-1987”.
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PREFEITURA.
A Prefeitura de Santos frisa que a Guarda Civil Municipal (GCM), bem como todos os demais órgãos municipais, não pratica ações higienistas e rechaça todo em qualquer ato contra os direitos humanos. A Secretaria de Segurança esclarece que a GCM não atua e nem nunca atuou com facas, e que não há desvio de função entre os guardas.
Conforme já explicado anteriormente, a GCM participa diariamente de ações conjuntas das subprefeituras dando apoio à execução de serviços públicos no Município. Em uma dessas ações é feita retirada de materiais descartados de forma irregular em ruas e calçadas da Cidade. Há forças-tarefas realizadas em pontos onde há grande volume de descarte irregular de resíduos – essas ações têm apoio da empresa contratada para serviços de limpeza urbana, conforme contrato gerenciado pela Secretaria de Serviços Públicos (Seserp).
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Caso haja a presença de população em situação de rua no trajeto dessas ações, a GCM faz a oferta de atendimento nos equipamentos públicos disponíveis. Infelizmente, a maioria dessas pessoas recusa atendimento e acaba deixando o local. A GCM esclarece que nenhum pertence pessoal é apreendido. Só são retirados das vias públicas materiais e resíduos abandonados e/ou descartados de forma irregular, conforme o Artigo 14 do Código de Posturas do Município: “É proibido despejar detritos de qualquer natureza nos passeios, jardins e logradouros públicos, nos canais e nos terrenos baldios”.
De acordo com normas de transparência da Prefeitura e para a prestação de contas dos serviços executados pela GCM à Seserp, a corporação faz uma listagem dos materiais recolhidos nessas operações, que não têm a denominação mencionada pela Reportagem. Trata-se de força-tarefa regular, conforme já explicado acima.
A Prefeitura ratifica, ainda, que a Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds) conta com seis serviços de acolhimento institucional direcionados ao atendimento à população em situação de rua, cuja capacidade total é de 286 vagas. Dentre eles, no início da pandemia de covid-19 foram abertos o Abrigo Emergencial (destinado para situações de calamidade pública e período de baixas temperaturas) e a Casa Êxodo (na modalidade casa de passagem, através de convênio emergencial estabelecido com a Ong Vidas Recicladas).
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A Seção de Acolhimento e Abrigo Provisório de Adultos, Idosos e Famílias em Situação de Rua (Seacolhe-Aif) está passando por readequações, a fim de garantir maior qualidade no atendimento ofertado às pessoas em situação de rua no Município.
Todos os acolhimentos institucionais, assim como os demais serviços da Seds, desenvolvem suas ações na perspectiva da garantia de direitos, tendo como norte as normativas vigentes no âmbito do Sistema Único de Assistência Social.
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