21 de Setembro de 2024 • 08:51
Abraçadas, duas meninas de aproximadamente 10 anos caminham em direção ao canal da Avenida Jovino de Melo. “Era a minha casa. Era a minha casa”, grita uma das garotas. A correria nos becos da Vila Telma, no Jardim Rádio Clube, em Santos, é grande. Homens, mulheres e crianças carregam o que conseguiram salvar do fogo que ainda consome os barracos. Vizinhos tentam ajudar como podem. Em meio à confusão, a Reportagem encontra a auxiliar administrativa Aline Terto. Sua família acabara de perder as casas no incêndio.
“A situação é muito difícil. Aqui é Deus e a sorte. Minha mãe, avó e irmã estão sem casa. Perderam tudo. A gente não sabe ainda o que vai fazer. O meu irmão teve a casa atingida no outro incêndio e mora de aluguel até hoje. Morou em abrigos da Alemoa. Teve gente que voltou, porque quem não tem condições de pagar aluguel faz a casa em cima da maré”, disse Aline. A família da auxiliar administrativa guardou os poucos pertences que sobrou no quintal de um vizinho. “Minha avó está lá. Não quer sair enquanto não apagar o fogo. Está ajudando outras pessoas”.
Mais à frente um grupo aguarda os desdobramentos do incêndio, que teve início por volta das 10 horas de ontem. Botijões de gás, fogões, colchões e todo tipo de móveis são ajeitados em frente a um pequeno bar. A fumaça é intensa e uma das moradoras distribui máscaras. A jovem Thais Menezes de Oliveira, de 24 anos, ainda tentava entender o que aconteceu. “Não sei como começou. Quando vi comecei a gritar e a chamar os vizinhos para sair de casa. Foi muita correria. Não sei o que vou fazer agora. Perdi tudo. É difícil, mas a gente vai ter que recomeçar”. Fazendo bicos para sobreviver, ela morava em um barraco de madeira com três filhos pequenos. As crianças estavam na creche quando o fogo começou.
Criança especial
Em um dos becos que dava acesso ao local do incêndio, a Reportagem encontrou a dona de casa Luana Marcia Goes, de 23 anos. Chorando muito em meio à forte fumaça, ela estava ao lado de outras famílias que tiveram suas casas queimadas pelo fogo. A preocupação da moça era com o filho de apenas dois anos e meio, portador de síndrome de má formação. O garoto se recupera de uma cirurgia realizada há um mês.
“Perdi tudo. Meu filho é especial. Já passou pela quarta cirurgia. A última no mês passado. Minha maior preocupação é com o meu filho. Não sei ainda o que vou fazer. Provavelmente vá para casa dos parentes. É difícil a gente construir e conseguir as coisas e perder assim desse jeito. A gente não mora aqui porque quer, mas porque precisa”, desabafou Luana em prantos.
Solidariedade
Clayton Marael Santos Silva, de 25 anos, mora na Vila Telma há 11 anos. Esse é o terceiro incêndio que ele presencia na comunidade. O jovem se juntou a outras dezenas de pessoas que ajudaram a combater as chamas e a retirar as famílias de dentro dos barracos. Em alguns momentos faltou água nas viaturas dos bombeiros e as mangueiras precisaram ser ligadas no canal.
“Já estamos treinados para isso. É o terceiro que acontece. Saímos correndo quebrando janelas e portas para retirar as pessoas e ajudar a tirar coisas. Tinha cachorro e gato morto, mas ainda bem que ninguém morreu. Ele (aponta para o amigo) cortou o braço, mas o que importa é que conseguimos salvar o pessoal. Vamos ver a atitude da Prefeitura agora. Só prometem e nunca fazem nada”, disse Silva.
O cenário que a Reportagem encontrou pela frente foi de destruição. “Estão dizendo que duas crianças brincando colocaram fogo no colchão. Mas não tem como saber o que realmente aconteceu. Foi tudo muito rápido”, disse um senhor que corria de um lado para o outro com baldes de água.
Trabalho
O combate às chamas contou com 13 viaturas e 35 homens do Corpo de Bombeiros de Santos, São Vicente, Guarujá e Praia Grande. A Polícia Militar também esteve presente no local. A Companhia Piratininga de Força e Luz (CPFL) precisou desligar a energia elétrica. A Defesa Civil de Santos também esteve presente no local. O fogo foi controlado por volta do meio-dia, quando teve início o trabalho de rescaldo. As causas do incêndio, que destruiu 70 barracos, ainda são desconhecidas.
As famílias afetadas foram encaminhadas para cadastramento no Centro da Juventude. Segundo a Prefeitura de Santos, até o fechamento desta edição, 180 famílias foram cadastradas pelas equipes da Assistência Social do Município. Sete foram abrigadas. Todas receberam alimentação.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) registrou quatro ocorrências em virtude do incêndio. Duas pessoas com problemas respiratórios devido à fumaça, uma senhora com crise nervosa e um rapaz com uma lesão na perna. Eles foram encaminhados ao PS da Zona Noroeste.
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