Cotidiano

Filme 'Ainda Estou Aqui' é baseado na história de um santista morto na Ditadura

O engenheiro civil e político brasileiro dado como desaparecido era santista, nascido em 26 de dezembro de 1929

Carlos Ratton

Publicado em 27/10/2024 às 07:00

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O filme, premiado e escolhido para representar o Brasil no Oscar 2025, retrata os impactos da perda de Paiva sobre sua esposa Eunice / aliledaraonawale

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Os santistas têm um motivo a mais que os demais cinéfilos para assistir o filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que estreou na última quinta-feira (24), em Santos. Rubens Paiva, o engenheiro civil e político brasileiro dado como desaparecido durante a Ditadura Militar no país, era santista, nascido em 26 de dezembro de 1929, filho do ex-prefeito da cidade paulista de Eldorado, Jaime Almeida Paiva, advogado, fazendeiro do Vale do Ribeira e despachante do Porto de Santos, com Araci Beyrodt. 

Em 1992, a então prefeita Telma de Souza, o homenageou colocando seu nome no Terminal de Integração de Passageiros, localizado no bairro do Valongo. Na inauguração estavam presentes a viúva e um dos filhos de Rubens, o escritor Marcelo Rubens Paiva.

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O filme, inspirado no livro homônimo de Marcelo e já premiado e escolhido para representar o Brasil no Oscar 2025, retrata os impactos da perda de Paiva sobre sua esposa, Maria Lucrécia Eunice Facciolla, e seus cinco filhos no Rio de Janeiro dos anos 1970, durante a ditadura militar.  Em 2 de abril último, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos anunciou a reabertura da investigação sobre o assassinato do ex-deputado. 

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A morte de Rubens Paiva só foi confirmada 40 anos após o sumiço, depois de serem prestados depoimentos dos ex-militares envolvidos no caso, à Comissão Nacional da Verdade. Ele foi torturado e assassinado nas dependências de um quartel militar entre 20 e 22 de janeiro de 1971. Seu corpo foi enterrado e desenterrado diversas vezes por agentes da repressão até ter seus restos jogados ao mar, na costa da cidade do Rio de Janeiro, em 1973, dois anos após sua morte.

Depois de militar no movimento estudantil, em outubro de 1962, foi eleito deputado federal por São Paulo pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Rubens Paiva participou da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), criada na Câmara dos Deputados, para examinar as atividades do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IPES-IBAD), que financiava palestrantes e escritores que escreviam artigos avisando sobre a chamada "ameaça vermelha" no Brasil.

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No dia do Golpe Militar (1 de abril de 1964), enquanto os militares avançavam com suas tropas para depor o então presidente João Goulart, Paiva fez um discurso acalorado de cinco minutos na Rádio Nacional criticando o governador paulista, Ademar de Barros, apoiador do golpe, e conclamando trabalhadores e estudantes a defenderam a legalidade. Paiva foi cassado no dia 10 de abril devido ao Ato Institucional Número Um, editado no dia anterior pela junta militar que assumiu o poder a partir da deposição de João Goulart.

Em 1969, seis homens que disseram pertencer à Aeronáutica, armados com metralhadoras, invadiram a casa de Rubens Paiva, no Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1971, para prendê-lo, sem contudo apresentar um mandado de prisão.

Após acalmar os invasores e vestir-se, saiu guiando o próprio carro, que serviu de prova que havia sido preso, pois o governo sempre negou a ação de tê-lo levado ao quartel do comando da III Zona Aérea, onde foi golpeado por um oficial, depois de responder com um palavrão foi surrado até ficar estendido no chão.

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Eunice, sua esposa, também foi detida no mesmo dia, juntamente com sua filha de 15 anos, Eliana, e permaneceu incomunicável durante doze dias. Entre o dia de sua prisão e o seguinte, Rubens Paiva foi transferido, da III Zona Aérea para o Destacamento de Operações Internas (DOI), no quartel da Polícia do Exército, onde teria sido novamente torturado. Prisioneiros ouviram ele pedir água a um carcereiro.

De madrugada, o médico do DOI-Codi, Amílcar Lobo, foi chamado ao quartel, encontrou um prisioneiro nu, deitado numa cela no fundo do corredor com os olhos fechados, corpo marcado de pancadas e sinais de hemorragia interna. O médico aconselhou que levassem o prisioneiro ao hospital, mas o major que lhe acompanhava achou melhor retê-lo. Segundo testemunho de Lobo, Paiva morreu por causa dos ferimentos sofridos em sessões de tortura.

Sua esposa Eunice tentou diversas vezes que o governo investigasse o desaparecimento do marido, sendo sempre barrada pelo endosso que o governo fazia do desaparecimento farsesco. A farsa foi desmascarada apenas em 2014, depois de depoimento à Comissão Nacional da Verdade feito pelo ex-major Raimundo Ronaldo Campos, que admitiu ter montado a versão com a ajuda de dois companheiros, incendiando e atirando no suposto fusca no qual Paiva teria sido resgatado por subversivos, para que ele assim fosse encontrado, confirmando a versão oficial de resgate.

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Em 1996, após sancionada a chamada Lei dos Desaparecidos pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi emitido o atestado de óbito do ex-deputado, ficando assim reconhecida oficialmente a sua morte. O corpo, entretanto, nunca foi encontrado.

Em fevereiro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade denunciou que o assassino de Rubens Paiva foi o ex-tenente do exército Antônio Fernando Hughes de Carvalho, oficial do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), ligado ao Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa). 

A morte do ex-deputado se deu nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército, na Rua Barão de Mesquita, Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro. Ainda na década de 70, uma equipe de militares buscou e encontrou os restos do corpo ensacado de Paiva enterrado, que foram transportados num caminhão até o Iate Clube do Rio de Janeiro, onde foram embarcados numa lancha, levados até alto mar e lançados ao oceano.

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Apesar da Lei da Anistia ter beneficiado também autores de crimes cometidos durante o período da ditadura militar, em março de 2014 o Ministério Público Federal, decidiu fazer uma denúncia formal sobre quatro dos envolvidos no caso: os oficiais reformados ainda vivos José Antônio Nogueira Belham, que comandava o Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I); Raimundo Ronaldo Campos, que admitiu ter montado uma farsa para forjar a fuga do ex-deputado; e os irmãos e ex-sargentos Jacy e Jurandyr Ochsendorf, envolvidos na fraude do incêndio do automóvel. 

Em 26 de maio do mesmo ano, a Justiça Federal aceitou a denúncia formulada pelo Ministério Público Federal contra cinco militares acusados do envolvimento na morte de Rubens Paiva. Os réus são acusados de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver, associação criminosa e fraude processual. O juiz que aceitou a denúncia defende que, apesar da lei da anistia, crimes previstos pelo código penal brasileiro continuam passíveis de processo e que, para se enquadrar na Lei da Anistia, seria preciso que o crime estivesse fundamentado nos atos institucionais da ditadura. 

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