Cotidiano

Filha de Barbosa fala sobre a culpa carregada pelo pai na Copa de 50

Após o vexame contra Alemanha, Tereza Borba desabafou ao Diário do Litoral quanto ao peso da derrota sobre seu pai

Carlos Ratton

Publicado em 12/07/2014 às 23:36

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Filha de coração do goleiro Barbosa, da seleção de 1950, Tereza Borba viveu os últimos anos da vida do atleta que carregou nas costas a responsabilidade sobre a derrota para o Uruguai, em pleno Maracanã, após levar um gol de Gigghia. Até esta semana, o velho Barbosa (que faleceu em Praia Grande no ano 2000) era símbolo de uma derrota considerada a maior da história do futebol brasileiro. Porém, o que aconteceu no Mineirão, no último dia 8, fez com que Tereza usasse as redes sociais para desabafar logo após a goleada da Alemanha sobre o Brasil por 7 X 1.

“Boa noite, espero que a partir de hoje (terça-feira) deixem o Barbosa descansar em paz. Depois de 64 anos, aponte alguém pra aliviar o ombro de uma pessoa que foi um ser humano incrível e sempre honrou a camisa que vestiu. Deu muitas glórias ao time que defendeu (Vasco da Gama) e nunca teve o reconhecimento que mereceu. Que a partir de hoje, o Brasil comece a escrever uma história diferente, esqueça o passado e comece uma nova historia. Começando dos dirigentes até chegar aos humildes campos de várzea, de onde saem os verdadeiros campeões. Porque, no futebol, o Brasil já foi superado faz tempo. Hoje, mancharam a camisa da seleção com essa derrota e vai demorar muito pra voltar a ser a seleção canarinho que conheci”.

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Tereza Borba desabafou ao Diário do Litoral (DL) quanto ao peso da derrota sobre seu pai.

Diário do Litoral (DL): Então, o vexame do Brasil redimiu a honra do Barbosa?

Tereza Borba (TB): O Brasil poderia ter perdido, mas sete gols foi muito chato, muito feio. Perdemos em 50 por um gol de diferença. Porém, não acho que o povo brasileiro deva repetir o erro em penalizar um ou mais jogadores. Meu pai foi penalizado por alguns jornalistas, pois naquela época não existia a televisão. Não quero que esses meninos (jogadores) passem o que meu pai passou. Não temos que julgá-los.

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DL: Então quem são os culpados?

TB: Temos que penalizar a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), na Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) e na política, que se meteu no meio da Copa. Esses meninos são vítimas.

DL: Barbosa foi muito injustiçado?

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TB: Demais. Ele costumava dizer que a pena máxima no Brasil é de 30 anos. Ele, quando morreu, já estava pagando 50. Quem assiste o gol de 50, vai perceber que quem falhou não foi o Barbosa. Mas meu pai foi uma pessoa tão honrada, tão digna, que não dividiu a responsabilidade com os demais jogadores. Ele nunca apontou o dedo os demais. Não foi uma pessoa, mas vários fatores levaram o Brasil a perder aquela copa.

DL: Que fatores?

TB: A seleção de 50 estava hospedada durante toda a copa no Morro do Juá, no Rio. Eles tinham água fresca, comida boa, não tinham contato com jornalistas e pessoas fora do contexto da competição, enfim, estavam concentrados e bem de saúde. Até a final, o Brasil estava ganhando tudo. Só da Espanha, ganhamos de 6 a 1.

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DL: Então o que aconteceu?

TB: Resolveram transferir a delegação para São Januário. Ninguém entendeu nada. Tudo porque era época de eleição, como ocorre em toda Copa do Mundo. Era bom politicamente explorar a seleção. A seleção de Barbosa ficou presa e sem paz. Quando os jogadores resolviam comer, tinham que dar entrevistas, posar com autoridades, com políticos, fãs. Isso acontecia até de madrugada. Mal treinavam. Até fotos com a faixa de campeão os jogadores tiveram que tirar. Imagina a cabeça deles. Ou seja, desconcentraram e prejudicaram a saúde dos jogadores.

Filha de coração do ex-goleiro da Seleção, Tereza reúne acervo de recordações de Barbosa (Foto: Matheus Tagé/DL)

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DL: Para o goleiro, acredito que esse desgaste é ainda maior em função da responsabilidade?

TB: Meu pai costumava dizer que onde o goleiro fica, nem grama nasce. É uma posição solitária e sobre ela recai um peso muito grande. Ninguém aceita levar gol. Além disso, no dia da partida, levaram a seleção para o Maracanã muito cedo. Os jogadores estavam com fome, com sono, enfim, totalmente desgastados pela maratona imposta dias antes.

DL: Barbosa deve ter te contado vários detalhes do dia.

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TB: Quando os jogadores subiram a escada do Maracanã, o Mário Filho disse que era obrigação ganhar. A forma com que foi falado foi muito pesada. Meu pai, quando estava subindo, olhou para cima e viu a Bandeira do Brasil de ‘ponta-cabeça’. Barbosa pensou: isso não é um bom sinal. Meu pai sentiu que o Brasil iria perder. Tudo conspirava contra uma vitória brasileira. Eu sei muita coisa, mas não posso falar em respeito ao silêncio de meu pai. Não me dou o direito de falar. Mas posso garantir que Barbosa foi a maior vítima de tudo.

DL: Ele morreu magoado?

TB: Não. No íntimo, ele não absorveu a culpa, apesar de todo mundo culpá-lo pela derrota. Ele era uma pessoa de bem com a vida. Em todas as fotos, ele sempre esteve sorrindo. Foi um ser humano incrível. Foi considerado um dos melhores goleiros do País de todos os tempos. Ele poderia ser revoltado, mas carregou a responsabilidade. Um dia, me perguntaram se ele carregou uma cruz. Eu digo que sim, mas a Cruz de Malta, do Vasco da Gama, clube que era sua paixão.

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DL: O Brasil é cruel com perdedores?

TB: A imprensa é. A famosa imprensa marrom que contribuiu muito para a ‘condenação’ de meu pai. Tinha que achar um culpado para vender, para acalmar a opinião pública, para o sensacionalismo.

DL: Houve um problema com o Barbosa em 94, não?

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TB: Exato e isso foi um exemplo. Ele ficou uma semana com os jogadores na Granja Comari. Estava pela BBC de Londres. Estava bem com Parreira, com o Zagalo e com os jogadores, mas quiseram mais uma vez prejudicá-lo. É o mau jornalismo. Um jornalista pediu que ele posasse ao lado do Taffarel para uma foto. Ele estava pronto e o Zagalo, por gostar muito de meu pai, o aconselhou a não posar, por acreditar que, se o Brasil perdesse, iriam dizer que o Barbosa seria o responsável pela falta de sorte. Quando meu pai se negou a posar, os jornalistas publicaram que ele havia sido barrado na Granja pela comissão técnica. Isso nunca ocorreu. O Zagalo até hoje afirma que se tivesse que montar uma seleção de todos os tempos, o goleiro seria o Barbosa.

DL: O Brasil gosta de ganhar ou de futebol?

TB: Das duas coisas. Mas prefere ganhar. O futebol arte acabou. O que interessa é vencer e pronto. Meu pai valorizava ser vice, pois chegar ao segundo lugar também é importante. Gostaria que pelo menos o Brasil fosse vice-campeão em 2014. O Barbosa só não retornou em 1954 porque havia quebrado a perna e ficou nove meses parado.

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DL: Como era o pai Barbosa?

TB: Era um homem de uma bondade ímpar. Tinha um coração enorme. Pedi ao Carlos Heitor Cony (jornalista, escritor, editorialista da Folha de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Letras) que escrevesse um texto para eu colocar no túmulo de meu pai. Ele publicou na Folha mais ou menos o seguinte: Barbosa foi o que de melhor o povo produziu em seus melhores momentos. Meu pai me ensinou a ter paciência e que o melhor na vida é ser e não ter.

DL: Como foi a vida dele nos últimos anos?

TB: Difíceis. A mulher dele, a Clotilde, morreu após contrair câncer e ele não teve ajuda de ninguém sequer para comprar remédios. Tudo que ele tinha gastou para prolongar a vida dela. Ele morava com a cunhada e só conseguiu melhorar um pouco depois que o Eurico Miranda, sabendo da luta do Barbosa, alugou um apartamento aqui para abrigá-lo. O último aniversário dele ocorreu no meu quiosque, quando ele completou 79 anos. Ele morreu um mês depois em sete de abril de 2.000.

DL: Você me disse que o número sete o acompanhava.

TB: Isso. Os sete passos do Gigghia, que usava também a camisa sete. Meu quiosque tinha o número 79. A maior festa de aniversário dele foi quando completou 79 anos e por aí vai. Um jornalista fez uma matéria recente que dizia: Barbosa descanse em paz sob sete palmos.

DL: O que mais ele valorizava?

TB: A família. Quando o jogador Dener morreu, ele ficou muito triste, pois acreditava que não houve tempo dele deixar uma casa para sua família. Ele também tinha orgulho de seus títulos no Vasco da Gama. Barbosa foi muito mais que 50.  

DL: Você me disse quer homenagear Barbosa.

TB: Fiz uma estátua de arame, mas ela tem que ficar em local fechado. Estou tentando fazer outra que possa ficar ao ar livre e colocá-la ao lado próxima a estátua de Netuno, aqui em Praia Grande, lugar que ele costumava colocar o pé na areia. Ele sempre foi apaixonado pela cidade.

DL: Qual a mensagem que você deixa para o futebol brasileiro?

TB: Lutem para tirar toda a direção da CBF. É preciso mudar a mentalidade. Existe muita coisa de bastidores que precisam acabar. Os jogadores sabem. É muito dinheiro que corre. Essa copa não foi feita para o povão. Foi feita para a elite. Os ingressos estavam caros. Eu não pude ir, pois não queriam me ver lá. Mas, se eu tivesse ido, acredito que falariam que seria responsável pela falta de sorte da seleção. Se meu pai estivesse vivo, ele falaria para os jogadores não ficarem tristes, pois perder faz parte do futebol.

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