Cotidiano

‘Eu queria dar um emprego para ele’, diz Luiz Fernando

A frase é de um filho ao seu pai, Luiz Carlos, que está desempregado e o cria sozinho

Publicado em 09/08/2015 às 01:37

Compartilhe:

Compartilhe no WhatsApp Compartilhe no Facebook Compartilhe no Twitter Compartilhe por E-mail

Continua depois da publicidade

Ele faz parte dos mais de oito milhões de desempregados no Brasil. Morador da maior favela em palafitas do País, o Dique da Vila Gilda, em Santos, vive com o filho de 13 anos em um modesto barraco. A única renda da casa é os R$156,00 da Bolsa Família, que dá apenas para pagar as taxas de água e luz e alguns quilos de arroz e feijão. A miséria é intensa no lar, mas não maior do que a união e a esperança de dias melhores. No Dia dos Pais, o Diário do Litoral apresenta a história de Luiz Carlos de Jesus, 40 anos.

Faça parte do grupo do Diário no WhatsApp e Telegram.
Mantenha-se bem informado.

“O nosso dia a dia é difícil. Não tenho um serviço registrado. É muito complicado o filho pedir e não se ter para dar. Pedir um lanche e não ter dinheiro para comprar. Mas não abro mão dele. Ele é tudo o que tenho. O meu melhor amigo”, disse Jesus.

Nascido no Morro do Pacheco, também em Santos, Jesus mudou-se para o Dique da Vila Gilda há 26 anos. Tem como referência a mãe, a faxineira que criou três filhos. “Eu tive padrasto, mas posso dizer que a minha mãe foi pai e mãe. Ela faleceu faz cinco anos. Sinto muito falta dela”, ressaltou.

A vida nunca foi fácil para Jesus, que começou a trabalhar ainda muito jovem como office-boy. Não conseguiu conciliar o serviço com os estudos e abandonou a escola aos 17 anos. “Parei na quinta série. Como trabalhava no Camps (Centro de Aprendizagem e Mobilização Profissional e Social) e precisava estudar acabei perdendo o emprego e fui trabalhar na feira. Precisava ajudar a minha mãe”, afirmou Jesus.

Continua depois da publicidade

Apesar das dificuldades, pai e filho acreditam em dias melhores (Foto: Luiz Torres/DL)

Apesar de ter a criação da mãe como referência, Jesus acabou se envolvendo no caminho errado. Preso por tráfico de drogas, ele viveu um ano e dois meses em um lugar o qual denomina como “inferno”.

“Coisa de moleque. Queria as coisas e procurei o caminho mais fácil. Na prisão vi gente morrer na minha frente e passei por muitas coisas. Não desejo aquele lugar nem para o meu pior inimigo. Aquilo não é vida para ninguém”, disse. Uma frase da mãe, dita em um dia de visita, daria a certeza de nunca mais querer voltar para aquele lugar. “Ela disse: vergonha não é te visitar é a hora da revista”.

Continua depois da publicidade

Saiu da prisão e conseguiu um emprego registrado na limpeza dos bondes de Santos. A empresa que ele trabalhava perdeu a licitação e novamente ele ficou desempregado e voltou a fazer bicos. Na época ele já namorava a mãe de seu filho. Ela ficou grávida e se juntaram. O casamento não deu certo e eles se separaram. “Eu quis ficar com ele e ele quis ficar comigo. Disse: meu pai não tem ninguém para cuidar dele”, destacou. A mãe de Jesus faleceu e ele passou a viver com o filho sozinho na palafita.

A educação do filho ficou sob sua responsabilidade. Foi um pai que trocou fraldas e fez mamadeiras. Ele diz que examina com cuidado o caderno escolar do jovem Luiz Fernando, que hoje está no quinto ano, e acompanha a rotina do garoto. “Fico de olho em tudo. Com quem anda e o que faz. Ele sabe mexer no computador, eu não entendo nada. Digo para ele que tem que estudar para ter uma vida melhor que a minha”, contou Jesus. O menino também é considerado um bom aluno e inteligente.

Dificuldades

Continua depois da publicidade

A baixa escolaridade aliada ao antecedente criminal que, segundo ele, após 15 anos ainda consta no sistema, dificulta a recolocação no mercado de trabalho. Sem renda fixa, apenas contando com o benefício do Bolsa Família, os dias não têm sido bons.

“O dia a dia de quem não tem um serviço é difícil. Não desejo para ninguém o que estou passando. É muito complicado o filho pedir e você não ter para dar. O filho querer uma mistura e você só ter arroz e feijão ou não ter nada. Já chegou dia de eu estar com fome, mas deixar de comer para dar para ele e ele achar que eu já tinha comido”, disse Jesus.

O morador do Dique da Vila Gilda disse que passou a pedir a ajuda de amigos. Quando consegue dinheiro vai a pé com o filho até o restaurante Bom Prato, na Avenida Nossa Senhora de Fátima, almoçar por R$ 1,00. A procura por um emprego não cessa e quando o menino não está na escola acompanha o pai na distribuição dos currículos.

Continua depois da publicidade

“É muito chato pedir. Não quero dinheiro quero trabalho. Qualquer coisa. Quando penso que não há mais nada para fazer, me apego a Deus para não fazer uma besteira, porque não vai resolver nada. Leio a Bíblia e busco uma palavra de conforto”.

Apenas um emprego

Enquanto neste domingo muitos filhos entregarão presentes aos seus pais, o de Luiz Carlos de Jesus não tem o que lhe dar. Queria ter apenas a oportunidade de presenteálo com um emprego.

Continua depois da publicidade

“O meu pai é nota 10. Eu queria dar um serviço para ele me dar o que ele quer”, disse emocionado o jovem Luiz Fernando à Reportagem. Tímido, o menino negro e robusto fez questão de posar para a foto ao lado do pai. Na palafita que não conta com smartphone, tablet ou computador, pai e filho brincam de palitinhos nos momentos vagos. Sobre o que pretende ser quando ‘crescer’, o jovem apenas diz: “Um homem trabalhador e dar muito orgulho ao meu pai”.

Apesar de o emprego ser uma necessidade e o desejo de pai e filho, o maior presente de Jesus, que é pai e mãe, é a educação do menino. “Meu presente maior é ele do meu lado”, disse o pai. “Ele é meu melhor amigo. Ele me ensina a não roubar nada de ninguém”, disse o filho.

Continua depois da publicidade

Mais lidas

Conteúdos Recomendados

©2024 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software