Cotidiano
A ELTE recebeu autorização para desmatar área equivalente à de 35 campos de futebol para construção de linhas de alta tensão
O problema teria começado no final de 2023, quando a ELTE recebeu autorização da Cetesb / Nair Bueno/DL
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Pescadores artesanais da Área Continental de Santos protocolaram no Ministério Público um pedido de providências contra a Empresa Litorânea de Transmissão de Energia S.A. (ELTE). Representados pela Associação Litorânea da Pesca Extrativista Classista do Estado, os pescadores alegam que uma balsa a serviço da empresa está impedindo o acesso dos barcos a canais do Estuário onde eles coletavam caranguejo e marisco para sustento de suas famílias e para venda. Mais: os artesanais alegam que a ELTE teria “tampado e sufocado as tocas dos caranguejos” ocasionando “a parada repentina da atividade pesqueira”.
O problema teria começado no final de 2023, quando a ELTE recebeu autorização da Cetesb para construção de duas linhas de transmissão de energia elétrica em áreas de Cubatão, Santos e Guarujá. No total, a empresa foi autorizada a desmatar 30,58 hectares de Mata Atlântica e outros 4,47 hectares de manguezal. Na área atingida pela obra foram identificadas 22 espécies de plantas ameaçadas de extinção, como a Cattleya forbesi, orquídea exclusiva da Mata Atlântica, além de animais considerados “muito raros” pelo Ibama, como o macuco e o papagaio-moleiro.
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O documento remetido pela Associação da Pesca Extrativista foi protocolado no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) do Ministério Público no último dia 3. Assinado pela diretora-presidente, Aline Martins dos Santos, e por 15 pescadores, o ofício alerta para os possíveis danos ambientais e pede uma compensação financeira aos artesanais “até que os manguezais sejam recuperados” e eles possam “retornar às atividades extrativistas com segurança”.
“Ambientalistas natos, estamos vivenciando os impactos diariamente e nos perguntamos: será que está correta a maneira como está sendo conduzida a obra?”, indagam os pescadores no ofício. A maioria do grupo tem raízes fincadas no Monte Cabrão há várias gerações. O bairro tem cerca de 1.200 moradores, quase todos dependentes da pesca, e fica às margens do Estuário, na Área Continental de Santos, próximo às rodovias Domênico Rangoni e Rio-Santos.
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Mais: os caiçaras do Monte Cabrão questionam ao GAEMA os critérios adotados pela Cetesb, pela Fundação Florestal e pelo IBAMA para concessão da licença ambiental que autorizou o empreendimento. “Os caranguejos não foram monitorados, coletados, removidos ou remanejados para outros mangues antes de qualquer avanço das atividades de supressão vegetal”, relata o ofício enviado ao Ministério Público.
A denúncia cita que “tampas de madeira” reaproveitadas de grandes bobinas que enrolam centenas de metros de cabos e fios foram usadas como uma espécie de tapete para o trânsito de operários e máquinas sobre o mangue. E elas estariam causando “efeitos adversos” na fauna.
Os extrativistas também relatam os “impactos sonoros” causados por escavadeiras que estariam afugentando animais, além de resíduos e “descartes de obra” e “barras de concreto” que teriam sido deixadas “sobre as áreas de mangue aonde a vegetação foi suprimida”.
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E ponderam que: “Os pescadores não são contra o progresso, mas é preciso que haja equilíbrio entre os empreendimentos, o meio ambiente e a atividade pesqueira”. A ELTE foi procurada na sexta-feira (21) pelo Diário para comentar as denúncias, mas não se manifestou.
Os caiçaras constituem povos originários e tradicionais, que têm suas atividades extrativistas na pesca artesanal como modo de vida e meio de subsistência. A atividade pesqueira faz parte de sua cultura, tradições, relações sociais, familiares e financeiras dessas comunidades.
Os mangues do Estuário de Santos, São Vicente, Guarujá, Cubatão e Bertioga são de alta relevância ao ecossistema marinho e berço de diversas espécies, como camarões, siris, caranguejos, ostras, mariscos e moluscos, sendo um refúgio para a procriação e desova desses animais, garantindo a manutenção da rica biota marinha.
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Todo esse lagamar que circunda as ilhas de São Vicente e de Santo Amaro foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como o terceiro, dos cinco ecossistemas prioritários para a manutenção da vida no Atlântico Sul, conforme portaria de reconhecimento do Ministério do Meio Ambiente número 150, de 8 de maio de 2006.
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