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Embora seja errado em se tratando de ética, alguns cartórios de notas de Santos estão indicando advogados para assinatura de declarações, separações e inventários, entre outros atos extrajudiciais. Na ‘operação casadinha’, como é conhecida a prática, o advogado beneficiado tem inúmeras vantagens, como clientela certa e, mesmo cobrando bem abaixo do valor da tabela instituída pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acaba ganhando boa soma pela quantidade dos serviços realizados.
A informação chegou à Reportagem por intermédio de uma fonte e foi confirmada por dois advogados da Subseção da OAB de Santos — o assessor institucional Leonardo Ferreira Damasceno Silva e membro da Comissão Imobiliária Hemilton Carlos Costa — que revelaram a existência de mais de 20 profissionais só em Santos com suas condutas sob a análise da Ordem.
A situação é fácil de ser entendida. Por exemplo, na elaboração de um inventário de R$ 1 milhão, o advogado teria 6% de honorários a receber, conforme tabela da OAB, o que representaria R$ 60 mil. No entanto, conforme denúncia, pelo mesmo serviço, os valores cobrados chegam a somente R$ 1 mil.
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Em média, segundo a denúncia, um advogado atrelado ao cartório realiza 20 serviços mensais, perfazendo, em tese, um salário fixo e garantido de R$ 20 mil. O que é um ganho razoável, sem precisar ‘correr’ atrás de clientes. Vale a pena ressaltar que a tabela da Ordem prevê a cobrança mínima para inventários e arrolamentos entre R$ 1.793,33 e R$ 3.586,64.
“Estamos analisando a situação das ‘casadinhas’ aqui em Santos, que é uma prática ilegal. Temos mais de 20 profissionais fazendo isso somente no Município. Há muitos outros que estão sendo também investigados na região. Essa captação de clientes é ilegal e antiética”, afirma Leonardo Damasceno Silva, revelando que até o Facebook está sendo investigado. “Não aceitamos deslealdade entre colegas”.
Hemilton Costa explica que a Ordem vai iniciar uma campanha para coibir as ‘casadinhas’. “O Tribunal de Ética da OAB já está investigando tudo. Se as denúncias forem comprovadas, o advogado será penalizado. É bom que fique claro que não são todos os cartórios, apenas alguns estão se aproveitando dessa situação. Eles (cartórios) podem perder a concessão”, completa.
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Presidente da OAB cria comissão
A situação também foi confirmada pelo presidente da OAB de Santos, Rodrigo Julião. “Há alguns meses, colegas vêm relatando possíveis indicações de advogados por parte de serventuários de cartórios extrajudiciais. Desta forma, criamos a Comissão de Combate à Concorrência Desleal em Santos”, disse o presidente.
Conforme Julião, os cartórios não podem continuar atuando dessa forma porque quando uma pessoa não tem condições econômicas para contratar advogado, o tabelião deve recomendar a Defensoria Pública ou a Seccional da OAB. “Isto é claro no provimento 58/89, da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, referente às normas de serviços dos cartórios extrajudiciais”, informa.
Penalizados
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O presidente da OAB revela que os cartórios podem ser penalizados através de sindicância ou processo administrativo, instaurado pelo corregedor geral da Justiça e, nos limites de suas atribuições, pelos juízes de Direito, pois se trata de concorrência desleal e fere o próprio Estatuto do Advogado. “O cliente deve sempre procurar um advogado de sua confiança e regularmente inscrito na OAB”, completa Julião.
O representante da categoria lembra que comete infração o advogado que utiliza quaisquer meio para angariar ou captar clientes, com ou sem a intervenção de terceiros. Dito de outra forma, o profissional não pode oferecer seus serviços como se fosse uma mercadoria. Ele ainda revela que existe uma tabela como parâmetro, que pode ser acessada no site da OAB SP e do Conselho Federal. Cabe distinguir também o tipo da ação e a especialização profissional.
Julião é comedido com relação a nomes. “Recebemos denúncias de fatos, não de citações diretas de profissionais, e criamos a Comissão de Combate à Concorrência Desleal para saber se as mesmas procedem”, disse Julião, alertando que quando a comissão tiver, de fato, provas documentais que confirmem as denúncias, será instaurado processo disciplinar, por determinação de ofício da presidência da subseção.
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Conforme revelado pela OAB, o poder de punir disciplinarmente os inscritos na Ordem compete exclusivamente ao Conselho Seccional. As infrações disciplinares são puníveis com paralisação temporária ou cessação por tempo limitado de sua atividade profissional. O tempo de paralisação pode variar de 30 dias a 12 meses, dependendo dos antecedentes profissionais do inscrito, o grau de culpa, as circunstâncias e as consequências da infração.
O presidente da OAB finaliza enfatizando que além da criação da Comissão de Combate à Concorrência Desleal, mesmo a OAB Santos reconhecendo a lisura dos cartórios da comarca, oficiou ao juiz corregedor responsável. Também oficiou ao Conselho Federal apresentação de Projeto de Lei que tipifica a conduta criminosa de indicação de advogados e terceiros por parte de funcionário público ou particular no exercício da função pública.
Colégio Notarial do Brasil repudia prática
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Procurada pela Reportagem, a Corregedoria não retornou a ligação na última sexta-feira (7), dia de fechamento da matéria. O Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB-SP) não recebeu nenhuma denúncia ou reclamação da OAB sobre o ocorrido em Santos. O CNB é a instância adequada para apurar esse tipo de denúncia por meio de seu Conselho de Ética, que instaura procedimento administrativo e, se for o caso, encaminha para a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que, por sua vez, é o órgão responsável por investigar e aplicar sanção contra atos ilegais cometidos pelos cartórios.
Por intermédio da assessoria de imprensa, o Colégio ressalta que o CNB atua constantemente na orientação aos tabeliães no sentido do estrito cumprimento de normas. Na hipótese de confirmação da investigação apontada, o CNB-SP, por obrigação estatutária, deve auxiliar os órgãos competentes, sempre com o objetivo de manter o respeito às regras de conduta dos tabeliães.
Finalizando, o órgão repudia a prática de indicação de advogados por cartórios, a qual é vedada por normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — artigo 9º da Resolução 35 — e da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.
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