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O ato marcado para a tarde de quinta-feira no Fórum do Rio de Janeiro representa a parte mais triste da história de uma companhia aérea. Ter os bens colocados à leilão é um dos últimos capítulos de um enredo que foi de glamour nos aeroportos e nas nuvens. Salas comerciais, vagas de garagem, casas, prédios comerciais na Capital e até lotes de terreno em Itanhaém da antes imponente Varig serão leiloados.
A Viação Aérea Rio-Grandense, ou Varig, foi, por décadas, sinônimo de excelência nos serviços de aviação no Brasil. Entrar em uma das aeronaves da companhia era sinônimo de status, em tempos que servir barra de cereal durante um voo poderia ser considerado um insulto.
Falida, após tentativas de se salvar de dívidas e até de fusões com a Rio Sul e com a Nordeste, não resta aos seus credores ver o que sobrou de seu patrimônio dilapidado.
No leilão a ser realizado no Rio de Janeiro, estão salas nas avenidas Paulista e Consolação, lojas na Avenida São Luiz, na Capital, um terreno em Tremembé, um galpão em São José dos Campos, e 24 lotes de terreno com frentes para as ruas José Honório e Antonio Fasina, no Jardim Diplomata, em Itanhaém. Há também imóveis e terrenos em cidades como Brasília, Maceió e Recife, entre outras.
Um episódio ilustra o que representou, em termos de importância, a companhia aérea: quando o sinal vermelho gritava no balancete financeiro da Varig, em 2006, um grupo de artistas brasileiros se uniu em torno de uma campanha no sentido de sensibilizar o Governo Federal a socorrer a empresa. De nada adiantou.
Ingratidão? Para os supersticiosos do futebol, talvez. Quando a Panair do Brasil pendurou as asas, após levar o escrete canarinho a vitórias em dois mundiais (em 1958, na Suécia; e em 1962 ao Chile), coube a Varig o posto de titular na missão de transportar os atletas e o restante da comitiva da Seleção Brasileira em copas do mundo.
Foram três viagens vitoriosas com a Seleção: um Boeing 707, prefixo PP-VJA, levou Pelé e companhia para o México, em 70; um DC-10 transportou Romário, Bebeto e outros atletas para os Estados Unidos, em 1994; e um 767, prefixo PP-VMO, foi com a Seleção para a copa realizada no Japão e na Coreia, em 2002. Difícil se esquecer da cena de Romário na cabine do piloto, no retorno, com a Bandeira do Brasil, após a aterrissagem, em 1994.
Comissárias na Playboy
As demissões no período crítico da crise se transformaram em martírio para os funcionários, especialmente no segundo semestre de 2006. Um caso ganhou páginas de uma revista, a Playboy. As comissárias Patrícia Kreusburg, de 29 anos, Sabrina Knop, de 27, e Juliana Neves, de 26, protagonizaram um ensaio de capa da Playboy, tendo como fundo o tema aeroporto. As três, loiras, foram capa da edição brasileira da revista em setembro de 2006.
‘Varig, Varig, Varig’...Quem, com mais de 30 anos, não lembra do jingle da companhia? A musiquinha veio fácil na memória do jornalista José Guido Fré, que trabalhou em jornais como Cidade de Santos, Jornal da Tarde e DCI.
Guido Fré fez muitas pontes aéreas, entre os anos de 1972 e 1974. "O Electra II era o prazer de viajar", recorda-se. "Era um avião extremamente confortável. A viagem de São Paulo até o Rio de Janeiro, de uma hora e meia de duração, era de um prazer intenso".
Já a mesma rota, feita pelo DC-3, tinha um diferencial. "Chacoalhava muito. Durava cerca de uma hora e meia".
A primeira, inesquecível
O corretor de seguros Ibrahim Mauá Júnior lembra como se fosse hoje a primeira vez que entrou em um avião. E era um voo da Varig, feito no dia 18 de julho de 1973. E ele embarcava com o pai para Orlando (EUA). "Foi uma semana depois de ter caído um avião da Varig, em Orly, na França. Foi um misto de adrenalina, ansiedade e um pouco de medo".
Ibrahim conta que a primeira coisa a lhe chamar atenção ao entrar na aeronave foi o seu tamanho. "Na época, os voos paravam no Rio e depois seguiam para os Estados Unidos. Até o Rio, fomos com um avião menor. Lá pegamos um bem maior, que impressionou. O voo foi à noite, serviram jantar e, de manhã, café da manhã".
Outro detalhe que lhe vem à memória era o kit que entregavam a cada passageiro, que podia ser levado de lembrança: uma nécessaire, contendo escova de dente, pasta dental e um pequeno pente. "A viagem toda foi uma descoberta. As aeromoças eram altas, bonitas e muito educadas. Hoje, sinto que o atendimento nos voos é mais mecânico".
O então garoto Ibrahim, tinha de 14 para 15 anos, compara que na mesma viagem fez voo interno nos Estados Unidos pela TWA (hoje também extinta). "Vi que o serviço da Varig estava na mesma altura", atesta, completando que hoje sente falta dessa época.
Desde os tempos da Real
Empresário e despachante aduaneiro, Laire Giraud lembra que começou a viajar pela Varig nos anos 70. Antes, quando menino, voava pela Real, cujos voos saíam da Base Aérea de Santos (em Guarujá), como os da Vasp e da Sadia (que depois se transformou na Transbrasil).
Um dos voos inesquecíveis que Laire fez pela Varig foi para Nova Iorque (EUA). "Lembro, por exemplo, do filé mignon servido no jantar. A comida era saborosa, as bebidas de boa qualidade e à vontade".
O empresário também se recorda de dois outros voos com a companhia, um com um 707 para Nova Iorque, e outro, para Los Angeles, em 1995, em um jumbo, onde "o serviço estava bom, mas já começava a declinar um pouco".
Laire compara que a Varig, como outras companhias aéreas de ponta, primavam pelo atendimento. As aeromoças, na faixa de 35 anos, "bem treinadas", segundo o empresário, faziam as rotas internacionais. E as mais novas, voos domésticos. "Era outra época. Hoje, servem aquele amendoinzinho com refrigerante. E a poltrona deixa o passageiro da frente com a cabeça colada ao teu assento".
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