Cotidiano
Rosana Rodrigues dos Reis, de 49 anos, sofreu um acidente de carro no ano passado, perdeu seu filho e sua comadre e precisou ficar hospitalizada
Rosana usa uma camisa com a foto do filho, Allan, morto no acidente de carro / Nair Bueno/DL
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Suas primeiras palavras ao conversar com a Reportagem do DL trazem muitas lágrimas, pausas para falar e muito sofrimento no coração. Relembrar a sua trajetória de vida e, principalmente, aquele 16 de julho de 2021 faz com que na sua respiração fique mais curta e ofegante. Um acidente de carro acabou vitimando seu filho, Allan Jonathan dos Reis Felix, de 31 anos, que tinha deficiência intelectual devido à falta de oxigenação cerebral adequada no momento do parto - e seu braço direito na confecção dos bolos e doces -, e sua comadre, Valéria dos Santos Maniçoba, de 37 anos. Ela, Rosana Rodrigues dos Reis, de 49 anos, e com múltiplas fraturas, precisou ser hospitalizada e, após receber alta médica, contou com a ajuda de "anjos", como gosta de dizer, para que tentasse recomeçar sua vida, agora sem o seu maior amor por perto.
A história da Rosana é a típica narrativa de superação desde os seus primeiros anos de vida. De origem humilde e com dificuldades financeiras, ela, ainda criança, morou com a mãe nas ruas por cerca de dois anos. Um tio, então, ofereceu ajuda, já que ela, com 7 anos, sequer tinha documentos. E, aos 10, passou a trabalhar em uma feira para ajudar a mãe a colocar comida na mesa. "Minha mãezinha nunca me deixou com fome. Até nas datas de aniversário ela dava um jeito de fazer algo para mim. Quando comecei a trabalhar ela fazia questão que eu estudasse. Foi um período em que eu acordava por volta das 4 da manhã, trabalhava e depois ia para a escola", lembra.
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Com muito sacrifício no dia-a-dia, mas sem nunca perder a esperança de que dias melhores estavam por vir, logo Rosana começou a trabalhar em um supermercado de Guarujá, onde construiu boas amizades e relações. "Sempre fui de fazer amizades com facilidade e nunca tive preguiça. Trabalhei e trabalho colocando muito amor em tudo o que eu faço. Depois do mercado eu passei por uma loja de roupas, mas, devido a dependência que o Allan tinha de mim, parei de trabalhar fora para cuidar dele", relembra.
Se a mãe trazia em seu 'DNA' uma história de superação, com seu filho não poderia ser diferente. Apesar das sequelas causadas pela falta de oxigenação na hora do parto, o menino surpreendeu todos os médicos - inclusive seus pais - e foi se desenvolvendo, dentro das suas condições, de forma muito satisfatória. "Ele foi tido como cego e semivegetativo. Adaptei o barraquinho que a gente morava com tudo o que ele precisava por conta da sua necessidade especial. Ele não virava o olho, não andava e não se mexia; era uma cabecinha mole, sem firmeza. Com a minha fé e a ajuda da minha mãe ele passou a virar os olhos, começou a enxergar, passou a ter firmeza para se equilibrar, andar etc. E, hoje em dia, me ajudava na cozinha com as minhas encomendas", conta.
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Tragédia familiar
A família de Rosana tinha o hábito de, todas as segundas-feiras, pegar o carro e dar uma volta no bairro de Caruara, em Santos. Porém, naquele 16 de julho de 2021 a volta para casa lhe reservaria uma surpresa trágica: o carro em que ela estava acabou se envolvendo em um acidente na rodovia Rio-Santos. Como resultado da batida, Allan, seu filho, e Valéria, sua comadre, morreram na hora. Já Rosana e o irmão de Valéria, que conduzia o veículo, precisaram ser socorridos.
"Lembro de acordar presa às ferragens. A porta do carro estava em cima de mim, fazendo peso. Logo perguntei do meu filho e da minha comadre, mas disseram que estavam bem e que já tinham sido socorridos. Depois disso desmaiei e só acordei no hospital", narra.
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Independente de religião ou crença, Rosana lembra que seu filho parecia estar pressentindo que algo aconteceria. "Ele tirou uma foto com a Valéria antes de voltarmos pro Guarujá. No carro, ele quis sentar no meio, o que não era o habitual. E, semanas antes do acidente, ele começou a 'desmontar' o quarto dele, doando muitas das suas coisas. Meu filho se despediu. Meu filho sabia que ele estava partindo. É muita coincidência", explica.
"Eu e a Valéria vamos viajar", disse Allan, antes de entrarem no carro.
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Valéria e Allan em foto momentos antes do acidente / Arquivo Pessoal
Tentando recomeçar
Rosana sofreu múltiplas fraturas, ficou internada e precisou - e ainda precisa - de muita ajuda para tentar retomar a sua rotina normal. As "meninas", ou "anjos", como ela gosta de dizer, foram suas amigas, que deram todo o suporte e apoio desde os primeiros dias no leito do hospital. "Eu não me mexia, usava sonda e tudo mais. E elas sofreram a minha dor comigo e não me largaram segundo nenhum. Eu sabia que precisava reagir, para que elas vissem que cuidar de mim valeria a pena; que eu estava me esforçando. Mas a dor dentro de mim era imensa. Às vezes parecia que eu não suportaria tudo aquilo, mas nunca larguei a minha fé em Deus".
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Terezinha Gomes, de 58 anos, foi uma das "meninas" que estão ao lado de Rosana. Amigas há 30 anos, ela lembra que começou a fazer companhia duas para ela duas vezes por semana. "Sempre fui palhaça e trouxe essa alegria para cá. Não queria deixar que ela ficasse remoendo muito essa dor e, através das minhas brincadeiras, acredito que ajudei um pouco".
Romilda Gomes dos Santos, de 51 anos, é amiga de Rosana há mais de 35 anos, e lembra de quando recebeu a notícia do acidente. "Primeiro veio a negação; o não acreditar naquilo. Ia no hospital ficar com ela e não demonstrava tristeza. Chorava escondida. E sigo cuidando dela aqui em casa, mesmo quando ela não quer (risos)". O mesmo pensa Janaína Maciel da Silva Francisco, de 33 anos, que de cliente virou amiga de Rosana. "Ela precisava de ajuda e também fiz revezamento no hospital com as outras meninas. Mesmo em choque e vindo de um problema de saúde, guardei isso pra mim e fui cuidar dela. Ela, hoje, é uma inspiração".
Lucila Farias Lopes, de 46 anos, Rosane Pereira Irmão dos Santos, de 50, e Amanda Nascimento Macedo, de 41, são outras pessoas que, cada uma do seu jeito, estão ajudando Rosana na sua retomada para a vida, fechando um seleto grupo que esbanja simpatia, caridade e amor. Amanda, aliás, esteve no local do acidente e foi a 1ª a receber a confirmação dos óbitos de Valéria e Allan, tendo a difícil missão de dar a notícia para a amiga. "É um momento muito difícil. Delicado. E eu tinha que estar ali para poder ajudar ela, pois ela era quem estava com o sofrimento maior".
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Além delas ainda há as irmãs por parte de pai, Joice Firmino dos Reis e Jeane Rodrigues dos Reis, que não medem esforços para dividir a dor de Rosana e a encorajar a seguir em frente, e a própria mãe de Valéria, Dona Beth, que guarda o luto pela filha no bolso para fazer visitas periódicas e prestar assistência.
Rosana e as "meninas", que a estão ajudando / Arquivo Pessoal
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Rosana, hoje, um ano e três meses após o acidente, tem limitações de movimentos por conta das sequelas em seu joelho, o que a impede de ficar muito tempo de pé para fazer seus bolos e doces. E mesmo dependendo de outras pessoas para comprar os ingredientes, ela quer - e precisa - trabalhar. "Eu estava entrando em depressão por não poder ajudar meu marido com as despesas da casa. Preciso voltar a fazer minhas encomendas como era antes, me reerguer através dos meus bolos, mas estou na fila do SUS aguardando essa cirurgia. Enquanto isso vou aos poucos, dentro das minhas limitações, preparando uma coisinha aqui e ali", desabafa.
No dia do fechamento dessa matéria Rosana havia recebido uma ligação do Hospital Santo Amaro para que comparecesse a unidade e realizasse seus exames pré-operatórios. "Já fiz, mas ainda não me deram a data da cirurgia. Espero que seja logo, pois além de não conseguir retomar a minha rotina, tenho dores e já levei tombos em casa".
Dentre os projetos que ela ainda quer alcançar está ter a sua própria loja de bolos e seguir realizando eventos para crianças e adolescentes especiais, como um que já foi realizado na comunidade com o apoio e ajuda de Allan.
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Rosana finaliza sua história encorajando outras pessoas que estejam em sofrimento a buscar ajuda e a não se fechar para o mundo. "Não se feche no seu mundo e permita ser ajudado. Converse com parentes, amigos, colegas ou qualquer outra pessoa que você tenha contato e exponha seus problemas. Fale. Chore. Mas, em momento algum, pense que não há uma saída, pois existe uma força muito maior agindo sobre nós. E esse é o recado que eu dou: tenha fé e busque ajuda, pois você vai superar essa fase e viver dias bem melhores".
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