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O Ministério da Defesa da Colômbia está intensificando as ações para “convencer” guerrilheiros à deserção. Em um evento ontem (18) em Tame, capital do departamento (estado) de Arauca, o governo colombiano levou quatro ex-guerrilheiros para o lançamento de uma campanha que incentiva a desmobilização.
Arauca é um dos departamentos colombianos com mais forte presença de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e do Exército da Libertação Nacional (ELN). Em pleno processo de paz com as Farc e na iminência de iniciar uma conversação com o ELN, o governo do país tem investido no programa de desmobilização e de reintegração de ex-guerrilheiros.
No evento, o ministro de Defesa do país, Juan Carlos Pinzón, e a alta cúpula das Forças Armadas participaram de uma palestra com quatro desmobilizados das Farc. Eles falaram às crianças em idade escolar – um dos principais alvos de recrutamento de grupos armados – sobre as desilusões e dificuldades que enfrentaram enquanto integravam os grupos de guerrilheiros.
Na praça central de Tame foi inaugurada uma exposição com fotos de 50 ex-guerrilheiros em tamanho real, com nome e grupo armado a que pertenciam. Segundo o ministro da Defesa, pretende-se “desmistificar o tema e mostrar que os guerrilheiros que fizerem a opção por abandonar as armas” serão bem recebidos do lado de fora e terão estrutura para recomeçar a vida.
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“Os homens que estão aqui hoje são valentes. Eles resolveram transformar suas vidas e se reintegrar. Eles venceram os preconceitos que tinham, o que ouviam de ruim sobre nós [Exército] e saíram”, disse Pinzón.
Os desmobilizados que participaram do evento desertaram recentemente, no decorrer deste ano. Claudia Roa López, “Brigitte” (apelido dentro das Farc), viveu dez anos dentro das Farc. Foi recrutada quando tinha 14 anos de idade. Ela contou que foi para a guerrilha pelas promessas de “mudança de vida”.
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“Prometeram que eu ganharia dinheiro e poderia ajudar minha família, mas isso não aconteceu”, disse ao alertar para os adolescentes da região que não se deixem “seduzir” pelas promessas dos grupos armados. Dentro das Farc ela sofreu dois abortos, porque as gestações não são permitidas. Somente comandantes de Frente podem permitir que suas sócias (como são chamadas as parceiras dentro da guerrilha) tenham seus filhos.
Apesar do controle de natalidade, feito por meio de injeções de anticoncepcionais, Brigite ficou grávida duas vezes. Ela acredita que às vezes o controle falhava, por mudança de acampamento, ou porque não havia remédios, por isso, ficou grávida, a primeira vez aos 16 anos. A gravidez foi conduzida até os oito meses. “Eles [Farc] me deram um remédio sem que eu percebesse e comecei a ter contrações. Lá dentro do acampamento, meu filho nasceu vivo, eu vi, mas o mataram. Eu soube que o afogaram”, lamenta.
Brigitte explicou que o controle de natalidade era feito com injeções mensais de anticoncepcionais, ou por meio de abortos porque, para a guerrilha, não é vantagem ter crianças pequenas em acampamentos. É muito caro cuidar delas e as condições de vida não são fáceis.
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Depois disso, Brigitte prestava muita atenção ao uso das injeções e pedia para receber o contraceptivo. Porém, oito anos depois, acabou grávida de novo. No ano passado, sofreu outro aborto induzido, desta vez, aos seis meses de gestação. Do mesmo modo, tomou um remédio sem que percebesse, para que um parto fosse induzido. Ela teve o bebê, que nasceu morto devido a sua prematuridade.
Desde então, Brigitte disse que ficou bastante doente, com dores no útero e febre, provavelmente com uma infecção. “Com muita insistência consegui convencer o comando que me deixasse vestir de civil e ir ao médico, mas isso demorou quase um ano depois de eu ter tido o aborto”, relatou.
Na noite em que foi a cidade, ela já havia planejado a fuga. Estava combinado que ela passaria a noite em uma casa na cidade e que no dia seguinte seria atendida. “Esperei que todos dormissem e fugi. Dormi escondida na cidade e no outro dia procurei a polícia e desertei”, lembra.
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A deserção ocorreu no último mês de julho e ela agora vive em Bogotá. Vai começar a estudar no próximo semestre e recebe apoio financeiro e psicológico do governo do país. “Dentro das Farc eu trabalhava na rádio clandestina e sonho em estudar comunicação. Eu perdi muito tempo da minha vida nas Farc, porque nenhuma criança deveria estar ali, mas eu creio que posso me levantar”, disse.
O prefeito da cidade, Octavio Pérez, explicou, que, com a maior pressão do Exército sobre os grupos armados, já não são comuns grandes pelotões de guerrilheiros em acampamentos. “Agora eles preferem grupos pequenos discretos, e muitas vezes vivem como infiltrados, como se fossem civis, aqui nas cidades. Por isso ainda conseguem conquistar crianças e convencer pessoas”, explicou.
A Agência Colombiana de Reintegração (ACR) contabiliza que desde o início do programa em 2003 até agora, ocorreram mais de 23 mil desmobilizações individuais (quando um guerrilheiro resolve desertar sem a permissão do grupo a que pertence). As deserções incluem ex-membros das Farc, do ELN e de outros grupos de paramilitares.
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O total de deserções no período foi 55 mil, se somadas também as desmobilizações coletivas, provenientes do acordo celebrado em 2006 entre o governo de Álvaro Uribe e as Autodefesas da Colômbia (AUC), os paramilitares que faziam contraponto às guerrilhas. Segundo a ACR, este ano foram 903 deserções de membros das Farc.
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