Cotidiano

Chioro: ‘Não dá para o SUS financiar o rombo dos planos de saúde das Santas Casas’

Ministro da Saúde visitou o Diário do Litoral, garantiu ajuda ao Hospital dos Estivadores e defendeu o Programa Mais Médicos

Pedro Henrique Fonseca

Publicado em 08/08/2015 às 00:01

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O ministro da Saúde, Arthur Chioro, garantiu ontem a liberação de R$ 5 milhões do Governo Federal para equipar o antigo Hospital dos Estivadores, em Santos. O médico santista também ressaltou que a União vai colaborar com o custeio da unidade, que deve ser entregue, parcialmente, no próximo ano.

Chioro destacou a necessidade de o custeio ser dividido entre Município, Estado e União.

Após visitar o local, que se chamará Hospital de Clínicas, Arthur Chioro visitou o Diário do Litoral, onde concedeu a seguinte entrevista exclusiva:

DL – Há pelo menos dez anos são ouvidas muitas críticas de representantes das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos quanto à defasagem do reajuste da tabela SUS (pagamento do Governo à instituição quando é feito atendimento gratuito pelo sistema). É possível uma atualização ao menos gradual dessa tabela? Essa reivindicação é justa?

Chioro – Mais ou menos. É também um problema de má gestão das unidades. De 2002 para 2014, o repasse do Ministério da Saúde cresceu 684%, sem contar os repasses dos estados, para as Santas Casas. Os R$ 1,9 bilhão foram para R$ 14,9 bilhões só para os filantrópicos. Só no governo da presidente Dilma Rousseff (PT), de 2011 até 2014, os R$ 9,4 bilhões passaram para R$ 14,9 bilhões, dando um crescimento 58% acima da inflação.  Eles costumam reclamar que não há reajuste da tabela. Quando fui diretor do Ministério da Saúde, em 2004, criamos um incentivo à contratualização, um mecanismo de não passar um reajuste por solicitação deles por tabela. Porque a tabela só induz o pagamento do procedimento, e não do cuidado do paciente como um todo. O que acaba acontecendo é que hoje, desses R$ 14,9 bilhões, R$ 4,5 bilhões não são mais por tabela, são por incentivos para pagar de maneira mais qualificada. Isso faz os hospitais cuidarem do paciente de uma maneira mais eficiente. De uma maneira absolutamente inadequada, para usar uma expressão bondosa, eles vem com essa conversa mole que não tem reajuste de tabela. Eu digo para eles: vocês querem que eu pegue esses R$ 4,5 bilhões e faça reajuste de tabela? “Não”, respondem. Veja o caso da Santa Casa de Santos, como eu posso ajudar, dando meu prestígio, minha capacidade política, para garantir uma renegociação da dívida na ordem de R$ 140 milhões? A presidente Dilma acabou de autorizar um mecanismo em que elas refinanciam todas suas dívidas, que mais de 300 Santas Casas entraram, e outras não. Mas tinham que se reorganizar.

DL – Muitas Santas Casas precisam de um novo modelo de gestão?

Chioro – Precisam cuidar de seus planos de Saúde para que eles não drenem os recursos do SUS para cobrir os seus rombos. Isso acontece em muitas. Isso precisa ser enfrentado. Não dá, não dá para o SUS financiar o rombo do plano de saúde das Santas Casas. E vem com essa conversa que o problema é a tabela... Sem contar que mais de 1.100 procedimentos tiveram reajuste. A Santa Casa de Santos, que é um hospital de Ensino, tem um valor de 26% a mais nos procedimentos de média complexidade só por ser hospital de Ensino e por ter papel na formação dos profissionais.

DL – Quando as cidades de Cubatão e Guarujá vão começar a sentir o efeito prático, pelo aumento do número de profissionais no atendimento, do início de funcionamento das faculdades de Medicina?

Chioro – O aumento de médicos já começou com o Programa Mais Médicos. Quando falamos do Mais Médicos, há o provimento emergencial. Hoje em Guarujá temos 49 médicos e, em Cubatão, 7. Na Baixada Santista são 163. E, em todo o Brasil, 18.240. Porque é feito esse provimento emergencial? Porque médico demora seis anos para se formar, mais dois ou três de residência. Nós vamos sair de 383 mil médicos em 2013 e vamos chegar ao número que precisamos, de 600 mil médicos. Os 383 mil médicos davam uma relação de 1,8 médico por mil habitantes. Vamos chegar só em 2026 a 600 mil médicos, dando uma relação de 2,7 por mil. Essa é a relação que o Reino Unido tem hoje, que é a nossa referência. Nós não podíamos esperar chegar em 2026 para garantir à população brasileira o atendimento básico. Por isso que destaco o provimento emergencial. O segundo componente é infraestrutura, estamos ajudando as prefeituras a reformar, construir e ampliar as unidades básicas para ter condições de atender bem a população. E terceiro investir na formação. Pegando o exemplo de Guarujá, que tem 50 vagas, o que vai acontecer? Provavelmente, o vestibular será aberto no próximo ano. Começando em 2016, em 2022 esses médicos estarão formados. O que fizemos para não esperar? Em 2017, a faculdade vencedora da licitação tem o compromisso de abrir 50 vagas de residência médica. Fizemos estudos mostrando que o principal fator de fixação do médico na cidade ou em uma região não é o local onde ele faz a faculdade. A tendência é de que ele seja absorvido pelo mercado daquela região. A Residência Médica é o fator. Quando os universitários chegarem ao fim do curso vão ter vagas de Residência para ficar na região, nas áreas de Saúde da Família, Clínica Médica, Pediatria e nas áreas consideradas prioritárias.

DL - Por que ainda há muita resistência dos conselhos regionais e federal de Medicina à abertura dos cursos?

Chioro – Eu vivi em Santos, era professor da Faculdade de Medicina da Unilus e vi a abertura da Faculdade de Medicina da Unimes. Havia uma resistência intensa. Hoje, alguém fala de que não foi bom para a Cidade ter o curso de Medicina da Unimes? Há uma explicação numérica, mercado de trabalho. Questão corporativa. Quando se pega o Vale do Ribeira, está com menos de 1 médico por mil habitantes. É crítico! É a pior região do Estado. É comparável com Amapá, Acre, Roraima, Rondônia...Das 17 regiões administrativas do Estado de São Paulo, só 5 estão por volta de 2,7. O resto está abaixo de 1,8. Tem pouco médico, tem concentração e o que estamos fazendo? Colocando o dedo na ferida. Quando se pega o número de escolas médicas no Brasil, de fato o número é muito grande. Mas, diferente dos EUA, Argentina, Uruguai e Canadá, lá tem número menor de cursos, mas com 1 mil, 1.200 vagas. Aqui se tem 40, 80, 120 vagas. Quando se pega o número de vagas por habitantes, é 10 mil. Com o Mais Médicos, de 2013 até hoje, todas as regiões do Estado estão se aproximando de 1,34 vaga por 10 mil habitantes. Vamos passar a ter agora uma programação de descentralização. Foi a partir do Mais Médicos, em 2013, que pela primeira vez abrimos mais vagas de Medicina no Interior do que na Capital. Estamos ocupando a outra região do Brasil, deixando de ser só um país da Costa Atlântica, das cidades médias. Veja o caso do Estado de São Paulo: por que Campinas pode ter três faculdades, Ribeirão Preto pode ter três, Marília, duas; Santos, duas? E qual é a segunda maior cidade de São Paulo? Guarulhos. Que não tem faculdade de Medicina. Osasco, não tem faculdade de Medicina. São Bernardo, não tem. Bauru, não tem.

DL – O problema era a falta de critérios?

Chioro – Claro. Não deixava centralizar. Temos 438 regiões de Saúde no Brasil. O que acontece agora? Pela primeira vez na história se estimulou a abertura de escolas públicas. Há a expansão de vagas públicas. Antes, a instituição de Ensino Superior dizia que queria abrir em uma cidade e abria, mesmo se tivesse mais outras duas. O que o Mais Médicos fez: pegou essas 438 regiões do Brasil e identificou quais as regiões que não tinham faculdade de Medicina. E fizemos edital: 254 cidades se inscreveram, 152 apresentaram projetos, 39, entre elas Guarujá e Cubatão, foram selecionadas. Entendemos que só essas tinham qualidade, condições técnicas e não tinham faculdade, e precisavam. Selecionamos as cidades e o MEC preparou um edital para as instituições de Ensino Superior concorrerem, vendo itens como equilíbrio financeiro, projeto pedagógico e compromisso com a abertura de vagas de residência. Invertemos a regra do jogo. Identificamos que no Norte, Nordeste e Centro-Oeste não tinham número grande de adesão, fizemos um segundo edital específico e selecionamos mais 22. O Brasil passou a fazer o que qualquer país faz: olhou a deficiência, a região e induziu o processo.

Para Chioro, corporativismo da classe prejudica o Mais Médicos (Foto: Luiz Torres/DL)

DL – Dê um exemplo específico.

Chioro – Na área de Residência. Abrimos esta semana três mil novas vagas, entre ministérios da Saúde e da Educação. 75% dessas vagas em Medicina de Família, que é o que mais precisamos. Na minha última turma da Unimes – onde é professor licenciado -, perguntei aos 80 alunos o que eles queriam fazer nos próximos dez anos: um queria Pediatria, um outro Saúde da Família, e 14 Dermatologia. O Brasil faz concessão, paga bolsa de residência, paga universidade pública para isso? Temos formar profissionais em áreas que precisamos. Todos os países fazem isso. No Rio de Janeiro, por muito tempo, só eram abertas duas vagas de Neurocirurgia.

DL – E como fica o controle dessas vagas?

Chioro – Quem vai controlar é o Ministério da Educação com a nossa participação.

DL – E tem mecanismos eficazes de controle?

Chioro – Sim. Pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), que está bem preparado para isso. Em um curso de Medicina, de seis anos, hoje o aluno presta vestibular e em seis anos pode se formar. E será médico pelo resto da vida. Com o Mais Médicos, no segundo ano, no quarto ano e no sexto ano do curso, são feitas avaliações dos alunos e das instituições. Caso seja identificado um problema, são tomadas medidas e se impede a abertura de vestibular. Essa é outra mudança que valerá para os novos e antigos cursos de Medicina. O MEC está gostando tanto desse critério de abertura de faculdade que a tendência é trazer isso para outros cursos.

DL – Mas os lobbys regionais para abertura de novos cursos ainda são fortes?

Chioro – Rapaz, rapaz...Mas eu não estou nem um pouco preocupado porque isso é um problema do mercado.

DL – Por essa sua postura, seus posicionamentos, o senhor tem noção que desagrada uma parcela considerável dos médicos do País?

Chioro – Ninguém pode ser gestor querendo agradar. Eu me sinto respeitado. Eu sou professor da Unifesp, da Faculdade da Unimes...Formei 27 turmas de médicos, todos eles me conhecem, sou uma pessoa que lida com profissionais diariamente. O fato deles discordarem, discordam muito, mas é uma discordância respeitosa porque quando sentam para discutir comigo, precisam ter argumento.

DL – Pela sua fala, entendo que o senhor vê o Programa Mais Médicos como um programa temporal, que um dia, atingindo suas metas e missão, tende a acabar. É isso mesmo?

Chioro – Eu acredito que o Brasil vá ter, no futuro, algo como tem em outros países. Vou dar um exemplo: eu montei o Samu no Brasil. Para montar o Samu, em 2003, eu passei três semanas na França, conhecendo o modelo de lá, que é o de referência. Na época, tinha muitos médicos cubanos. No ano passado, quando eu fui para a Assembleia da Saúde em Genebra (Suíça), estava em um encontro com a ministra da França, e perguntei sobre a realidade de 2003, dos médicos cubanos, na zona rural. Ela respondeu: “Não. Não temos mais médicos cubanos. Agora temos os médicos romenos, é muito mais fácil”. Isso acontece em todos os países. Nos EUA, em torno de 40% dos médicos não são norte-americanos; no Reino Unido, 30%; no Canadá é quase metade. Não é nosso caso. Não vamos precisar disso. Estamos estruturalmente mexendo para, a partir de 2026, criar auto-suficiência não só na quantidade, mas na quantidade de especialista. Outra coisa estruturante: todas as vagas de Residência, a partir de 2019, com exceção de nove especialidades, como Medicina Esportiva e outras, haverá a necessidade de dois anos de Medicina de Família.

DL – O senhor acredita que encontrará resistência nisso?

Chioro – Claro. Enorme. Nós vamos induzir especialistas para onde precisamos: pediatra, anestesista, oncologista, neurocirurgião, nefrologista. Em Pediatria, a situação é crítica. Em Psiquiatria, crítica. Medicina de Família é essencial.

DL – Ainda sobre o Mais Médicos: se um médico estrangeiro errar um diagnóstico, ao fazer um atendimento, ele será punido pelo Conselho de Medicina?

Chioro – Por incrível que pareça, isso não aconteceu nenhuma vez até agora. A avaliação é excelente. A cada dez médicos, eles são acompanhados por um supervisor. Todos, mesmo os brasileiros. E a cada dez supervisores, por um tutor, que é um professor de universidade. Há todo um processo de avaliação qualitativa. Eles trabalham com protocolos, e têm um CRM (registro no Conselho Regional de Medicina) provisório. Do mesmo jeito que ele está autorizado a fazer diagnóstico, prescrever medicamento, fazer atestado e pedir exames, responde por todas as consequências. Ele é médico. Se cometer um erro, vai responder como qualquer outro médico regularmente inscrito. Ele só tem o registro provisório. Nós, por exemplo, tivemos uma situação desse tipo.

DL – Muito se falou na questão dos médicos cubanos desertores. O número é expressivo?

Chioro – O número é baixíssimo. Temos mais de 11.800 médicos cubanos, 42 saíram. Deixa eu contar uma história: logo no começo do Mais Médicos, recebi a foto de um médico, negro, com jaleco, atendendo uma paciente e ao seu lado uma caixa cheia de carimbos. Falavam que era cubano. Não era. Era um candidato a deputado estadual, e falavam que era cubano. Os estrangeiros que vem para o Brasil são médicos habilitados em seus países. Outra coisa: pela regra do jogo, há um tratado internacional que nos impede de tirar médicos de países que têm menos médicos que nós (proporcionalmente). Como nós temos 1,8 médico por mil habitantes; não podemos trazer de países como Bolívia, Peru e Paraguai. Trazemos da Argentina, Uruguai...São mais de 30 países. Tem russo, americano, portugueses. Mas a maioria é composta por cubanos, argentinos e uruguaios.

DL – A resistência a eles é baseada em preconceito?

Chioro – Sim. Corporativismo.

DL – 9% do Produto Interno Bruto (PIB) é aplicado na Saúde. Qual seria o percentual ideal do PIB para suprir as principais demandas do setor?

Chioro – Ficaria muito satisfeito se tivéssemos 9% do PIB só para o gasto público. São 9% para a Saúde, mas no conjunto dos gastos. Nosso gasto hoje, segundo dados de 2013, gastamos US$ 1.083 por habitante por ano. Destes US$ 1.083, US$ 525 vão para o SUS e o restante para o gasto privado. Só que para o gasto privado, eram 52 milhões de brasileiros que tinham plano de saúde, mais 2 milhões com desembolso direto, resultando em 54 milhões de brasileiros. Veja: há US$ 558 para 54 milhões (de brasileiros), e US$ 525 para 202 milhões (de brasileiros).E para esses, o dinheiro vai para dar vacina, para a Vigilância Epidemiológica. Já para quem tem plano de saúde e enfarta, quem vem buscá-lo é uma ambulância do Samu. Na outra ponta, temos medicamento de alto custo pra todos. Tratamento de AIDS para todos. No Reino Unido, a relação é de US$ 3.000  por habitante por ano, sendo que 87% são de gasto público e só 13% são de gasto privado. Não dá para dizer que o sistema não está subfinanciado (no Brasil).

DL – Recentemente, em um encontro interno do PT, houve comentário sobre a volta da CPMF. Mas a questão não chegou a ser tratada no Governo. O senhor defende a volta da CPMF?

Chioro - Não acho que a CPMF tenha condições políticas de voltar. A sociedade brasileira precisa discutir. O Congresso Nacional, quando acabou com a CPMF, tirou R$ 350 bilhões da Saúde desde 2008, quando ela perdeu a vigência. Acredito que temos que discutir: queremos sistema universal? Eu defendo. Queremos sistema integral? Precisamos ter fonte de financiamento adequadas. Taxação de grande fortuna? É uma fonte. É uma possibilidade. Imposto sobre herança, que os especialistas apontam como o que mais traz equidade de distribuição de renda? É possível. A taxação do pecado?

DL - O que é taxação do pecado?

Chioro - Cigarro, bebida alcoólica, jogos de azar...Também é preciso rever o que é feito com o IPVA. O IPVA arrecada verba e a maior parte (da verba) fica com um pequeno grupo de seguradoras, e quem fica com a conta são as UTIs, o Samu, o serviço público. Todas essas possibilidades têm de entrar em discussão com a sociedade. A essência é querer saber: vamos querer um sistema digno para a população? Vamos ter de ter uma capacidade para financiá-lo.

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