Cotidiano
Com técnica, engenheiros mudaram a direção do Rio Pinheiros, alagaram 106 quilômetros quadrados, mataram a sede dos paulistas e geraram a energia necessária ao crescimento do Estado
A Henry Borden fez florescer os empregos, alavancou o crescimento das cidades e fomentou o desenvolvimento do turismo / Renan Lousada/DL
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Um dos principais vetores do desenvolvimento econômico da Região Metropolitana da Baixada Santista está prestes a completar 100 anos. Responsável pelo fornecimento da energia elétrica que permitiu a construção do maior Polo Petroquímico do Brasil, em Cubatão, a Usina Henry Borden começou a ganhar forma em 1925.
E isso aconteceu após a reversão do fluxo do Rio Pinheiros, em São Paulo. A partir daí, as águas que ‘corriam’ para o Interior do Estado se debruçaram sobre as encostas da Serra do Mar, seguindo os passos do padre Anchieta. E passaram a girar as turbinas da usina hidrelétrica localizada no ‘pé’ da Serra.
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Assim, a Henry Borden fez florescer os empregos, alavancou o crescimento das cidades e fomentou o desenvolvimento do turismo. Sem ela, a Baixada Santista passou de segunda maior economia do Estado para a quinta posição nesse ranking. Mas, no centenário de sua fundação, o sistema formado pela Represa Billings e pela Usina Henry Borden funciona com apenas 3% de sua capacidade instalada.
Corria o final do século 19. Naqueles dias, a São Paulo raiz falava mais tupi-guarani do que o inglês ‘the book is on the table’ dos dias atuais. Mas, faltava água no projeto de metrópole! Foi aí que a cidade resolveu represar as águas do córrego do Campanário em 1893. E a água que ‘corria’ lá no Ipiranga matou a sede dos paulistanos.
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Mas, 30 anos depois, a nascente que deu origem ao Lago das Garças, no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, já não dava mais conta de abastecer a metrópole em gestão. E veio a grande seca de 1924. Foi aí que São Paulo explodiu em bombardeios e milhares de mortes fizeram correr um rio de sangue durante a Revolta Tenentista contra o Governo de Artur Bernandes.
Mas, a cidade onde “começou um novo dia” e onde “já volta quem ia” respondeu à destruição com uma das maiores obras de engenharia na história do Brasil. E, de uma vez, resolveu dois entraves ao seu crescimento.
Com técnica, os paulistas reverteram o curso do Rio Pinheiros e alagaram 106 quilômetros quadrados das terras mais baixas, à leste do Centro. Assim, dominando a natureza, engenheiros e trabalhadores braçais mataram a sede da população e, de quebra, ainda geraram a energia elétrica que impulsionaria a industrialização do Estado.
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Audacioso, o projeto aproveitou o desnível de 720 metros entre o Planalto e Cubatão para debruçar suas adutoras pelas escarpas da Serra do Mar. E o empreendimento feito com concreto e criatividade dobrou a quantidade de energia disponível no Estado de São Paulo.
Assim, surgiu a Represa Billings, embrião para a construção da Usina Henry Borden, inaugurada um ano depois, em 10 de outubro de 1926. A partir daí, a água do Pinheiros e do Rio das Pedras, acumulada na Represa, passou a descer a Serra por dutos.
E essas adutoras funcionam como um funil, com diâmetro de 1,5 metro no Planalto e de apenas um metro na chegada à Baixada Santista. É como eternizou Billy Blanco na clássica canção Amanhecendo: “todos parecem correr para São Paulo crescer”.
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Assim, no final do trajeto Serra abaixo, a água chega a Cubatão com uma velocidade de 400 quilômetros por hora para girar turbinas e geradores suíços, americanos e canadenses.
A força da água é tanta, que a Henry Borden é capaz de abastecer até 4,2 milhões de residências. Pelas oito adutoras passam até 157 mil litros de água por segundo. “Vambora, vambora, tá na hora...”, cantava Billy Blanco.
“Essa é uma usina de alta eficiência”, resume o engenheiro elétrico Emerson Laube Silva, coordenador de Operações da Empresa Metropolitana de Águas e Energia. A EMAE é a sucessora da Light, a empresa responsável pela construção do complexo há, exato, um século.
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Já no “pé” da Serra, os engenheiros e braçais que entregaram essa joia da arquitetura moderna às gerações seguintes cavaram na rocha um túnel com 12 metros de extensão e 21 metros de largura.
Nessa caverna artificial estão instalados os sistemas geradores da Henry Borden. Até hoje, 80% dos equipamentos mecânicos originais das décadas de 1920, 1930, 1940, 1950 e 1960 continuam funcionando perfeitamente.
Mas, a chamada ‘cunha salina’, que é a intrusão da água salgada até o fundo do Estuário, se encarregou de oxidar a parte que foi trocada ao longo do tempo. E a modernização segue até os dias atuais, com novos processos de automação dos serviços.
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“Os equipamentos eram sensíveis, a oxidação era absurda. Hoje, isso já acontece”, explica Laube Silva. O engenheiro norte-americano Asa White Kenney Billings, que deu nome à barragem no Planalto, liderou o projeto há exatos 100 anos, e foi acompanhado por uma equipe de profissionais visionários.