Cotidiano

CDP de São Vicente registra 17 mortes em dois anos

Lista inclui um homicídio e dois suicídios. A informação é da Defensoria de SP

Carlos Ratton

Publicado em 25/04/2021 às 09:10

Atualizado em 25/04/2021 às 14:06

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Agentes do Grupo de Intervenção Rápida saíam marchando, gritando e levando cachorros. Presos denunciam ação violenta e desnecessária. / Divulgação

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Em dois anos, 17 detentos morreram enquanto aguardavam julgamento no Centro de Detenção Provisória (CDP) de São Vicente. Nessa conta macabra, inclui-se um homicídio e dois suicídios. A informação está no relatório final do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, formado pelo defensor Mateus Oliveira Moro (coordenador) e as defensoras Amanda Grazielli Cassiano Diaz e Gabriele Estábile Bezerra.

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O relatório registra mortes também por problemas cardíacos; respiratórios; cerebral; digestivo; tuberculose e falência múltiplas dos órgãos. Também uma suposta ação irregular do Grupo de Intervenção Rápida (GIR). "Dentro da unidade prisional, observamos um carrinho com diversas peças de roupas, toalhas, cobertores etc. Tais itens pessoais, segundo as pessoas presas, foram apreendidos ilegalmente pelo GIR durante a incursão e descartados como se fosse lixo", escreveram os defensores, que detectaram também ação violenta para intimidar presos (ver nessa reportagem).

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JUDICIÁRIO

"O relatório será juntado em ação judicial que corre no Poder Judiciário Paulista", explica Mateus Moro, conforme duas reportagens exclusivas do Diário, publicadas nos dias 11 e 14 últimos, mostrando documentalmente violações graves de direitos humanos.

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Ele mostra que o CDP estava, em 3 de março último, com 1.676 presos provisórios, mas só comporta 842 presos. Ou seja, estava 199,04% acima da capacidade. O Setor Disciplinar (castigo), por exemplo, a taxa de superlotação era de 440%. A unidade abriga 10 pessoas com mais de 60 anos, cinco com deficiência física e uma com deficiência auditiva. Não há presos indígenas e nem estrangeiros.

"As celas são pequenas e sem nenhuma iluminação natural nem artificial, as portas são chapeadas com um pequeno guichê, não sendo possível a entrada de ventilação e luz. As privadas estavam entupidas, sem assento de proteção e tampa. Há cela sem espaço para que as pessoas possam deitar ou se sentar. Se amontoam umas em cima das outras. Cela com capacidade para uma pessoa e abrigava cinco", aponta do relatório.

Os defensores informam no documento que a Direção revelou que não existe camas para todas as pessoas presas, mas que há colchões para todos. No entanto, de acordo com os presos, não há colchões para todos e, os que têm encontram-se em péssimo estado de conservação. "Na verdade, são lâminas de espuma", aponta relatório.

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CONDIÇÕES

Os defensores também pedem que sejam tomadas outras providências. Desde que foi inaugurado, em março de 2002, o CDP não possui laudo da Vigilância Sanitária e da Defesa Civil, tão pouco Projeto Técnico aprovado pelo Corpo de Bombeiros. "Portanto, todos os setores apresentam péssimas condições de instalação com diversos vazamentos de água, fiações expostas, falta de ventilação, iluminação, infestação de insetos e outros problemas", enfatizam.

Ainda conforme o relatório final, é preciso avaliação da qualidade da água servida aos detentos pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). O Núcleo ainda pede explicações sobre aplicação de testes de Covid-19; reposição itens de higiene; horário de banho de sol, em especial no seguro, e sobre remuneração e remição das pessoas que trabalham na unidade vicentina, além do fim do racionamento de água imposto aos presos.

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O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), que já havia detectado problemas desde 2016, recebeu cópia de um relatório preliminar produzido pelo Núcleo para que seja juntado na ação civil pública e no inquérito civil já em andamento na Justiça. No CDP Luís Cesar Lacerda, a água é racionada, comida é entregue estragada, o atendimento médico é precário e medicamentos necessários não são oferecidos aos presos. Infecções e doenças de pele atingem centenas, além de outros problemas
crônicos.

OAB

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Vicente, em um trabalho paralelo, detectou cela de castigo, nos moldes das antigas solitárias; alimentação reduzida e precária - arroz, feijão e uma salsicha - contendo vidro, caramujos, pontas de cigarros, gilete, fezes de aves e azeda.

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Também foi descoberta "Fila da Doação", em que ossos, cascas de bananas e outras sobras são redistribuídas para os que continuam com fome. Também uso de vasilhames de água sanitária, sabão líquido e produtos químicos perigosos para armazenar água em função do racionamento. Muitos também não recebem comida como forma de castigo.

ESTADO

A SAP já se manifestou garantindo que a Procuradoria Geral do Estado tem conhecimento da questão e o processo está no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) aguardando decisão sobre o recurso do MP. Apesar de farta documentação e fotos, já havia afirmado que as informações da Defensoria e OAB não procedem e que o CDP "oferece condições adequadas de assistência em saúde, higiene e alimentação a todos os detentos do sistema prisional" e está à disposição da Justiça para
esclarecimentos.

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Ação 'irregular' de Grupo de Intervenção é detectada

Os defensores públicos alertam que, quando chegaram no CDP, agentes do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) saíam da unidade marchando como se estivessem numa parada militar, gritando e levando consigo cachorros. Segundo alegado pela direção da unidade, 20 pessoas teriam se recusado a voltar para as celas no dia anterior, por isso a intervenção. No entanto, presos alegam que não houve razão para a incursão e a ação resultou em ferimentos em pessoas presas, bombas de efeito moral e tiros para o alto.

Tudo teria ocorrido porque, 48 horas antes da inspeção da Defensoria, a Direção resolveu transferir os faxinas, levando um deles para o castigo. Neste mesmo dia, um objeto teria sido jogado no pátio no horário do banho de sol. Nenhuma pessoa teria encostado no objeto, mas pessoas que passaram próximo a ele foram levadas para o castigo ilegalmente.

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No dia seguinte, por conta do ocorrido, foi aplicado castigo coletivo. Ao invés de banho de sol de 5h30, o tempo foi reduzido para duas horas. Segundo as pessoas presas, houve consenso de que todos iriam para as celas no horário estipulado (10h da manhã) pela Direção.

Entretanto, na hora da tranca, o chefe de plantão abriu as portas das celas e as fechou muito rapidamente, sem que fosse possível que todos entrassem. Assim, cerca de 80 pessoas ficaram para fora e os agentes disseram que viria o GIR.

Posteriormente, repetiram a ação - porta fechada rapidamente - e cerca de 20 pessoas ficaram para fora. Uma pessoa também teria ficado para fora para pedir atendimento na enfermaria. Um agente teria dito que quem ficou para fora 'teria que segurar o BO'.

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"O GIR saiu na hora que chegamos na unidade, por volta das 9h30. Segundo os presos, o diretor disse que o GIR deveria dar tiro com balas de borracha na cara das pessoas presas. Na incursão, teriam sido usadas bombas de efeito moral, dados tiros para o alto, sido feitas ameaça com cachorros próximos das pessoas e cometidas agressões verbais e físicas. Uma das pessoas teria sido atingida por um chute nas costas e outra com um tapa na cara. A Direção do estabelecimento informou, no dia da nossa inspeção, que não foram apreendidos telefones celulares ou drogas", dizem os defensores.

A Defensoria registrou que a incursão do GIR teria sido arbitrária e contrária às normas de ação do próprio GIR, em que somente é permitida a entrada em unidades prisionais em circunstâncias
excepcionais.

CDPs não são presídios

Os centros de Detenção Provisória (CDPs) do Estado de São Paulo deveriam, como a definição preconiza, servir como local de passagem temporária de presos até as penitenciárias porque não foram julgados e condenados.

Números tabulados entre os anos de 2014 e 2020 mostram que, em média, 480 pessoas morrem por ano nas unidades subordinadas à Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), ou seja, quatro Massacres do Carandiru a cada doze meses.

A informação consta na reportagem "SP: a silenciosa máquina de aniquilar presos", do site Outras Mídias, escrita pelo jornalista Paulo Eduardo Dias, na Ponte Jornalismo.

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