A Cava é, basicamente, um aterro sanitário no fundo do mar / Reprodução
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Imagine um vulcão submerso, com alto grau de toxidade e letalidade, podendo entrar em erupção a qualquer momento, causando uma verdadeira catástrofe social e ambiental no Estuário de Santos, berçário de inúmeras espécies marinhas e reduto de centenas de pescadores artesanais que buscam, diariamente, o sustento de suas famílias.
O alerta acima não é sensacionalista e muito menos uma possibilidade remota. Está implícito em um relatório alternativo, produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Assembleia Legislativa de São Paulo, publicado do Diário Oficial do Estado, sobre a cava subaquática que se encontra ‘adormecida’ no canal do Estuário de Santos.
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Isso porque “o fato da cava estar com mais de 50% acima do leito e considerando o aumento da profundidade do canal, poderá ocorrer modificação na hidrodinâmica da região, aumentando a pressão de saída de água nas vazantes de marés e erodir o banco de areia onde ela se encontra, disponibilizando os sedimentos altamente contaminados depositados”, explica o relatório.
O pesquisador e membro da Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ), Jeffer Castelo Branco, diz ainda que o relatório esclarece que 12 metros de sedimentos contaminados estão dispostos acima do leito e suas partes sul e leste estão próximas do canal de navegação, podendo espalhar mais de 50% do material no fundo.
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“O que contribui para que os contaminantes da cava escapem para o meio com mais facilidade. O relatório mostra também que a anacrônica cava subaquática é totalmente diversa daquela apresentada no Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA)”, alerta.
A Cava é, basicamente, um aterro sanitário no fundo do mar. A da região abriga resíduos altamente tóxicos e serviu para despejo durante oito anos – 2016 a 2023 - de industrialização e dragados do fundo do Canal de Piaçaguera, gerando um perigoso passivo ambiental, alvo recente dos ministérios públicos Estadual e Federal.
Há cinco anos, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3285/2019, que proíbe a construção de novas cavas subaquáticas em oceanos, rios, lagos, lagoas ou estuários. Ele foi apresentado pela deputada federal Rosana Valle (PL), que hoje somente acompanha seu desdobramento.
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Depois de passar na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, os mais recentes trâmites ocorridos aconteceram a partir de 31 de janeiro do ano passado, quando a proposta chegou à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), quando o deputado Tadeu Alencar (PSB/PE) deixou de ser membro da Comissão. Somente em 18 de abril, também do ano passado, foi designado um novo relator, o deputado Fernando Jose De Souza Marangoni (União).
No dia seguinte, foi reaberto prazo para emendas ao projeto, encerrado somente em 03 de maio, sem nenhuma emenda apresentada. Em 10 de maio do mesmo ano, houve apresentação do parecer do relator pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do projeto e do substitutivo da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Meses depois, em 6 de março deste ano, foi descoberto que Marangoni não integrava a Comissão na data de sua instalação, sendo designado, em 18 de abril último, o deputado Gilson Daniel (Podemos-ES) como novo relator, que até hoje não apresentou parecer à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) do Congresso Nacional para ser aprovado e se tornar, ou não, lei.
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Como já divulgado com exclusividade pelo Diário, o passivo ambiental deixado pela Cava no Estuário remonta uma luta inglória, destacada nas páginas impressas e redes do jornal desde de 2018. Ambientalistas e os próprios promotores públicos tentaram impedir, sem êxito, que a Cava se mantivesse em operação.
Eles iniciaram um movimento intitulado Cava é Cova e incentivaram Rosana Valle a apresentar o projeto de lei, criado um ano antes dele ser enviado ao Congresso Nacional, que determina um prazo de cinco anos para a desativação e extinção das cavas já existentes.
Vale lembrar que, durante a tramitação na Comissão de Meio Ambiente, foi revelado que a técnica de disposição de resíduos não é mais utilizada no Mundo, pois o mar não pode ser transformado em uma área de deposição de resíduos.
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Nos Estados Unidos, as cavas são proibidas na maioria dos estados. Os estados americanos que permitem as cavas só aceitam baixas concentrações de poluentes, na faixa de 200.000 milímetros cúbicos. A cava de Cubatão abrigava poluentes tóxicos na faixa de 2.400.000 milímetros cúbicos.
Em Santos, o vereador Chico Nogueira (PT) tinha apresentado um projeto de lei proibindo a construção de cavas no Estuário Santista. O objetivo, segundo o parlamentar, era garantir a segurança de novas gerações. Mas, para surpresa, o então prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), hoje deputado federal, vetou a proposta.
A nova ação judicial contra o passivo da Cava foi assinada pelo procurador da República Antonio José Donizetti Molina Daloia, o 16º promotor de Justiça Carlos Cabral Cabreira e a promotora Flávia Maria Gonçalves, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema).
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Eles querem responsabilizar a Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A (Usiminas), a Ultrafértil S/A, a VLI e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) pela permanência de dano ambiental (poluição) perpetrado no Estuário de Santos – bem da União e área de preservação permanente, oriundo do descarte de material contaminado no oceano. As empresas já se manifestaram alegando que o equipamento não causou e nem causará riscos ambientais.