Peixe é um símbolo da culinária caiçara / Roberto Sander Jr./Prefeitura de Gaurujá
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Mais que uma atividade econômica, a pesca da tainha (Mugil liza) faz parte da identidade cultural de caiçaras, manezinhos e ribeirinhos há séculos. E ela começa neste mês cercada por incertezas, colocando em dúvida o volume de peixes que chegará aos litorais catarinense, paranaense, paulista e carioca. O motivo é o volume extraordinário de água que invadiu a Lagoa dos Patos, no extremo sul do Brasil, após o extravasamento dos rios Jacuí, Caí, Pardo, Taquari, dos Sinos e do Lago Guaíba. Tradicionalmente salobra devido à ligação direta com o Atlântico, a água da Lagoa dos Patos sofreu uma evidente alteração físico-química com o volume excessivo de água doce.
“Em geral, a tainha sai da Lagoa dos Patos e migra até o sul do Rio de Janeiro para desova e depois retorna. E a enchente no Rio Grande do Sul pode influenciar nessa migração e modificar a abundância da espécie nas pescarias do Sudeste”, explica o professor doutor Jocemar Tomasino Mendonça.
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Mendonça é o atual diretor do Departamento de Territórios Pesqueiros e Ordenamento do Ministério da Pesca e Aquicultura. Oceanólogo formado pela Universidade Federal do Rio Grande, no Rio Grande do Sul, Mendonça fez o mestrado em Oceanografia Biológica no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e o doutorado em Ecologia e Recursos Naturais na Universidade Federal de São Carlos.
“Isso (o excesso de água doce na Lagoa dos Patos) traz uma grande incerteza sobre como será a safra no Sudeste porque ainda existem dúvidas sobre se toda a tainha que ocorre no Sudeste vem da Lagoa”, completa Tomasino, que acumula a função de pesquisador científico do Instituto de Pesca desde 1994.
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Contribuem para a preocupação dos pescadores as temperaturas mais quentes que o habitual no início deste mês e o vento sul mais fraco nos primeiros dias da safra, o que também influencia na migração da espécie. É justamente o vento sul que provoca a entrada da água salgada na Lagoa dos Patos e, também, no Rio Prata, outro importante berçário para as tainhas. O Rio da Prata separa o Uruguai da Argentina.
Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina (Epagri) a Temperatura da Superfície do Mar (TSM) no início da safra ainda esteve entre os 22°C (graus Celsius) e os 25°C no litoral catarinense.
Por meio da Portaria Interministerial MPA/MMA nº 9, de 1º de março, os Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente e Mudança do Clima definiram as cotas de captura da tainha durante a safra de 2024. Para este ano, houve aumento de mais de 20% nas cotas para a modalidade de emalhe anilhado (pesca artesanal), em relação a 2023. E a pesca de cerco/traineira (pesca industrial) voltou a ser autorizada.
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Sendo assim, a cota estabelecida para a pesca de emalhe anilhado é de 586 toneladas, e para a modalidade cerco/traineira é de 480 toneladas. Oito embarcações da chamada pesca industrial foram autorizadas para a safra atual, e as demais modalidades não estão submetidas ao regime de gestão por cotas de captura e devem pescar observando as regras dispostas na Portaria SG-PR/MMA nº 24, de 2018. Na safra de 2023, a cota de captura estabelecida para os 125 barcos da pesca artesanal autorizados a pescar tainha foi atingida em apenas um mês.
Neste ano, o arrasto de praia praticado pelos pescadores artesanais já está liberado desde o começo de maio e a captura com emalhe pelos barcos de artesanais foi liberada na última quarta-feira e vai até 31 de julho ou até que seja atingida a cota estabelecida. Já a pesca pelos barcos de cerca/traineira começa em 1º de junho e vai até 31 de julho, ou até que seja atingida a cota específica.
Esses limites são definidos pelo Comitê Permanente de Gestão da Pesca e do Uso Sustentável dos Recursos Pesqueiros Pelágicos das Regiões Sudeste e Sul, vinculado ao Ministério da Pesca e Aquicultura. Essas restrições visam evitar a sobrepesca, que é retirada do mar de indivíduos em quantidade superior à capacidade de reprodução da espécie. O objetivo é garantir a restauração dos estoques no mar, viabilizando a sobrevivência da espécie e, consequentemente, as capturas nos próximos anos.
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A principal espécie de tainha capturada comercialmente no Brasil é a Mugil liza, que ocorre desde o estado da Flórida, nos Estados Unidos, até a Argentina. A tainha tem hábito estuarino/costeiro e forma grandes cardumes na época de migração reprodutiva, quando deixa os estuários e segue para o mar aberto.
Este comportamento, que ocorre entre o outono e o inverno, as deixa mais vulneráveis à pesca. Trata-se, portanto, de um importante recurso pesqueiro das regiões Sul e Sudeste do Brasil não apenas pelo volume de sua produção, mas também por seu valor sócio-cultural. Além de sua carne rica em gorduras saudáveis e ômega-3, as gônadas (ovas) são muito apreciadas e valorizadas.
Está para começar a temporada dos tradicionais festivais e festas da tainha, que movimentam todo o Litoral Paulista, de sul a norte. Em alguns casos, essa tradição está na agenda de prefeituras, clubes e colônias de pescadores desde a década de 1970. E o peixe na brasa é sinônimo de aconchego e reunião familiar, com o tempero caiçara.
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Em geral, o peixe é acompanhado por arroz, vinagrete e farofa, essa última com todas as variações que fazem parte da culinária regional e vão desde a adição do camarão e de outros frutos do mar, até a utilização da farinha manema. Feita com mandioca, a iguaria é exclusiva dos caiçaras da região da Juréia, que vai de Peruíbe à Ilha do Cardoso, no último grão de areia do Litoral Paulista, divisa com o Paraná.
E, em geral, os festivais e festas revertem as verbas arrecadadas para instituições de caridade e fundos sociais de solidariedade dos municípios.
Uma das festas mais tradicionais da Baixada Santista e uma das primeiras a começar acontece no Lions Clube Guarujá. Localizado na Avenida Vicente de Carvalho, no Jardim Boa Esperança, em Vicente de Carvalho. O evento faz parte do Calendário Oficial de Eventos do Município e conta com o apoio da Prefeitura. A entrada é gratuita e o prato servido costuma ser um dos mais baratos de todo o litoral.
Normalmente, além do prato também dá direito a uma taça com vinho. O ambiente é familiar, ao som de música ao vivo e com diferentes atrações em todos os finais de semana até meados e julho. Não costuma ser cobrado couvert artístico e nem taxa de 10% de consumo.
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Também tradicional, a Festa da Tainha Caiçara acontece na Prainha Branca sempre no mês de julho. Essa comunidade fica praticamente isolada, na região conhecida como Rabo do Dragão, no extremo norte da Ilha de Santo Amaro, e costuma oferecer tainhas pescadas pelos próprios moradores deste recanto do Guarujá. Toda a renda obtida com o evento é destinada à Sociedade Amigos da Prainha Branca, que reverte a verba para melhorias na região.
A 47ª edição da Festa da Tainha de Bertioga também deve começar na virada de junho para julho e prosseguir durante todo o mês. Em,2023 o evento aconteceu na Tenda de Eventos, ao lado do Parque dos Tupiniquins, no Centro. E os visitantes contaram com estacionamento privativo localizado à Avenida Vicente de Carvalho, na altura do número 21, em frente à antiga balsa.
O evento é realizado pelo Lions Clube de Bertioga com apoio da Prefeitura e costuma ser uma experiência gastronômica, que soma tradição, cultura e sabor, podendo ser aproveitado aos finais de semana. Às sextas-feiras, o jantar é servido a partir das 19h30. Aos sábados, o almoço começa ao meio-dia e o jantar às 19h30. Aos domingos é servido apenas o almoço, que inicia ao meio-dia.
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Em Santos, há diversas opções de festivais com pratos à base de tainha promovidos por entidades beneficentes e clubes de servir a partir de junho. Mas, talvez a mais tradicional seja em agosto, na Área Continental da Cidade, quando o peixe costuma ser servido durante as festividades em homenagem ao Senhor Bom Jesus da Ilha Diana.
O evento transporta o visitante para a década de 1940, quando a comunidade começou a celebrar o santo e o peixe com atrações musicais, culturais, religiosas e gastronômicas para todas as idades. Um espetáculo à parte é a tradicional procissão, que sai de barco pelo estuário, com as embarcações indo até as imediações da Base Aérea, retornando para a missa na Capela do Bom Jesus.
Em 2023, o acesso foi gratuito à Ilha Diana. O embarque aconteceu atrás da Alfândega de Santos, junto à Praça da República, no Centro. A Secretaria das Prefeituras Regionais providenciou viagens gratuitas em cada um dos quatro dias de festa, em uma embarcação com capacidade para 80 passageiros. As saídas de Santos ocorreram das 10 às 22 horas, e os retornos a partir da Ilha Diana das 11 às 23 horas.
Outra opção é o Mercado de Peixes, na Ponta da Praia, que promoveu em agosto o Festival da Tainha. O evento ofereceu o peixe a preços populares, mas o comprador precisava usar de criatividade para preparar o prato favorito, em casa.
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Em Praia Grande, a agenda foi incluída no calendário oficial do Município em 2006. O cardápio começa a ser servido normalmente no final de junho e vai até o final de julho, no Pavilhão de Eventos Jair Rodrigues, localizado na Avenida Ministro Marcos Freire, s/nº, no bairro Quietude. Em 2023, foram perto de 100 mil visitantes e 13 toneladas de peixe servidas.
A tradicional Festa da Tainha da comunidade caiçara do Marujá, na Ilha do Cardoso, em Cananéia, costuma começar logo no início de julho e costuma ter o peixe mais fresco de todo o litoral. A Festa é organizada e realizada pela Associação dos Moradores do Marujá, com apoio do Departamento Municipal de Cultura de Cananéia. Com seus quase 30 anos de tradição, essa festa é um momento de integração, confraternização e comemoração pela safra da tainha.
O evento celebra a fartura, reúne moradores, pescadores e visitantes e é regado a cataia. A bebida é típica do extremo sul do Litoral Paulista e é feita com cachaça e folhas de uma espécie vegetal abundante na região costeira do Vale do Ribeira.
A Sociedade Amigos de Boraceia, com apoio da Prefeitura, promove há 42 anos a Festa da Tainha de São Sebastião. O evento acontece em julho, na sede da Associação Amigos de Boraceia, localizada na Alameda Penápolis, ao lado do Posto de Saúde e da Escola Municipal, no bairro Boraceia, Costa Sul do Município, e costuma reunir moradores e turistas. Em 2023, o evento contou com dez barracas de comidas típicas, as famosas tainhas recheadas e espalmadas, música ao vivo e sorteio de prêmios.
O já tradicional Festival da Tainha & Pescados Caiçaras de Caraguatatuba, no Litoral Norte vai para sua décima nona edição. Promovido pela Associação de Pescadores Artesanais da Zona Sul de Caraguatatuba, o evento normalmente acontece no primeiro final de semana de julho, no Entreposto de Pesca do Porto Novo.
O Festival busca valorizar a cultura caiçara através da gastronomia típica e do artesanato local. O cardápio inclui pratos tradicionais como a tainha espalmada e recheada, além de pastel de camarão e das porções, como a de cação e outras. Em 2023, foram oito barracas de pratos salgados e duas de doces, além de produtos à base de Cambuci, fruta típica da Mata Atlântica paulista
O roteiro também oferece passeio no rio Juqueriquerê com duração de 30 minutos. No ano passado, foram mais de 30 mil pessoas durante os quatro dias de festa.
Em Ubatuba, a fé católica se mistura às tradições caiçaras durante o mês de julho. No Município, a tainha assada na brasa com arroz, farofa e maionese costuma ser uma das atrações da Festa do Divino Espírito Santo de Ubatuba. Tradicional, a Festa do Divina acontece há 158 anos, na Paróquia Exaltação da Santa Cruz e na Praça da Igreja Matriz, no Centro.
O prato custa R$ 80 reais e costuma ser muito apreciado por moradores e turistas nesta época do ano. O cardápio também oferece porções de camarão e batata frita. Além das opções de alimentação, a festa conta ainda com missas, procissões, apresentações musicais e show de prêmios.
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