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Os caranguejeiros da Região Metropolitana da Baixada Santista já podem comemorar. Na última quinta-feira (01), foi reestabelecido o direito de captura do caranguejo uçá nos manguezais da área compreendida entre Bertioga e Peruíbe, pondo fim a uma luta de quase ano. A resolução da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) 64/15 já foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) e a atividade será permitida por dois anos.
A conquista pôs fim, pelo menos temporariamente, à possibilidade de que a atividade típica caiçara pudesse ser extinta, assim como as famílias que vivem dela. A proibição ocorreu por intermédio do decreto estadual 60.133, de fevereiro de 2014, baseado no fato do caranguejo-uçá constar na lista dos ameaçados de extinção. Desde essa época, ocorreu um amplo movimento para garantir o sustento das famílias que viviam da atividade.
O Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental Marinha Litoral Centro (APAMLC) havia encaminhado semana passada uma moção pedindo a liberação ao governador Geraldo Alckmin (PSDB). Antes, havia apresentado um parecer técnico à SMA, assinado também pela Universidade Estadual Paulista - Campus Litoral Paulista (Unesp-CLP) e pelo Instituto Maramar, atestando abundância do caranguejo nos manguezais santistas e reconhecendo a importância socioeconômica da pesca artesanal na região.
Além do parecer técnico, os órgãos que defendiam a volta da atividade, principalmente para os pescadores dos bairros santistas Caruara e Monte Cabrão, apontavam que a captura do caranguejo uçá havia sido liberada na região de Iguape, no Vale do Ribeira, onde até dezembro último a pesca também estava proibida após um estudo realizado pela própria Unesp, que detectou metais pesados em caranguejos nos mangues de São Vicente, Cubatão, Bertioga – todos municípios da Baixada. Guarujá, cidade onde os dois bairros de Santos estão mais próximos, não havia sido mencionada no estudo.
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Verdadeiros culpados
Os órgãos são da opinião que os verdadeiros culpados pelos impactos sobre a população de caranguejos da região são as empresas do Pólo Industrial de Cubatão e do Porto de Santos, “que se instalaram no mangue e recebem licenças ambientais para a derrubada e aterramento do habitat do caranguejo uçá, enquanto o pescador artesanal, que depende dos recursos da natureza e tem uma consciência ecológica acumulada, é criminalizado por exercer sua atividade de sustento, recebendo multas impagáveis”, afirma o oceanógrafo e diretor da Maramar, Fabrício Gandini.
Segundo a técnica Laís Cristina Rodrigues Assis, a pesca artesanal protege a natureza e é preciso que se faça uma discussão de base comunitária para a regulamentação das atividades de pesca, preservando direitos historicamente conquistados pelas comunidades.
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Sem risco de extinção
Vale lembrar que também em dezembro último, reportagem do Diário do Litoral ouviu o professor de Zoologia dos Invertebrados e coordenador do estudo da Unesp que detectou metais pesados Marcelo Pinheiro, que revelou que apesar da contaminação dos manguezais, não há risco de extinção do caranguejo-uçá. Portanto, a liberação tão esperada pelos pescadores é mais uma decisão política do que técnica.
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Sobre a poluição, o professor, que também realiza trabalho no Instituto Chico Mendes, afirma a necessidade de fiscalização de filtros de indústrias e os mecanismos que elas utilizam para eliminar poluentes. Ele informou que o maior problema do meio ambiente está relacionado por contaminação exercida pela ação do homem e ratificou que, na Baixada Santista, a maior influência se deu pela instalação do Pólo Industrial de Cubatão e o Porto de Santos. “É preciso aumentar os recursos dos órgãos de fomento à pesquisa, para que sejam realizados estudos com maior frequência”, revelou.
Pescadores estavam abandonados à sorte
Na última quarta-feira (30), um dia antes da resolução da SMA, Diário foi conhecer de perto a situação dos pescadores de caranguejos do Caruara e Monte Cabrão. “Quando um filho seu pede pão e você não tem para dar dói no coração. Tem pescador que tem quatro e cinco filhos. Na presença de Deus, ninguém se esconde. Mas na do homem sim. Estamos pescando escondidos por necessidade e não por vergonha, pois ninguém deve tê-la para sustentar a família”, afirmou um dos pescadores do Caruara, que pediu para não ser identificado por medo da fiscalização.
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O medo se justificava. A multa para quem fosse pego capturando o caranguejo era de R$ 700,00 e mais R$ 20,00 por quilo ou fração do produto. A penalidade dobrava em áreas de proteção ambiental. “Eu ganho, em média, R$ 30,00 por bico, que não ocorre todos os dias. Quando a coisa aperta, arrisco a captura do caranguejo. Quando a barriga ronca, o instinto supera a razão”, completava.
Isaias Dias de Lima pesca caranguejo-uçá há 38 anos e representa pescadores do Caruara. Ele explicou que não havia opção porque o Estado havia tirado o sustento de uma hora para outra, sem avisar e sem dar qualquer benefício ou opção de sustento aos caiçaras. “Cerca de 10 famílias dependem desse trabalho. Eu mesmo já fui multado e recorri. Quando estava trabalhando, dava para ganhar um salário mínimo. Todos temos licença, mas com o decreto ela nada vale. Temos contas de luz, mercado, enfim. Tem caranguejo em abundância aqui. Só não vê quem não quer”.
O caranguejeiro Francisco Balbino da Silva fala pelos 40 pescadores de Monte Cabrão. Ele vive da pescaria há 35 anos. “Somos artesanais. Tudo que pescamos é para prover sustento. Eu tenho dois filhos, mas tem vizinho que tem seis. Quando posso, ajudo. Minha esposa é auxiliar de cozinha e me ajuda a manter a família”, afirma.
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Alessandro Fernandes é novo na atividade. Ele é casado e sustenta a esposa pescando caranguejo-uçá há sete anos. “A violência está grande, como também a falta de emprego. Temos que lutar contra isso e ainda lidar com esse impedimento absurdo e injusto. Quando estava liberado, na época de defeso, tínhamos direito a dois salários (mínimos). Agora, não temos nada”, contou antes de saber da liberação.
Benedito Firmino dos Santos, de 71 anos, sendo 69 deles vivendo no Monte Cabrão, sabe o que injustiça. “As embarcações grandes passam por aqui (canal de Bertioga), não respeitam o silêncio, os animais e não são fiscalizadas e proibidas. Só os pescadores artesanais são punidos”, afirma, lembrando o velho ditado popular: na briga do rochedo com o mar, quem sofre é o marisco.