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“Quem nasce na Prainha Branca é chamado de bem-te-vi. Os bem-te-vis são aves guerreiras que defendem seus ninhos contra predadores, unindo-se em bando. Antes, os moradores ao serem chamados de bemte- vis ficavam revoltados porque entendiam que estavam sendo chamados de briguentos. Hoje, sentemse orgulhosos por saberem o motivo: os bem-te-vis se unem para defender o que é seu por direito. Seus lares, seus filhos, seu território”.
O texto anteriormente citado, prefácio do livro “O Canto do Bem-te-vi”, é do poeta e escritor Silvano Neves Ledo, morador da Prainha, em Guarujá. Passarinho, como é conhecido na comunidade, é mais um dos caiçaras que acusam o exdeputado federal Evandro Mesquita de pressioná-los para que deixem a área.
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Conforme matéria exclusiva publicada na sexta-feira pelo Diário do Litoral, o exdeputado é alvo de uma ação civil pública com pedido de liminar, impetrada pelo Resistência Caiçara Caiçaras da Prainha Branca mostram a força do bem-te-vi Ministério Público (MP), na última quarta-feira, dia 9, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que objetiva a demolição da mansão e de todas as benfeitorias construídas por ele numa área de 138 mil metros quadrados, incrustada no meio de um verdadeiro paraíso verde, localizado no conhecido Rabo do Dragão — área leste da Cidade.
O documento aponta que, em 1998 (seis anos após o tombamento da área), agentes do Condephaat teriam flagrado o final da construção da mansão, erguida sem autorização do órgão, sem o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e fora dos padrões ambientais estabelecidos para a área ocupada pela comunidade caiçara da Prainha. Desde então, o órgão vem tentando notificar Mesquita.
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Segundo o documento, com mais de 160 páginas (incluindo cópias de ações anteriores contra o ex-deputado), no ano passado, por exemplo, Evandro Mesquita teria erguido uma casa para seu caseiro, acima de cinco metros de altura, desrespeitando o padrão construtivo da Vila de Pescadores próxima (ver detalhes nesta reportagem).
A equipe do DL esteve novamente na Prainha Branca e ouviu relatos de moradores que afirmam ter sofrido abusos do ex-deputado. Na caixa de luz de diversas casas, por exemplo, consta o nome do ex-deputado. Segundo denunciam os moradores, mais de 20 famílias já teriam fugido do local com medo de Evandro Mesquita.
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Nascido e criado na Prainha, Idário Correia (59 anos), disse que a família perdeu parte do terreno para Mesquita. “Ele comprou os terrenos vizinhos e o de minha mãe foi junto. Chegaram com policiais, oficiais de Justiça, que deram 24 horas para desocuparmos o imóvel. Meu pai lutou oito anos e perdeu. No terreno tinha uma pequena lagoa que ele aterrou. Moro hoje em outro terreno que era de meu pai. Estou lá porque resisti às ameaças”, dispara. O aterramento da lagoa foi ratificado pela moradora Claudenice Oliveira de Almeida.
Norberto José Lemos tem 93 anos e fala com dificuldades. Quando estava com 81 anos, segundo conta, foi surpreendido por policiais na porta de casa. Queriam que ele assinasse o boletim de ocorrência sob a acusação de ter roubado água do terreno de Mesquita. “Captávamos água de uma nascente por intermédio de extensas mangueiras que passavam no terreno dele (Mesquita). Meu pai está aqui bem antes dele. Não o deixei assinar o documento. Um constrangimento”, afirma a filha Vanda Lemos (60 anos), que nasceu na Prainha.
Mauricio dos Santos Flávio mora hoje numa casa de cerca de 36 metros quadrados cedida pelo tio. Seu pai morava na Gleba 3 da área, em um terreno de cerca de 30 mil metros onde a família mantinha pequenas plantações. “Eu era menino e meu pai era analfabeto. Se valendo disso, foi feito um acordo em que meu pai acabou ficando com apenas 800 metros de toda a área. Uma parte, inclusive, abriga hoje a mansão do ex-deputado”, disse.
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Silvano Neves Ledo, autor do livro citado no início da reportagem, garante que o medo ainda permanece na Prainha. “O conhecimento dele (Mesquita) com os políticos em Brasília (DF) é muito grande. A gente não tem para onde correr. Ele não conseguiu destruir essa comunidade porque somos unidos, como o bem-te-vi”, afirmou Silvano.
A história de Maria José
De todas as histórias relatadas à reportagem, talvez a que mereça mais destaque seja a de Maria José de Oliveira, que mora desde 1979 no lugar. Ela não escondeu sua apreensão ao conceder a entrevista.
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“Eu morava no morro que ele (Mesquita) disse ser dele. Em 1998, ele entrou com uma ação de reintegração de posse. Eu resisti e meses depois fui levada por policiais, algemada, até a delegacia de Guarujá, sem mandado algum, sob a acusação de invasão. Meus filhos pequenos ficaram em casa e eu tive que pedir dinheiro para voltar, após ser liberada. Quinze dias depois, atearam fogo na minha casa, mas eu não estava. Passei dias e dias no mato, com meus filhos pequenos, com medo. Só voltava à noite”, conta.
Depois, Maria José foi vítima de uma ação judicial de perda do pátrio poder. “Imputaram prostituição às minhas filhas, uma na época com oito anos. A ideia era que o Conselho Tutelar me tirasse as crianças, pois sem elas seria mais fácil eu perder a casa. Eu lutei muito. Em 2000, com um advogado do Estado, processei ele (Mesquita) e o processo continua até hoje. De vez em quando, ele me chama e tenta um acordo. Ele me oferece seis meses de aluguel, a mudança e um ano de cesta básica”, afirma.
Três promotoras assinam a ação
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A ação — obtida com exclusividade pelo Diário do Litoral — foi avaliada em quase R$ 6 milhões e assinada por três promotoras do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) — Nelisa Olivetti de França Neri de Almeida, Flávia Maria Gonçalves e Almachia Zwarg Acerbi.
Segundo o Gaema, a Prefeitura de Guarujá também é responsável pela situação, pois como titular do poder e dever de polícia deveria ter adotado medidas administrativas para impedir a implantação de construções irregulares. O MP alerta que Evandro Mesquita ainda teria afirmado à Prefeitura a pretensão de construir no local um condomínio.
Finalizando, o MP requer à Justiça que, liminarmente, além da demolição dos imóveis, o ex-deputado federal seja impedido de fazer qualquer obra, serviço ou atividade na área. Também que a Prefeitura promova controle e fiscalização do uso e ocupação do imóvel. O MP requer ainda a condenação de Evandro Mesquita e da Prefeitura ao pagamento de multa diária por descumprimento das obrigações impostas.
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Há quase 25 anos, Evandro Mesquita mantém sua propriedade — registrada sob o número 13.879/79, da Prefeitura. Ela abriga o único acesso de veículos à Prainha: uma estrada particular construída na década de 90, que cortou o ambiente preservado da Rodovia Ariovaldo de Almeida Viana (SP61) até a praia. Nela, Evandro Mesquita mantém uma portaria, aberta somente após sua autorização, de acordo com os moradores.
No início da semana, na Prefeitura, o ex-deputado foi o principal alvo da comissão de moradores que foi cobrar da prefeita Maria Antonieta de Brito (PMDB) explicações para a recente derrubada irregular, segundo a comissão, de três casebres por agentes municipais que não teriam a mesma rigidez com a propriedade à beira-mar de Mesquita. A prefeita abriu sindicância para apurar o ocorrido.
Ex-deputado visita à redação do Diário do Litoral
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Na última sexta-feira — dia em que a reportagem esteve na Prainha pela segunda vez — o ex-deputado Evandro Mesquita esteve na redação para dar a sua versão dos fatos envolvendo a questão judicial e as acusações dos moradores da comunidade. Ele ratificou que as benfeitorias feitas em sua propriedade são anteriores ao tombamento e que sua vida foi toda baseada na legalidade.
“Eu comprei a área há 40 anos (1973) do exprefeito Maurici Mariano e de dois empresários, que tinham o domínio. A partir de 1976, eu passei a obter as licenças prévias de todos os órgãos ambientais que tinham ingerência sobre a área e foi nessa época que iniciei as benfeitorias, já revisadas pelo Poder Judiciário e julgadas regulares. Eu nunca tive uma multa”, disse.
O tombamento, segundo Mesquita, promoveu restrições à Vila da Prainha Branca, que fica na gleba 2. Ele alega que seu imóvel fica na gleba 3, de propriedade particular e que uma das promotoras do Gaema o estaria perseguindo. “A intenção é me magoar, me atingir, me castigar e trazer incerteza à minha família. E isso ela já conseguiu”, afirma.
Evandro Mesquita também garante que a estrada foi construída após o tombamento e que a via é livre à passagem de veículos de emergência e serviços públicos. “O caseiro está autorizado a abrir as portas para todos que precisam de atendimento. A Prefeitura sempre a utiliza. Não há qualquer restrição”, garante.
Ele revela que, recentemente, ofereceu a possibilidade da Prefeitura fazer um desvio para a Vila. Seria um desvio de 300 metros, mas que precisaria de licença ambiental. “Eu não me oponho a esse desvio, desde que a estrada fosse alargada para evitar acidentes. Eu até fiz uma carta e encaminhei à prefeita Maria Antonieta. É preciso que os órgãos ambientais aprovem e o Município tenha recursos”.
O ex-deputado também garante que não são verdadeiras as acusações de promover ações e que exerce pressão física e psicológica para expulsar os moradores. “Todas as questões foram resolvidas pelo Judiciário. Meus empregados até ajudam a comunidade. O problema é que existem pessoas que fazem campanha contra mim em função da estrada. Também não é verdade que aterrei um lago e que impeço que os moradores tenham acesso à água”, finaliza.