Cotidiano
Israel dos Santos era alvo de uma ação demolitória promovida pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER)
Assim como Israel, dezenas de famílias caiçaras moram há décadas às margens da Estrada Guarujá-Bertioga / Nair Bueno/DL
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A Justiça concedeu ao caiçara Israel dos Santos, residente às margens da Rodovia Ariovaldo de Almeida Vianna SP 61, também conhecida como Estrada Guarujá Bertioga, o direito de permanecer em sua residência com a família. Santos era alvo de uma ação demolitória promovida pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER). Sobre a decisão, não cabe mais recursos e deve servir de jurisprudência para futuros entraves judiciais sobre o tema.
Na apelação à sentença – o DER havia conseguido a demolição do imóvel ao qual o caiçara vive há mais de quatro décadas – o advogado de defesa, Eduardo Diogo Brazolin, argumentou que a demolição seria potencialmente danosa à família, porque romperia o equilíbrio de uma situação consolidada pelo tempo.
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“É extremamente gratificante obter êxito na reforma de uma sentença, após recurso, que obrigaria a família de Israel a abandonar seu lar, demolir a residência e arcar com todos os custos. Dessa forma, além de garantir o direito de moradia de Israel, que há mais de quatro décadas reside no local, a decisão favorável poderá beneficiar inúmeras outras famílias que estão nas mesmas condições. Assim, é imprescindível que o Poder Público agilize a municipalização da rodovia Guarujá-Bertioga para evitar que outras famílias corram o risco de perder suas residências por ações demolitórias ajuizadas pelo DER”.
Israel mora na altura do quilômetro 18 da rodovia. Como ele, existe dezenas de famílias caiçaras que estão morando entre o mar e o canal de Bertioga há décadas. O DER não age da mesma forma como marinas e loteamentos que ocupam o mesmo espaço (ver nesta reportagem).
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O DER alega que a casa de Israel dos Santos foi erguida em zona rural, com área de construção de casa de alvenaria de cerca de 48 metros quadrados e de muro de alvenaria de cerca de 44,80 metros quadrados, numa ocupação “indevida e que se deram sem o amparo das posturas municipais, ocupando indevidamente faixa de domínio e faixa não edificante de trecho de rodovia estadual.
A Justiça havia dado como procedente o pedido de demolição e a desocupação do local, além do pagamento de multa e despesas processuais. No entanto, em sua defesa, o caiçara revelou ao magistrado que detém a posse pacífica do imóvel há mais de 49 anos, onde reside com sua esposa e filhos, tendo, inclusive, obtido ligação de luz em sua residência em 14 de abril de 1985 e, que sua residência nunca interferiu negativamente na rodovia administrada pelo DER.
Sustentou que, em 2006, a Secretaria de Meio Ambiente do Município de Guarujá iniciou o cadastramento da população localizada na Serra do Guararú, atendendo ao pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e com a finalidade de dar início ao processo de regularização fundiária na região. E ainda que está em tramitação o pedido para municipalização da Estrada Guarujá-Bertioga, onde será transferida a concessão do DER para o Município de Guarujá.
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Por conta da complexidade da causa, o juiz revelou no processo, entre outras coisas, que o direito à moradia, inegavelmente, figura como garantia constitucional fundamental do indivíduo, partindo-se da ideia da dignidade da pessoa humana, direito à intimidade e à privacidade e de ser a casa asilo inviolável, sendo que algumas questões fáticas foram constatadas no curso da apreciação deste recurso que não podem ser ignoradas.
Os apelantes (Israel e família) têm direito à moradia digna, direito social, não passível, inclusive, contra qualquer tipo de abolição. Portanto, dante do exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso”, decidiu o desembargador-relator Armando Camargo Pereira.
Não é a primeira vez que o Diário do Litoral divulga a luta dos caiçaras contra os “dois pesos de as duas medidas” adotadas pelo DER na região conhecida como Rabo do Dragão, em Guarujá, cortada pela rodovia.
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Há pelo menos meio século, parte de nossas praias paradisíacas naquela área praticamente “pertencem” aos endinheirados do litoral, uma comunidade fechada e bastante protegida pela conivência dos órgãos públicos e políticos locais.
Ao mesmo tempo que o DER processa caiçaras, faz ‘vistas grossas’ para portarias, áreas de estacionamentos e outras edificações construídas por moradores de loteamentos, marinas, casas de shows e outros, muitos usando o manto da manto da preservação ecológica.
Sem ser incomodados pelo DER, que chega a retirar pontos de ônibus em áreas comunitárias, loteamentos e marinas criaram regras e posturas em áreas públicas. Até hoje, algumas praias da região tem acesso restrito.
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Em 1997, a Câmara de Vereadores do Guarujá aprovou lei que permitia que os loteamentos administrassem as praias a fim de preservar o meio ambiente. O empurrão legislativo resultou uma segunda ação civil pública de inconstitucionalidade.
No entanto, até hoje, as cancelas continuam controlando a entrada de visitantes, contrariando o artigo 85 da Constituição Paulista. A ação foi julgada improcedente, mas há anos está em recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF). Na lista de proprietários de casas e terrenos dos quatro loteamentos há muita gente do alto escalão político e econômico paulista e brasileiro.
Enquanto o DER pressiona para retirar caiçaras alegando que os imóveis foram construídos em sua faixa de domínio, marinas e condomínios de luxo aumentam a extensão de seus imóveis, construídos sem qualquer tipo de fiscalização em áreas preservadas por lei.
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Para piorar, a municipalização da rodovia, fundamental para revitalizar imóveis e levar qualidade de vida para a comunidade caiçara da região, não si do papel. Por não ser uma via municipalizada, o que seria serviços simples e corriqueiros, como por exemplo, trocar uma lâmpada ou arrumar um ponto de ônibus, viram um verdadeiro martírio burocrático sem necessidade.
O Estado já recebeu indicação formal para municipalizar, mas a proposta está parada em alguma gaveta do Palácio dos Bandeirantes. O pedido atinge os 22,5 quilômetros da estrada, ligando a área urbana até a balsa que dá acesso ao município de Bertioga que, por sinal, mas fica parada do que funciona.
Enquanto as autoridades municipais, estaduais e federais forçam a quebra de braço para o lado da especulação imobiliária em uma das poucas áreas remanescentes de mata atlântica, a comunidade caiçara luta para manter serviços básicos funcionando por conta da insistência em sobreviver, como única, autêntica e real defensora da natureza.
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