O nível da água assustou moradores. Durante a tempestade, as famílias procuraram abrigo na região mais alta do bairro / Nair Bueno/DL
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Às 2h40 de ontem, Kelli Pereira Alves levantou assustada da cama ao ouvir a sirene que só soa para trazer notícia ruim aos moradores de Pilões, em Cubatão. É aquele som assustador o responsável por avisar a comunidade que o nível do rio que nomeia o bairro subiu e transbordou e é hora de deixar para trás a casa, a cama, o fogão, os brinquedos, o material escolar, e qualquer outro bem material conquistado a base de muito trabalho, suor e sacrifício.
Quando abriu a porta de casa, erguida em chapa de madeirite rosa, sem janelas, Kelli só teve tempo de acordar os filhos - um bebê de dois anos e uma jovem de 19 – pegar os documentos, a criança no colo, e segurar a mão do marido para conseguir subir a ladeira que, àquela altura, havia se transformado em cachoeira com a quantidade de água que descia impulsionada pela inclinação do morro que contorna a região.
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No fim da subida encontrou os vizinhos que moram na parte alta do bairro e, como de costume, já estavam a postos com as portas das casas abertas para abrigar quem mora lá embaixo, no nível do rio, e corre mais perigo quando a temporada de chuvas de verão começa.
De manhã cedo, Kelli e o marido voltaram para casa e deram início a mesma rotina que lhes persegue toda vez que chove forte: pegar o rodo, a vassoura e a mangueira para limpar a lama, varrer os galhos, tirar os caramujos que vieram com a água e ver o que fazer com os madeirites estufados.
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“Agora é esperar secar pra ver o que ainda funciona”, diz Kelli enquanto aponta para a geladeira enferrujada que denuncia as marcas de enchentes passadas. O casal ainda não sabe como vai reconquistar o que perdeu. Ela está desempregada e o marido vive de bicos.
Não é a primeira vez que eles perdem tudo. Em 2013, quando uma das piores inundações ocorreu no bairro, o casal viveu a mesma situação.
A vizinha, Terezinha da Silva, de 66 anos, conta em voz baixa que deixou a casa, ao lado do filho, assim que a sirene tocou. Mesmo tendo passado a noite acordada, não conseguia dormir pela manhã. Já o filho estava apagado no sofá, em um ambiente totalmente fechado e úmido, um ventilador ligado e um emaranhado de fios presos na parede para “não dar choque na água que estava empoçada”, explica Terezinha, ao mesmo tempo em que agradece a Deus por não ter tido tanto prejuízo dessa vez. “Tem gente em situação pior e eu nem posso ajudar porque também não tenho”.
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A cada beco, a mesma história se repetia, só mudavam os personagens. Um deles era a Maria Silva, diarista.
Acostumada a limpar casas alheias, precisou desmarcar a faxina do dia para faxinar a sua própria. O marido limpava o quintal, ela a sala. Irritada, disse que o povo da favela é digno e está cansado de esperar pelas melhorias prometidas por políticos da cidade em época de eleição.
Já Aguinaldo Rodrigues, um senhor solitário e sorridente mesmo depois de uma noite sem descanso, já havia terminado a limpeza de sua pequena casa e contabilizado “apenas” a perda de um colchão. “Tá vendo... e a gente reclamando do sol”.
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Na casa de Ivaneide Santos o sofá foi suspenso por duas cadeiras; a TV ficou na parte de cima do armário da cozinha e a cama foi colocada de pé, mas não escapou porque “a água subiu até o quadril”, diz.
Mais a frente, a moradora Antonia Maria estava agachada lavando com água da mangueira a lama que sujou a roupa de seus filhos, um com 11 e outra com três anos. O quarto da menina, mesmo cheio de colchões empilhados e marcas de água, manteve o capricho com que foi planejado: paredes rosa, fotografias e cortina da princesa Elza, do filme ‘Frozen’, da Disney. Sem demonstrar vontade de falar, Antonia apenas declarou: “moro aqui há 18 anos moça, isso cansa”.
PROVIDÊNCIAS
Segundo a Prefeitura de Cubatão as pessoas afetadas foram contempladas por doações emergenciais. Ontem, até o fim do dia, 120 famílias tinham sido cadastradas pela Secretaria de Assistência Social para receber kits de higiene pessoal, roupas de cama e roupas higienizadas para crianças e adultos. A Defesa Civil informou que choveu cerca de 164 mm em Cubatão.
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ESPERANÇA
De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação, existe a previsão de transferência das famílias cadastradas que moram em Pilões para as 440 unidades habitacionais projetadas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Porém, ainda não há prazo para isso acontecer.
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