Cotidiano

Após incêndio em São Paulo, moradores tentam reconstruir barracos

Hoje (13), muitos deles, principalmente os autônomos, não foram trabalhar. As crianças também faltaram às aulas porque perderam uniforme e material escolar no incêndio

Pedro Henrique Fonseca

Publicado em 13/10/2014 às 20:44

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Três dias após o incêndio que destruiu pelo menos 90 barracos e deixou cerca de 150 famílias desabrigadas na favela da Rua 21 de Abril, no Brás, os moradores tentam agora reconstruir e retomar a vida. Hoje (13), muitos deles, principalmente os autônomos, não foram trabalhar. As crianças também faltaram às aulas porque perderam uniforme e material escolar no incêndio.

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Todas as roupas que os moradores usavam nesta segunda-feira eram fruto de doações da comunidade. O almoço também foi oferecido pelo dono de um mercado ao lado da favela, mas foi insuficiente para atender a todos.

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“No dia a dia, conheci muitos dos moradores. Vi o prejuízo que eles tomaram, perdendo tudo, e a vida não é fácil. Eu já vivi em favela e hoje, graças a Deus, tenho uma vida melhor”, contou Josué Junior, que doou 40 marmitex, refrigerantes e até dinheiro para os moradores. Ele conta que viu quando ocorreu o incêndio. “Quando saí [para ver o incêndio] e vi a multidão,pensei: 400 pessoas desabrigadas no Dia das Crianças. Só penso nisso. Muito triste”, disse ele.

A reportagem visitou o local na tarde de hoje (13) e e encontrou tudo destruído. O chão estava todo coberto de cinzas, resultado do incêndio que tomou a favela sexta-feira (10). O fogo começou por volta das 13h50 e exigiu o trabalho de 21 viaturas e 70 homens do Corpo de Bombeiros. Pelo menos dois moradores ficaram feridos: uma mulher, que tentava escapar do incêndio com uma criança no colo e acabou caindo, machucando o braço e a perna; e um homem, que machucou a perna ao fugir do fogo.

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Dos barracos, nada sobrou: geladeiras, fogões, sofás, fotos e documentos foram todos perdidos. Um dos moradores ficou sem a motocicleta. A comunidade lamentou também a morte de muitos cachorros que viviam no local. Parte do material que sobrou do incêndio [principalmente geladeiras] foi vendida para reciclagem e, com o dinheiro arrecadado, cerca de R$ 1,5 mil, os moradores esperam comprar material para fazer a tubulação de água e fornecer luz para o local.

Nesta tarde, os que não foram trabalhar uniam-se para levantar novas casas com a madeira que também receberam de doação. Com o esforço de todos, e se a madeira for suficiente, eles esperam terminar a construção dos barracos no fim da semana.

Sulamita dos Santos, de 32 anos, mora no local há seis anos com o marido, disse que a sensação foi de perda, de descaso. "Dá a impressão que a gente é bicho”, definiu. “Eu estava trabalhando, mas corri para cá e consegui salvar o cachorro. Todo mundo perdeu tudo”, lembrou.

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Moradora no local há dez anos, o marido e com dois filhos, Elisandra Silva conta que não perdeu nada porque morava na parte de blocos. "Quem morava na área de barracos – 90 famílias – perdeu tudo. Quanto às dez [famílias] que moravam no bloco, umas perderam, outras, não. "Eu não perdi nada, mas fiquei muito triste. Chorei pelos amigos que perderam documentos, fotos de família.”

A vendedora ambulante Ana Maria Batista Xavier, que vive no local há oito anos, com uma filha, perdeu tudo. "Não sobrou nada. O que temos aqui é doação. Estamos aqui há muito tempo. Já pedimos projetos [para o local]. Temos moradias fixas aqui e agora querem levar a gente para um albergue? O que a gente precisa é de moradia”, desabafou.

Depois do incêndio, embora a prefeitura tenha oferecido albergues e alojamentos, os moradores preferiram passar a noite na rua, em frente ao terreno. Da prefeitura eles receberam colchões, cobertores, material de higiene e cesta básica. “Dormimos na calçada. Foi oferecido albergue, mas não aceitamos porque temos um processo [judicial]. Se abandonarmos o terreno, eles [governo estadual] vão entrar. No outro dia, pressionamos a Defesa Civil para limpar [a área] e voltamos a ocupá-la”, contou Sulamita.

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Desde sábado as famílias dormem no terreno espalhando sobre as cinzas os colchões que receberam da prefeitura.

Segundo os moradores ouvidos pela reportagem, o fogo começou com uma briga de casal, que morava no local há pouco mais de um ano. A mulher, após brigar com o marido, teria cortado o cano de gás e riscado um fósforo, dando origem ao fogo. Nunca havia ocorrido incêndio nessa favela.

O terreno, ocupado há dez anos, pertence à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). De acordo com Sulamita, no terreno havia um hospital, que foi demolido. A área foi, então, invadida. "Há dez anos moramos aqui. Estamos enfrentando um processo em busca de moradia há anos.”

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Sulamita disse esperar que algum órgão público faça seu papel, que é cuidar da população. "Queremos pagar nossa água, nossa luz, nosso apartamento. Se o governo nos beneficiasse, além de dar moradia para essas 150 famílias, caberia muito mais gente. Olha o tamanho desse terreno [estimado em cerca de mil metros quadrados]. O terreno é do estado. Eles vão deixar a gente fazer favela outra vez?”, perguntou.

Durante todo o dia de hoje, nenhum órgão municipal ou estadual tinha enviado representantes ao local até as 15h30, quando a reportagem passou por lá. Segundo os moradores, hoje a prefeitura mandou apenas o café da manhã, contaram os moradores. “Na época de eleição, vem todo mundo ver a gente. Mas hoje não veio ninguém para ver se já almoçamos, não veio ninguém para saber de nada. Quem está ajudando são os conhecidos e os vizinhos porque os que devem ajudar não vieram”, reclamou Elisandra.

Procurada, a subprefeitura da Mooca respondeu ter estado no local com a equipe de Defesa Civil, um engenheiro e um agente. Em nota, já distribuída à imprensa na sexta-feira (10), eles disseram que a Secretaria de Assistência Social esteve no local para fazer encaminhamento a abrigos e fornecer passagens, entre outras medidas. Já a CDHU informou que o lote pertence a ela e que a área é destinada à construção de moradias para famílias de baixa renda que residem ou trabalham na região central. “Após invasão do terreno, a companhia entrou com ação de reintegração de posse e aguarda decisão judicial”, diz nota da companhia.

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