Olhar Filosófico

Você é o que você vê, lê e faz

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Se você está lendo estas linhas agora, parabéns, no mínimo você, assim como eu, é alfabetizado. Mas se pergunte por um instante, isso basta? Ter a capacidade de decifrar símbolos de parte do vocabulário humano criado e mantido por gerações basta?

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A desigualdade social é fundamentalmente ligada à desigualdade alfabética. A luta contra o analfabetismo vem de longa data em nosso país. É mais do que necessária, afinal, somos seres de linguagem. E a linguagem constrói o mundo. Tudo é representação da grande política da linguagem que nos envolve, nos consome, nos prende e, paradoxalmente, nos liberta.

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É certo que quem fala se expressa e quem lê sabe o que fala quando se expressa, mas quem sabe interpretar e criar ideias sobre o que lê, se expressa do jeito exato com que gostaria de falar. Assim sendo, falar é pouco, ler é razoável, interpretar é bom, mas, criar é libertário. 

O criar, a partir desse ato revolucionário que é a leitura, nasce de um desejo mútuo e de um encontro triplo. Desejo mútuo de dois (ou mais) sujeitos envolvidos na ação de conhecerem maneiras de encontrar e dizer símbolos que se interligam ao concreto impenetrável da natureza bruta, indomável. Fora dessa simbologia da qual nos tornamos dependentes, tudo é indomável. E da natureza selvagem não escapam o nosso coração, a nossa mente, a nossa arte, as nossas leis e a nossa moral.

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Não à toa, os gregos, cheios de si e orgulhosos dos seus pensares e fazeres, chamavam de bárbaros todos aqueles que não entendiam ou falavam o idioma helênico. Orgulho cultural à parte, a fala organizada pela simbologia dos códigos e das letras, é uma primeira superação do barbarismo para qualquer povo e geração. É o nascimento do Cosmos (ordem, para os gregos) frente ao Caos (não-ordem, segundo os mesmos gregos).

O triplo encontro que produz o ato criativo a partir da decifração da leitura, acontece pela nossa necessidade simbólica, pela construção  de uma lógica junto e a partir das imagens que falam por desenhos e letras e, por fim e não menos fundamental, pelo contexto em que esse encontro ocorre atrelado aos sujeitos que o interpretam.

Quando me perguntam “o que veio primeiro o ovo ou a galinha?” (a resposta pode ser mais simples do que imaginamos), devolvo com “o que veio antes, o pensamento ou a linguagem?” Pois é, aí fica mais difícil. E tudo porque somos seres que pensam codificando e codificam pensando.

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A igualdade e a desigualdade se constroem por meio de lógicas simbólicas que buscam explicar o mundo a partir de um ponto visionário de humanidade. A desigualdade, a partir da visão imperiosa de uma classe e a igualdade a partir da visão do todo. Por isso, dentre outras coisas, superar a desigualdade é superar a leitura e a escrita do mundo feitas por um grupo que almeja dominar o todo. Isso nos leva a reforçar o terceiro ponto do encontro do ato criativo da leitura, o contexto.

Como nos lembra o grande filósofo brasileiro Paulo Freire (1921-1997), em sua obra “A importância do ato de ler”, no emblemático exemplo de sua prática de alfabetização com os grupos populares, “A palavra tijolo, por exemplo, se inseriria numa representação pictórica, a de um grupo de pedreiros, por exemplo, construindo uma casa. Mas, antes da devolução, em forma escrita, da palavra oral dos grupos populares, a eles, para o processo de sua apreensão e não de sua memorização mecânica, costumávamos desafiar os alfabetizandos com um conjunto de situações codificadas de cuja decodificação ou “leitura” resultava a percepção crítica do que é cultura, pela compreensão da prática ou do trabalho humano, transformador do mundo. No fundo, esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma "leitura" da "leitura” anterior do mundo, antes da leitura palavra.”

Dominar a palavra é num só tempo assumir pelas próprias mãos o mundo herdado e criar o mundo novo que precisa continuar nascendo.
Todo texto é contexto.

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