Olhar Filosófico

Uma pequena grande revolução: ideias e afetos

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Doutor Sigmund Freud é para os fortes! Para além de seus antecessores dentro dos mesmos contextos, realizou uma virada interpretativa enorme no que diz respeito a uma de suas percepções universais mais claras e muito bem amparadas empiricamente em grande parte de seus primeiros casos/estudos clínicos.

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Para tanto, vejamos “As neuropsicoses de defesa”, que, segundo meu juízo, coloca de forma simples e didática aquilo que pretendo destacar: “Em geral, quando se chama a atenção do paciente, para a representação primitiva, de natureza sexual, a resposta é: “Não pode provir daí. Nunca pensei muito nisso. Por um momento fiquei assustado, mas logo desviei o pensamento e, desde então, isso nunca mais me perturbou”. Nessa frequente objeção temos a prova de que a obsessão representa um substituto ou sucedâneo da representação sexual incompatível, tendo tomado seu lugar na consciência”. (FREUD, Sigmund.  As neuropsicoses de defesa, 1894)

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Primeiramente, a época e o sexo: Se por um lado, muito se tinha avançado sobre questões de reprodução sexual, por outro, as normas morais e a culpabilização feminina acerca da atividade sexual, ora como desejo, ora como desequilíbrio, e sempre impudica (não à toa o objeto de estudo freudiano começa basicamente pelo feminino), reforçavam uma vez mais a imagem profundamente carregada pela interiorização da ideia religiosa de pecado.

Por tudo isso, tínhamos um “quase-dilema” médico para a pesquisa sobre o tema: tratar a questão e as supostas patologias sexuais para além da sua atividade reprodutiva sem recair ou apelar para o campo moral. Para as grandes linhas médicas do século XIX e XX, era praticamente impossível. Mas para Freud, tal dilema não existia, afinal, começara a trabalhar dentro de um binômio conceitual para além dos preconceitos convencionais de seu tempo: afeto x ideia. O sexo (mais precisamente, a energia sexual, que mais tarde assumiria com clareza todo o conceito de libido) se encaixaria como fator predominante na primeira parte do binômio e na segunda aparecia ainda como representação (positiva e/ou negativa). Em que pese termos aqui toda uma tradição filosófica de sustentação conceitual, de Spinoza a Nietzsche, é Freud quem nas chamadas, até então, ciências da natureza, aponta para uma nova etapa teórica de análise da mente humana e suas relações internas regidas por uma energia própria e sua formação como corpo social entre os desejos e os traumas representados na e pela cultura.

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Por isso, é notório para nosso pensador que “Em geral, quando se chama a atenção do paciente, para a representação primitiva, de natureza sexual, a resposta é: “Não pode provir daí. Nunca pensei muito nisso”. (FREUD, Sigmund.  As neuropsicoses de defesa, 1894) 

Ou seja, corpo, mente e construção social atuam para não permitir que as causas traumáticas nas diversas neuroses se manifestem tais como são ou “aparentam” ser e, consequentemente, há uma condenação aos chamados “desvios sexuais” (como conduta moral individualizada) de modo a abafá-los também de suas potenciais causas e entendê-los em diversas outras formas de representações psicopatológicas. Daí o pudor dos indivíduos em relação às questões que envolvem a sexualidade e suas ações íntimas e subjetivas. A cultura, forjada também como defesa do indivíduo enquanto espécie e de todo corpo social, precisa também ser diagnosticada se assim pedir a análise de determinados traumas, obsessões etc. E Freud assim o faz. 

Segundo ponto, a ideia e o afeto: Para Freud, e aqui poderia apontar para cada um dos grandes filósofos (ainda) modernos que o sucederam, a ideia (assim como o conteúdo imagético) é uma representação de formas e desejos implicados na existência de todo indivíduo. Ou seja, os afetos são a energia aplicada à formação das ideias e suas representações. Se forem adequadamente (ou o mais próximo disso) relacionados (correspondidos) no e pelo ego (eu pessoal), formam uma linguagem (símbolos, palavra e fala) objetiva e centrada (não neurótica ou obsessiva) na maior capacidade livre e racional (consciente) dos indivíduos. Lembrando, o processo é dinâmico (dia a dia em corpo, mente, cultura e sociedade) e não há nada que se garanta como permanente. Se, todavia, não estiverem adequadamente dispostos (causa e efeito claros e objetivos), podem promover todo tipo de aflições, das fobias às neuroses etc.

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“Esses pacientes que analisei, portanto, gozaram de boa saúde mental até o momento em que houve uma ocorrência de incompatibilidade em sua vida representativa - isto é, até que seu eu se confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitaram um afeto tão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava em sua capacidade de resolver a contradição entre a representação incompatível e seu eu por meio da atividade de pensamento”. (FREUD, Sigmund.  As neuropsicoses de defesa, 1894)

Assim, a partir daí, Freud estabelece com clareza uma relação definitiva (ainda que não sem contradições e paradoxos) entre afeto (energia psíquica dispensada a um fim) e representação (ideias, imagens e analogias) que orbitam em torno do conteúdo sexual primitivo, visto como energia vital (inconsciente) ao organismo como um todo, e, portanto, um dos pontos de sustentação teórica do estudo e das práticas clínicas iniciais da psicanálise.

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