Olhar Filosófico

Talvez uma gaivota

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Quase noite já estava feita quando a luz da Lua fraca iluminava as pequenas ondas que quebravam na praia. Eu sempre estive ali perdido ou só correndo como se o amanhã fosse um dia quente.  

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Sigo reto meu caminho trotando em ziguezague para me desviar daquele destino que entendo ser do heroi em desgraça e dor contorcida em arte. Não significa em hipótese alguma tristeza e ausência de felicidade, antes, estratégia e trama para visualização mais exata da realidade. Tocou-me ser filósofo e quase poeta, o que nas minhas contas é o mesmo que sentir fome do infinito sabendo que a vida é um filme de baixo orçamento mas com direito a Oscar, Cannes, Marte, Galáxia e tudo mais.

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Na praia noturna as pessoas são mais parecidas com o que desejariam ser, rostos correndo sorrindo, suando, gemendo e torcendo para chegarem vivas à linha de chegada imaginária e um tanto distante do horizonte.

Naquela quase noite feita, enfim, de Lua fraca ou minguante, vi o balé estranho daquele animal que voava naquele breu. Quem sabe notívago por perfil e personalidade e não pela espécie, ele (ou ela) desfilava por cima das pequenas marolas quase já rentes ao fim da água e início da areia seca, como se já não buscasse peixes ou qualquer outro ser vivo marinho apto para sua alimentação. 

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A gaivota, o que poderia ser também uma pomba enorme, não sou ornitólogo nem bom observador de pássaros, rodopiava, parava no ar e dava rasantes rentes a faixa de mar onde Netuno beija a areia (que lhe pertence, mas não possui) e retorna ao seu aguaceiro sem fim dos oceanos que moram nos tempos imemoriais.

E aquela gaivota (ou o animal que fosse), fazia esse balé ininterruptamente. Enquanto eu corria, pude claramente perceber que me acompanhava fazendo essa movimentação excêntrica e segura de si. Não havia medo ou desespero naquele voo oblíquo, nem fome ou exibicionismo, havia algo diferente, um reparo na sua natureza, um desenvolvimento de arte ou tentativa de contato entre os seres noturnos, neste caso eu e ela. Fomos juntos até o fim da primeira barreira de muros presente nos quarteirões sem medidas exatas por dentro da praia, demarcando o espaço da areia da longa orla.

O que mais me chamou a atenção e me reteve o pensamento de analista do caos e da falta de sentido, foi que o pássaro fazia suas mirabolâncias olhando (mirando) para o reflexo do espelho d'água. Ou seja, ele dançava para si, ainda que dialogasse comigo numa língua que humanizei e desaprendi por desgraça da nossa espécie.

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A gaivota se olhava, se bastava, se configurava e me ensinava a ser e só (só pude entender assim). Seja, meu caro! Viva e dance e não espere a fusão do mar com o chão de areia, do mar com o vento, do ar com o corpo. Seja, meu caro! Só seja, ainda que só. Reflita no reflexo de si e para si. Seja, meu caro. E alguém verá teu balé trôpego e haverá de se admirar da ousadia. Pronto! E nossa realidade se abre em ângulos que comandamos como fios de uma marionete ou de Ariadne.

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