Olhar Filosófico

Suicídio: meio e medo social

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Semana passada levantei a questão sobre este assunto tão urgente, o suicídio, que ora aponto algumas circunstâncias e contextualização à nossa sociedade.

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E, ainda, semana que vem, na última parte complementar desse assunto tão complexo, ilustrarei com exemplos que considero profundamente simbólicos.

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Quando falamos no sentido geral sobre a morte auto infligida, tentamos, na maioria das vezes, isolar o suicida de seu contexto e de si próprio, sobrando ataques e avaliações rasas e maldosas à sua pessoa resumida toda ela em seu ato extremo. Assim estamos patinando há alguns séculos. Nos chocamos e condenamos essas vítimas com fórmulas prontas, fruto do mal que, sem dúvida, habita em nós. São pessoas sem Deus, pessoas perturbadas, desiludidas de toda ordem, enfim. É de uma ruindade e desonestidade pensar assim, que peço desculpas à memória das vítimas e às famílias enlutadas por ter que repetir tais julgamentos por aqui.

Sigmund Freud (1856-1939) em seus estudos e ainda que muito contraditoriamente, nos indica que temos uma “pulsão de morte” (em contraposição à “pulsão de vida”, de preservação e expansão da existência). Um princípio envolto em nossa vida psíquica e orgânica, de modo a produzir ações e escolhas objetiva e/ou subjetivamente destrutivas, ainda mais quando  em descompasso com o prazer.

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Segundo o pensador austríaco, lidamos com o ato de matar e morrer recorrentemente em nossa vida exposta em sociedade, como se para sobreviver, fizéssemos parte de um banquete de tudo aquilo que precisou ser morto para alimentar nossa existência. Vivemos, muitas vezes, numa cultura da morte, e, sem dúvida, isso nos fragiliza.

E fragilizados, vamos, desde pequenos, sendo jogados em situações de normalização e até comemoração da violência e morte em nossas culturas. O ato de matar e destruir passa a ser corriqueiro e natural em meio à massa (onde o meu “eu” se encontra envolvido e condicionado pela cultura), ora inculcado como raiva e medo, ora como expurgo e desejo de aniquilação. Nossas sensibilidades e emoções são as primeiras vítimas de tal truculência. Há uma cobrança pelo sucesso e virilidade também em nossa vida psíquica.

Desde criança, nos “ensinam” e vamos MATANDO formigas, MATANDO baratas, MATANDO ratos, e seguimos MATANDO bois e vacas, MATANDO galinhas, peixes, coelhos, cabritos, rãs etc., e é uma consequência aceitarmos também o assassinato ou martírio desse ou daquele humano qualificado pela ideologia reinante como indesejado ou herói à minha sobrevivência, fazendo parte de uma segregação de seres que vivem, pois precisam viver e outros que morrem, pois merecem morrer. Vivemos em sociedades que, por assim dizer, geram dores de toda ordem, explodindo em nossa cara como se fossemos natural e igualmente aptos a tudo aceitar e suportar.

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Há, inegavelmente, em grande parte das sociedades ditas modernas, uma indústria da morte contra a qual devemos lutar e superar. Sistematizamos o processo entre espécies e natureza e construímos uma falange comunicativa de justificação de tais atos de terror. Nesse sentido, a guerra, por incrível que pareça, não é, de antemão, o ato extremo de aniquilação e ódio do outro, e sim a indiferença diária que temos uns para com os outros. Os aspectos da vida psíquica, a moral da compaixão, assim como o próprio mistério e apelo do grito suicida, se perdem nessa indiferença com a qual nos sustentamos e nos escondemos como ovelhas perdidas por entre castelos de areia.

Numa cultura com esse grau de banalização da morte, o fenômeno passa a ser até normatizado como parte da vida que merecemos ter. O peso dessa carga, por si só, molda parte de nosso inconsciente numa fragilidade esquizofrênica de tudo desejar e construir por meio de uma aniquilação e autodestruição. Somos, assim, sujeitos cindidos, quebrados. Nossa sensibilidade aflora frente a tudo isso, mas nas formas cotidianas de outras relações, pessoais, familiares, sociais, políticas e amorosas. Não nos entendemos e como numa nova Babel, vamos nos trombando.

Como não nos compreendemos, nos afastamos. Precisamos de cuidado, todos, pois vivemos em sociedades de grande promoção de ímpetos suicidas. Ainda mais aquelas donde afloram a concorrência e a necessidade ilusória do sucesso e da felicidade frente, é claro, aos “fracassados e infelizes”. Lutar contra esse tipo de sociedade é recuperar parte da nossa condição humana e retomarmos nossa dimensão de cuidado e compaixão.

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O suicida não é um fraco ou covarde, como pensam os acusadores de plantão, antes, é sujeito integral, que mostra um corte dilacerante envolto num silêncio que nos cobra mais humanidade. Enquanto nos quedamos presos a cultura do matar e morrer, do querer e poder, paralisados como sujeitos imunes à queda e que nos recusamos a entender, aceitar, remediar e empatizar.

O suicídio é o fato mais extremo à ressignificação e reeducação da nossa frágil condição humana.

* Diego Monsalvo, professor de filosofia e escritor

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