Olhar Filosófico

Suicídio: debate coletivo, filosófico e de saúde pública

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Dos temas abordados nesta coluna, o de hoje, por razões culturais e existenciais, é, de longe, o mais difícil: suicídio. Por isso, esse artigo tem duas partes, esta que escrevo agora e outra que sai na próxima semana.
Nesta primeira parte, chamo a atenção para o problema. Na segunda, trago um conjunto de situações para que se reflita e se tenha maior compreensão e análise da questão.

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Segundo os últimos apontamentos da OMS (Organização Mundial de Saúde), no mundo, uma pessoa comete suicídio a cada 40 segundos. Quanto mais tratarmos tal fenômeno como tabu, mais nos distanciaremos de uma vida social e mentalmente saudável e preparada para as discussões mais vitais à existência. 
Dentre muitas coisas que aprendi com a filosofia, a principal é a de falar não só do que gostaria, mas, antes, daquilo que é necessário.

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Quando falamos em suicídio, falamos de vida e morte dentro de um caleidoscópio de nuances e afetividades que quase sempre tornam problemático qualquer debate mais republicano. Mas o assunto é desde sempre urgente e é de saúde pública!
O suicídio é uma questão pessoal e misteriosa, é verdade, mas é também e sobretudo, uma questão social.

Entre o desespero e a desesperança (independentemente das tendências biopsíquicas) frente a situações de ordem íntima e/ou coletiva, o suicida se entrega a uma força brutal, presente em todos nós (daí tratarmos como um fenômeno existencial), que lhe anula a maior parte do existir: o sentido. Tudo tende a indicar que mais do que querer ativamente deixar de viver, o suicida reage numa busca extrema para não sofrer. Descobrir, entender e diminuir ou erradicar as causas do sofrimento humano é tarefa coletiva. Evitar que cidadãos desistam de si, é tarefa pública. Buscar o equilíbrio social, a harmonia coletiva e a igualdade de condições e oportunidades, é tarefa política. Tudo é biológico, individual, cultural e político. Somos esse emaranhado de facetas em busca de uma unidade.

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Muitos filósofos, desde Sócrates, Platão e Aristóteles, têm debatido e lançado luz a essa discussão mais do que necessária. Marx, por exemplo, organizou uma obra de pesquisa e escrita muito peculiar, “Sobre o suicídio”, em torno de uma série de casos reais que ilustram e servem de análise sobre essa medida extrema. Estudou a fundo e entendeu que o contexto social era, acima de tudo, a parte condicionante dessas histórias trágicas. Como pessoas reduzidas à coisa e propriedade, tal qual mercadorias expostas e programadas para competir, comprar e se vender, destruir e substituir, estamos sujeitos às práticas mais desesperadas. Podemos, assim, criar, reproduzir costumes e fazer parte de coletividades inteiras propensas ao suicídio. Segundo ele, as sociedades capitalistas são os solos mais férteis para isso.

Albert Camus, grande filósofo francês e um dos mais influentes pensadores contemporâneos, em sua monumental obra, “Mito de Sísifo - Ensaio sobre o Absurdo”, declara: "Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. Trata-se de jogos. É preciso, primeiro, responder.” Ou seja, Camus, “o pensador do absurdo”, tema do qual todos nos afastamos e fingimos não existir, chama a atenção para o caráter fundamental e filosófico da questão, o que leva um ser humano a desistir da sua própria e única vida (esse nosso conjunto de corpo, mente e alma que nos possibilita amar, pensar, mudar, criar e produzir esperanças).

Muitos sociólogos também se mostraram afetados por tal temática, vide Emile Durkheim em sua obra “O suicídio”, numa tentativa de entender tal fenômeno como um fato social constante da vida em sociedades cada vez mais complexas. Com sua linguagem de apelo quase técnico, cria, sociologicamente, até mesmo uma tipologia objetiva para os suicídios.

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Atualmente, grandes psicólogos, mais do que em qualquer outra área do saber, têm promovido a discussão no sentido de um maior entendimento e para a criação de medidas preventivas mais dignas, profundas e eficazes contra o suicídio.
Toda discussão séria é válida, na história não faltam exemplos de descrições e análises de todo tipo de suicídio e suicidas. Mais do que números, são vidas. Precisamos falar e agir sobre isso! E é para ontem!!

* Diego Monsalvo, professor de filosofia e escritor

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