Olhar Filosófico

Sonho de uma ficção de nunca ou talvez

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Uma noite, Freud foi atormentado por um pesadelo vívido e angustiante. No sonho, ele se encontrava em uma sala escura e abafada, cercado por figuras sombrias e ameaçadoras. 

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Poderia ser numa Alemanha do século XX ou numa Áustria do século XVIII. Talvez na Turquia no mês de Agosto ou Maio.

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A sala era um porto sem navios ou traços de água e mar ou um aeroporto sem aviões e sem ninguém. Era como um refúgio em formato de um “bunker” ou porão para adegas.

Uma voz profunda e gutural ecoava pelo ambiente, proferindo palavras ininteligíveis que causavam um calafrio em sua espinha. Em pânico, tentava correr, mas seus pés se prendiam ao chão como se estivessem atolados em um pântano. A cada passo que tentava dar, a voz se aproximava, tornando-se cada vez mais alta e ensurdecedora.

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De repente, Freud acordou de fato ou de forma manifesta e talvez latente, em um sobressalto, banhado em suor frio e com o coração batendo aceleradamente. A sensação de medo e pavor ainda era palpável, como se as figuras do sonho ainda estivessem presentes no quarto que não era mais sala e, agora, por onde passava uma brisa grudenta e tropical. Levou alguns minutos para que se acalmasse e reconhecesse que estava em sua própria casa, seguro e a salvo. Sala, quarto e casa. Sabe-se menos o fato de quanto demais.

Ainda abalado pelo pesadelo, Freud decidiu analisar o sonho utilizando as técnicas que ele mesmo havia desenvolvido. Ele começou a identificar os elementos do sonho e a buscar seus significados simbólicos. A sala (não mais se lembrava do quarto) escura poderia representar sua mente inconsciente, as figuras sombrias seus próprios medos e angústias, e a voz gutural a censura que reprimia seus desejos.

Ao interpretar preliminarmente o sonho, Freud chegou à conclusão de que ele estava lidando com um conflito interno relacionado à sua própria sexualidade. A voz gutural, por exemplo, poderia ser interpretada como a voz do pai, que representava a lei e a moral. Rígida, presente e pouco versada em diálogo e carnaval. O medo de ser punido por seus desejos sexuais era algo que Freud carregava desde a infância, e esse medo se manifestava no sonho de forma simbólica. Talvez se não agora, sempre? Ou se não sempre, agora?

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No entanto, enquanto analisava o sonho, Freud começou a ter dúvidas sobre sua própria interpretação. Ele se questionava se havia algo mais além do que ele havia detectado. Havia algo que ele estava ignorando, algum simbolismo que ele não havia compreendido?

Nesse momento, Freud teve uma ideia ou criou uma saída. Ele imaginou se dentro do próprio sonho ele tivesse a oportunidade de ser analisado por si mesmo, mas não como Freud, o criador da psicanálise, mas como um psicanalista qualquer.

Em sua mente, olhos fechados e pernas ainda trêmulas, Freud se viu deitado em um divã, enquanto uma figura barbuda e com um olhar penetrante o observava. Essa figura era ele mesmo, feições claras e curvatura idêntica do rosto velho conhecido, mas em uma versão mais antiga e experiente, quase socrática ou aristotélica. Seria seu Doppelgänger, o duplo, o gêmeo, o tenebroso?! Fato é que não pensou sobre isso.

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"Então, meu caro Freud," disse a figura com uma voz grave, "o que o perturba a ponto de te fazer ter pesadelos tão vívidos?"
Freud, ainda abalado pelo sonho, relatou tudo o que havia acontecido e como ele havia interpretado os elementos do sonho.

A figura barbuda o ouviu com atenção e, quando Freud terminou, ele disse:

"Sua interpretação é válida, meu caro Sigmund. O sonho revela sim um conflito interno relacionado à sua sexualidade. No entanto, há algo mais que você está ignorando. Você está se concentrando tanto nos aspectos negativos do sonho, que está deixando de lado algo importante."

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"O que seria isso?" perguntou Freud, intrigado.

"A voz gutural que você ouviu no sonho, essa voz que representa a censura, também pode ser interpretada como a voz da sua própria intuição," disse a figura barbuda. "É possível que você esteja reprimindo seus desejos sexuais não por medo de ser punido, mas porque você mesmo não acredita que seja merecedor de felicidade."

Freud ficou surpreso com essa nova perspectiva. Ele nunca havia pensado sobre a possibilidade de que seus próprios desejos estivessem o impedindo de ser feliz. Por outro lado, teimoso e assertivo, questionou-se em voz baixa se ainda assim não era uma repressão igualmente negativa, como toda e qualquer tirania.

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"Isso faz muito sentido," disse Freud, pensativo. "Eu sempre me senti culpado por meus desejos sexuais, como se estivesse fazendo algo errado. Mas agora percebo que essa culpa é apenas uma forma de me autossabotagem. Não é?”

Ao acordar, agora no telhado da sua casa de infância, Freud se sentia diferente. O pesadelo (ou sonho bom, segundo sua versão barbuda) ainda estava fresco em sua memória, mas agora ele o via com outros olhos. A interpretação que ele havia feito durante o sonho, com a ajuda de seu "eu" mais experiente, havia lhe dado uma nova perspectiva sobre seus próprios sentimentos e desejos.

No dia seguinte, Freud decidiu procurar Carl Jung, um de seus discípulos mais brilhantes. Ele queria compartilhar com Jung a experiência do sonho e a nova interpretação que ele havia chegado. Jung, com sua mente aberta e inovadora, poderia ajudá-lo a explorar ainda mais os mistérios de sua mente inconsciente.

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Acordou pela quarta vez agora em casa, talvez a casa mesmo, rodeado nas narinas pelo cheiro de espaguete. A partir daí, casa, sala, porto e Jung se travestiram de molho e queijo ralado. Numa abocanhada só, estava novamente com os pés no chão e rindo para Martha. Nada aconteceu que não fosse digno de esquecimento. Ao fim do almoço, a sesta e o sonho de “Passar uma tarde em Itapuã,/ Ao sol que arde em Itapuã/ Ouvindo o mar de Itapuã/ Falar de amor em Itapuã”.

 

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