Olhar Filosófico

Reflexões de um filosofrênico

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Bem, eu sou mais um ex-usuário, um filosofrênico e aqui vai o meu relato!

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Tudo começou quando um amigo me apresentou a ILÍADA, a partir daí, passei a viver uma ODISSEIA! Sem me dar conta de onde eu me metia,  fiz do mundo uma divisão entre gregos e troianos e comecei a consumir muito HOMERO.

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O mundo passou a girar dentro da minha cabeça e só então percebi que já estava dominado por esta TEOGONIA abissal de TRABALHOS E DIAS, num consumo desenfreado de HESÍODO.

Num determinado momento, até achei que havia encontrado, seguindo os passos de PARMÊNIDES, o caminho da verdade de ser quem se pensa que é, mas, de repente, já estava envolvido com HERÁCLITO e aí, vocês já imaginam, a coisa pesou e o meu quebra-cabeça chamado mundo ruiu de tal forma que eu sentia que podia ser e não-ser ao mesmo tempo. Pode?! É claro que o logos e sua razão poriam tudo no lugar, mas “já era”, estava perdido. Tudo bem que como diz Clarice Lispector, ‘perder-se também é caminho’,  mas a coisa foi ficando sinistra. Nada é tão fácil assim.

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Todo dia passava a usar algo mais pesado e disse a mim mesmo, pronto, foi e passei para o consumo de SÓCRATES e mesmo que PLATÃO aparecesse na minha frente dizendo para que eu recusasse essa realidade e aceitasse que eu estava numa caverna, diria não! Que negócio é esse? E quando tapei os ouvidos, só conseguia ouvir a voz daquilo que, até então, eu conhecia por consciência, me dizendo: usa ARISTÓTELES seu fracote, senão vai enlouquecer, e mais isso e aquilo... Vozes na minha cuca, e na alma o susto!

Mas, usei! E usei muito! só parei quando me apresentaram AGOSTINHO DE HIPONA, e que suas CONFISSÕES iriam me ajudar. Que nada! No começo, tudo bem, bacana, mas depois me vi atraído por um outro usuário “barra-pesada” de ARISTÓTELES, vulgo “boi”, chamado TOMÁS DE AQUINO. Caramba “bicho”, quase enlouqueço na lucidez de tanto consumir. Achava até que ele era “o cara”. Mas vício é vício! Fiz da minha alma uma SUMA TEOLÓGICA e só cheguei num rascunho daquilo que era meu ente frente à minha essência. Estava ‘perdidaço’ em pleno meio-dia da razão.

Minha família optou por um DISCURSO DO MÉTODO para que eu saísse do que eles chamavam “vício contumaz de ilusão”. Tentaram me desintoxicar, a qualquer custo, com RENÉ DESCARTES. Passaram a me chamar de PRÍNCIPE e diziam que, de vez em quando, eu até poderia tomar um MAQUIAVEL. Mas, como todo viciado nega a dependência, de raiva consumi ESPINOSA como um louco, e mesmo todo afetado por essa natureza que nos dispõe à vontade de ser, eu sabia que “tava” mal. Nem KANT e uma CRÍTICA DA FACULDADE DO JUÍZO dariam jeito.

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Abandonei de vez minha família, que a essa altura já tinha tentado até um choque de UTOPIA com o uso contínuo e combinado de THOMAS MORUS e doses fenomenais de HEGEL. Ah! Não brinquem com um viciado! Foi aí que parti para o meu consumo mais longo. Decidi, só usaria MARX! Que me dessem liberdade, “oras bolas”! Afinal, nós usuários somos uma subclasse com identidade provisória de uma verdadeira classe ainda por vir para revolucionar as o mundo e as ideias!

Resultado, tive que sair de casa, e na fossa do meu amadurecimento, deslumbrei-me com a minha própria VONTADE DE PODER e aí; Ah, meu Zeus! Usei NIETZSCHE até dizer chega. Me senti um super-homem, mas “tomei um choque” quando misturei com SCHOPENHAUER, senti que minha representação de vida e mundo não passava de uma vontade ilusória que sequer eu tinha escolhido. Estava um traste.

Me enxerguei como uma paixão inútil e comecei a mexer com SARTRE, muito de SIMONE e outras coisas existencialistas. Até que tomei um rumo a partir daquilo que significava minha responsabilidade única pelo mundo e pelos outros, e mesmo que me causassem um inferno, eram a consciência de tudo que se apresentava para mim, no agora e por enquanto!

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Acho que só quem passou por um vício desses sabe o abismo que se abre na realidade. Hoje, ‘tô’ limpo, vivo um sol depois do outro, como dizem meus verdadeiros amigos.

Meu psiquiatra diz que venho fazendo verdadeiros avanços com a ajuda dos fármacos prescritos.

Essa semana consumi um capítulo da novela das oito e ousei tomar como leitura a coluna de fofoca de um jornal.

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De vez em quando, diz meu terapeuta, eu posso ter uma recaída, mas ele e meus amigos estarão lá para me VIGIAR E PUNIR caso queira usar FOUCAULT. Disse muito obrigado, mas mesmo que me venham com ADORNO acho que não aceitaria mais nada.

Minha meta é o controle da minha filosofrenia.

E semana que vem começo em mais um grupo de WhatsApp com ex-dependentes e pretendo, se tudo der certo, conseguir, com ajuda de muitas doses de ‘reality shows’, chegar à minha média de normalidade, a tão sonhada mediocridade.

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Esse é meu relato de mais um dia, só mais um dia!

Muito obrigado.

 

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