Olhar Filosófico

Próxima atração: Natal

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E de novo é natal? Período estranho ou ocupado de sons e cores neon? Reuniões, contratempos e reconhecimento pouco e pálido dos diferentes. Noite de lua nova, maré de lua cheia e 33 milhões de barrigas vazias. É natal no Brasil do genocídio preto, pobre e daqueles que sem ar não viram a excrescência presidencial imitá-los na hora da morte, amém. 

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Incenso nas janelas e aquele cheiro de pano queimado com gotas de alfazema. Coca-cola corporation para matar de colesterol, com performance de caminhões iluminados e seusduendes ensandecidos, papai-noel suado e gritaria de pais, mães e crianças lutando por um espaço no tempo do agora. Uma rua que se apaga após a passagem do frenesi do consumo. Época de dar presentes e trocar lamentos, entre rezas quase esquecidas que já não lembram dos esquecidos da fome e da desigualdade. Na mesa não cabe espaço vazio, tudo se ocupa de simpatia e fauna morta a agonizar em espírito para o seu deus que não existe, pois de morticínio em morticínio, a espécie se reproduz para a morte por mão humana. Autofagia desnecessária pela natureza da escolha.

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Não estou a dar sermão, mas a lembrar da história. História que baseia e hoje margeia o motivo de tal festa para um Ocidente assustado com sua imagem no espelho. Alerta aos povos e a discrepância de classe que matou e matará os que insistem em nascer pobres pela miséria construída por mãos endinheiradas de poder e fel.

Não é tempo de sermão, aliás, não é tempo! Vida que segue e cada um que lute. Certo, mas deem a cara a tapa para que justa seja a luta. A mão invisível do mercado nunca foi tão palpável como agora, das cabeças de google que nos tornamos, das crianças com fome e oramos seguros a partir de nossos privilégios, mesmo do pouco, que se diga, pois do muito é roubo escancarado e chama-se banco, César, exploração, lucro, juros ou capiroto.

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Como diz Chico César, cancioneiro e voz da força, “Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa, da bondade da pessoa ruim. Deus me governe e guarde, ilumine e zele assim!” 

Como diz Santo Oscar Romero, mártir da fé e carne ferida do povo, “Devemos buscar o Menino Jesus não nas imagens bonitas de nossos presépios, mas entre as crianças desnutridas que foram dormir esta noite sem ter o que comer”. Aliás, dito em sua última homilia, noite natalina, antes do assassinato covarde, sempre covarde, daqueles que sempre matam e prendem e deturpam e expulsam e agridem e fazem nascer crianças em estábulos e manjedouras, em barracos ou em ruas entre os lixos.

Basta, César, basta! Ave não é para ti,  é saudação aos pássaros, às lesmas, aos leões e jacarés, galinhas e lagartos, cães, gatos e demais companhias que não roubam e o Natal é todo dia. Nascer para vida onde tudo é de todos ou a guerra seria eterna. Até Hobbes se assustaria se ouvisse o canto da Seriema. Teria reformulado a sentença “O homem é o lobo do homem” para a evidência desconcertante, “O homem é o homem do lobo”, se na matilha se embrenha, natureza some e morre matada. Seja por prazer, raiva, sadismo ou por sanduíche de carne exótica.  

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E Natal é palavra latina, nascimento (natalis); já o dia 25 em que o menino-Deus é descoberto, é escolha, símbolo e ideologia. Foi por meados do século IV,  para que ocorresse a junção entre as culturas judaica, cristã e latina, uma vez que dezembro era o mês do solstício de inverno celebrado pelos romanos com base nos deuses da cultura persa e da cultura helênica. E assim se se caminha de encobrimento em encobrimento.

Ainda há um fato curioso, potente, foram os pastores os primeiros a chegar à estrebaria para ver Jesus na Manjedoura ladeado por animais, por José e Maria, e historicamente, é também em dezembro, com o início das chuvas, que as ovelhas começam a ser recolhidas dos campos abertos, indicando uma possibilidade ambígua e curiosa na data de nascimento. História e fé gerando um acontecimento. De pobre para pobre, de migrante para migrante, de injustiçado para injustiçado e a mensagem cristã segue inequívoca. Quem tem ouvidos ouça e olhos se assombrem. O radicalismo revolucionário que faz corar Marx, Engels, Bakunin e Guevara. 

Seguem Maria, José, Jesus vistos pelo retrovisor do carro que passa rápido e se incomoda com o visto. Vagabundos sem-teto, árabes empretecidos, comunistas parasitários, nossa bandeira nunca será vermelha. Crianças no banco de trás com seus olhos vidrados em celulares a derreter seus cérebros ecoam uma pergunta: quem eram eles? Quem? Em seguida, de volta às telas e game over. Gritos pela derrota e partida nova, start, again kids e “Born in the U.S.A” a tocar no falante. Análise ou entretenimento?

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E dom Oscar Romero prossegue na profecia encarnada no Natal: “Podem chamar-nos de loucos, subversivos e comunistas, mas nada fazemos senão anunciar o testemunho revolucionário das bem-aventuranças, que proclamam felizes os pobres, os sedentos de justiça e os que sofrem”.

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