Olhar Filosófico
Continua depois da publicidade
O pensador coreano Byung-Chul Han (1959), grande referência da filosofia contemporânea, tem escrito muito sobre o excesso de positividade, fenômeno global da face quase esotérica do capitalismo digital, que nos levará a uma sociedade do cansaço sem imunidade e do imediatismo sem futuro.
Na obrigação de ser feliz a qualquer custo e produzir de qualquer forma, ficamos cegos às questões fundamentais que permeiam uma humanidade dotada de bom senso.
A felicidade vendida assim como positividade, será nossa condenação. Ainda que não percebamos, é só um produto empacotado com papel dourado e destrutivo como bomba atômica.
A ideia de que estamos condenados à positividade, faria corar Jean-Paul Sartre (1905-1980), filósofo francês existencialista que defendia a tese de que somos condenados sim, mas, à liberdade.
Continua depois da publicidade
Enquanto para Sartre a consciência da liberdade nos causa angústia, pois toda ela é tomada pela responsabilidade ética das escolhas que fazemos, a condenação à positividade surge como escolha já feita alheia às nossas vontades e possibilidades, como uma segunda natureza sem que eu tenha me dado conta da primeira. Uma espécie inconsciente de histeria sem nenhum sistema de defesa.
Como lembra Han, “a positivação do mundo faz surgir novas formas de violência (...) elas são imanentes [próprias] ao sistema. Precisamente em virtude de sua imanência, [por já fazer parte do sistema], não evocam a defesa imunológica. Aquela violência neuronal que leva ao infarto psíquico é um terror da imanência. Esse se distingue radicalmente daquele horror que procede do estranho [os agentes patogênicos] no sentido imunológico. (...) Assim, a violência neuronal, ao contrário, escapa a toda ótica imunológica, pois não tem [oposição], negatividade. A violência da positividade não é privativa, mas saturante; não excludente, mas exaustiva. Por isso é inacessível a uma percepção direta.”
Continua depois da publicidade
Às vezes, penso se já não acordamos ligados numa realidade emaranhada de cabos usb, conectados via wi-fi, logados nas corporações_ chamadas de redes sociais pelos zumbis da “novilíngua”_ e prontos a viver um dia de likes e deslikes na rotina de nossa, assim vivida, semi-existência. Nada escapa a isso, vida pessoal (sem sujeito), trabalho (sem emprego), religião (sem transcendência), entretenimento (sem graça) e receitas ricas em fibras para alegria do intestino preguiçoso e da cabeça flatulenta.
Vivemos observados por câmeras, controlados por microdados de grandes empresas de tecnologia e estimulados a um consumo desenfreado pelo direcionamento dos algoritmos na virtualidade de nossa holográfica vida com consequências reais.
E, num momento pandêmico como o que estamos, onde muitos acreditaram que uma onda de realidade e solidariedade contagiaria o planeta levando todos nós para uma compaixão automática, ampliando os laços e diminuindo as desigualdades, fica o alerta e a esperança de Byung-Chul Han para refletirmos: “Nenhum vírus é capaz de fazer a revolução. O vírus nos isola e individualiza. Não gera nenhum sentimento coletivo forte. De alguma maneira, cada um se preocupa somente por sua própria sobrevivência. (...) Não podemos deixar a revolução nas mãos do vírus. Precisamos acreditar que após o vírus virá uma revolução humana. Somos NÓS, PESSOAS dotadas de RAZÃO, que precisamos repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvar, para salvar o clima e nosso belo planeta."
Continua depois da publicidade
E aí, seguimos sob controle em nossas bolhas e na mais perfeita paz em nossa desgraça “high-tech”?
Continua depois da publicidade