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Silêncio. É semana santa. Silêncio. Toda uma semana santa. E Páscoa. A grande Páscoa de todos nós. De todas nós. Infinitas Páscoas de todos e todas nós. Silêncio. Silêncio. Silencia a natureza. Silencia o Uirapuru. O sabiá. O pardal que pia, pia, pia e parece pio. Silêncio maestro. Todos os loucos, nós, e um trem desgovernado que tem leis próprias criadas por mãos débeis (fragilíssimas). As nossas mãos, os nossos pés e punhos. Aço e geleia e compotas de frutas das avós das avós das avós. É Páscoa. A Páscoa de todos e todas nós. Silêncio. Sem som algum em volta de tudo que está às voltas da existência desavergonhada.
Silêncio! Na missa o Verbo deve falar. No culto o Verbo deve falar. No terreiro e nos templos o Verbo deve falar. Esperaremos desde sempre. A pronúncia santa do Mistério. Dos dogmas não revelados. Sacramentados na certeza do absurdo. Para loucos. Ou quase loucos. E àqueles que não tem mais nada, desiguais no demônio capital, no pecado capital contra os pequenos dos pequenos. E as pequenas das pequenas. Só a teimosia do verbo esperançar, pois morrer também é difícil. Loucos. Ou quase loucos. Ou quase Paulos ou Saulos: “Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o Evangelho; e isso sem recorrer à habilidade da arte oratória, para que não se desvirtue a cruz de Cristo.” Silêncio! Silêncio portanto! “A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina.” Silêncio! Deus parece adorar o Seu silêncio estrondoso. Silenciemos! “Está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e anularei a prudência dos prudentes.” Silêncio, loucos, quase loucos e todas as loucas.”Onde está o sábio? Onde o erudito? Onde o argumentador deste mundo? Acaso não declarou Deus por loucura a sabedoria deste mundo?” Eis-me aqui Senhor! Sem saber de nada, sobre nada e nem para onde. Mistério! Sem razão, todavia não desarrazoado. Quase Paulo ou Saulo. Então, “por que me persegues?!” Acalmemos os gritos das entranhas. Silêncio! Doidos varridos. Rejeitados do reino da grana, do ódio da grana, do comércio da grana. Doidas varridas! Atentai, “já que o mundo, com a sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura de sua mensagem.” Verbo louco. Um só Verbo louco. Todavia não desatinado. E Francisco e Clara de Assis. Abraão e Moisés. E Muhammad e Saladino. Silêncio! Alguns ouviram a loucura completamente destemida do Silêncio, esvaziados de si mesmos. Silêncios! Silêncios! Buda e Krishna. E Xangô e Iansã. Silêncio. A nossa Páscoa. A de todos e todas nós. A derradeira que grita em angústias e prantos e sossega em silêncio e assobios sem volta ou vento. Canção de ninar gente grande que só as crianças, os miúdos, os quase sem razão entendem. E todos os animais no campo do céu da esperança. De só viver. Silencia o Uirapuru. O sabiá. O pardal que pia, pia, pia e parece pio. Silêncio maestro. Todos os loucos e doidas varridas e miseráveis deste mundo da desigualdade miserável. Dos astronautas e gênios que morrem como baratas de tiros fardados nas favelas e encostas do mundo. Esses quase lugares para ousar viver como se pode sem poder. Mas loucos. Os diletos do campo agricultável do Senhor dos silêncios. Os do verbo esperançar. Calem as homilias, esses exercícios retóricos dos egos inflados de saias ou paletós e gravatas ou outras vestes ostentosas do mundo das desigualdades. Calem os pastores que gritam. Gritam a ensurdecer o senhor dos silêncios. Calem os padres e suas show missas. É Páscoa. A de todos e todas nós. Os loucos e loucas. E todos terão espaço neste imenso vazio repleto de sentido. E quase Paulo, quase Saulo: “Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; mas, para os eleitos – quer judeus quer gregos –, força de Deus e sabedoria de Deus.” O senhor dos silêncios tem iras silenciosas. Há de se crer para que também faça maior sentido a igualdade radical às sociedades desiguais do demônio capital. O Senhor dos senhores e do silêncio parece entorpecer os ricos e bem posicionados nas comunidades do capital. Do pecado capital. Dos pecados do capital. Silêncio! É a Páscoa de todos e todas nós. Dos complexos Paulos e Saulos. Fortes na fraqueza. Homens e mulheres de erros e suas consciências. Santas Ritas de Cássia. Santas Irmãs Dulces. Irmãs doces. E loucas. Santas Joanas d’Arcs. Santos Helder e Casaldáliga. E Bartolomeu de Las Casas. E quase Paulos e mais que Paulos e Saulos: “Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” Silêncio. Silenciam meus cães. E sabem mais, muito mais do que toda a humanidade junta. Mesmo quando junta as mãos: “então os "óio" dos bichos, são os olhos de quem ama. Pois a natureza é isso, sem medo, nem dó, nem drama.” Silenciam na alma os poetas. Os Almires e Teixeiras. Silêncio nos campos da paz do Senhor que cativa os cativos. Os loucos e doidas varridas e quase Paulos e Paulas e mais que Paulos e Paulas: “Vede, irmãos, o vosso grupo de eleitos: não há entre vós muitos sábios, humanamente falando, nem muitos poderosos, nem muitos nobres.” Alguns nobres de espírito. Não muitos. Nem poderosos. Quais poderes dos poderosos? Ócio e sangue das almas chicoteadas. E a ira santa expulsou os vendilhões do Templo que criaram outros templos nos tempos presentes. Genocidas de corpos e almas. E uma nação mata mais de milhares e milhares de crianças pelo legítimo direito de matar os que são como nada. E matam e comemoram e o mundo do pecado capital aplaude. Dos pecados do capital. E mulheres mortas ninam seus filhinhos mortos que morreram pelo legítimo poder de matar do opressor dos infernos. Silencia o Senhor dos silêncios. É a Páscoa das Páscoas. Toda Páscoa. Nossa páscoa de loucos e coniventes. Que sentem sede e aceitam passivamente que a fonte lhes foi roubada. Silenciai e deixai a loucura bruta, divina, emanar do vazio das histórias do vazio. E, por fim, “o que é estulto no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes; e o que é vil e desprezível no mundo, Deus o escolheu, como também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são.”
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Silêncio é a Páscoa das Páscoas do Senhor dos silêncios e da paz e da ira santa. É a Páscoa do Senhor. Silencioso e pobre pastor arando, orando e morrendo nos campos santos palestinos. Jogos de guerra do senhor da guerra. Páscoa em toda terra, uma só Pátria. Todavia, silenciai, pois “nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. E se tudo é sua Terra, seu Tudo, o senhor das profecias e do Alfa ao Ômega já não tem sua Terra na Terra dos meninos e meninas do silêncio. E “enquanto estavam caminhando, alguém na estrada disse a Jesus: 'Eu te seguirei para onde quer que fores'. Jesus lhe respondeu: 'As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça'”.
Deitai, Senhor dos silêncios, os loucos e loucas comidos pela falta de senso dos pecados capitais, dos pecados do capital e do egoísmo do corpo à alma, ouvirão o silêncio dos silêncios. A voz em marcha do grande silêncio. É a Páscoa das Páscoas! Sempre será a Páscoa das Páscoas!
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Foto: Mike Bird/Pexels
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