Olhar Filosófico

Papai Noel, velho batuta e o Eclesiastes

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“Fugacidade das fugacidades!”, diz o Eclesiastes, “fugacidade das fugacidades! Tudo é fugaz!” Não, você não está tendo só uma sensação estranha de que já me leu assim, aqui e de novo. É tudo de novo, talvez até repetido.

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É Natal! E “que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Uma geração passa, outra vem, mas a terra sempre subsiste. O sol se levanta, o sol se põe e se apressa a voltar a seu lugar onde renasce.”

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Comércio em alta. Compras e presentes. Egos, panetones, afetos convencionais, briga e peru na mesa, porco no forno e nas ruas indiferença. Tradição, família e José preso por roubar um miojo e Maria grávida e desnutrida se perguntando, até quando? Cenário do presépio à organização natural das coisas. E “todas as coisas se afadigam, mais do que se pode dizer. A vista não se farta de ver, o ouvido nunca se sacia de ouvir. O que foi é o que será. O que aconteceu é o que há de acontecer. Não há nada de novo debaixo do sol.” 

É Natal. E não vou aqui falar do seu significado histórico. Nem data correta, solstício, apropriação do paganismo e outras bobagens. Chover no molhado. Todo mundo diz que sabe pelo diz que me disse de quem garante que ouviu de não sei quem que falou. Conversa de doido. Enfeite de tragédia anunciada. “Não há memória do que é antigo, nem nossos descendentes não deixarão memória junto àqueles que virão depois deles.”

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Natal é data cristã e ponto. Ideologia e simbologia de nascimento e radicalidade da tomada de posição no mundo. Deus feito gente, menino feito Deus. E o céu abriga os desabrigados. A manjedoura segue com goteiras na casa alheia. Deuses sem moradas. Um dar de ombros e piscadas nervosas. O império segue e Herodes governa. Cíclico. “Vi tudo o que se faz debaixo do sol: eis que tudo é fugaz e vento que passa. O que está torto não se pode endirei­tar, o que falta não se pode calcular.” Natal também é “Santa Claus”. Deus salve a América e o caminhão da coca-cola. “Yes, we can!”

Papai Noel é excrescência. Atenção, tirem as crianças da sala na continuidade da leitura. Alerta de “spoiler”! Papai Noel morreu, nós o matamos, talvez dissesse nosso amigo e filósofo alemão e bigodudo. O problema é que este ser (ou não ser) continua a simbolizar a bolsa de valores e a esvaziar os valores das nossas bolsas e os pratos das nossas ceias. Um símbolo horrendo numa sociedade que não mais se assusta quando se depara com o espelho. Se maquia e segue no salto alto no velho estilo de que, ou há de ser Cavalcanti, ou há de ser cavalgado! “E é praieira, segura bem forte a mão”, responderia Chico Ciência.

Quem cultiva o bom velhinho tem de tomar cuidado. Não se trata de simbolismo lírico e de liberdade poética. É um mau sinal de educação às crianças e um problema à ignorância coletiva. 

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Patriarcado dominador segue firme em um fenômeno que nem pai é. Presentes como consumo e recompensa pelo respeito à ordem e aos bons costumes. Moral oficial, recatada e do lar. Marchem e serão recompensados. Reflitam para ver, aí é outra conversa. O cinto preto do velho barrigudo come solto nas costas dos desafortunados. 

Salvem os senhores das barbas brancas e com lombalgia crônica a sofrer de dores outras e iludir as criancinhas. Nem sequer perguntamos-lhes seus nomes. É símbolo e ideologia das sociedades “shoppings centers”. Fetiches escravos da cultura de massas. Esses “new” empreendedores que trabalham um mês e passam vergonha e desespero com as aposentadorias que recebem no resto do ano. Resgatem e libertem esses bons velhinhos, crianças. Nós acreditamos em vocês, “kids”!

Conviver com papai Noel e Jesus numa mesma data e dividindo o mesmo cálice, revela muito o inconsciente social de onde saímos e vivemos. Não pode dar certo. Cristão ou não, acredite, é água e óleo.

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Um oferece a outra face, o outro aceita no crédito. Um expulsa os vendilhões e preserva a casa, o outro remodela o templo e vira “coaching”. Um, do barro e da carne, é pobre entre pobres e a partir dos pobres faz morada divina, o outro, feito da imagem do bezerro de ouro, diviniza a miséria e “rejeita os miseráveis”. Um toma a Cruz em que a religião, o dinheiro e o poder o pregaram, o outro lava as mãos e decora os pregos com pisca-pisca e bolas de cristal.

“Porque minha mente estudou muito a sabedoria e a ciência, e apliquei o meu coração ao discernimento da loucura e da tolice. E cheguei à conclusão de que isso é também vento que passa. Porque no acúmulo de sabedoria, acumula-se tristeza, e quem aumenta a ciência, aumenta a dor”.

Nada novo no front? Mas é melhor tomar cuidado com a carteira, o símbolo ganha vida e te rouba do que não tens para dar o que não podes! É a mão branca e invisível do Mercado! Ho! Ho! Ho! Salve os “Garotos Podres"! Jesus renasce natimorto onde avança o capital!

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