Olhar Filosófico
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Eu, filósofo menor que sou, vivi num dia uma história de espanto e perturbação.
Certa vez, um pastor me disse que no pasto cercado, suas ovelhas não davam lã.
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E se fosse leite, dava também não.
Ovelha não gosta de cerca, meu pastor, gosta de vastidão.
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E o pastor ali parado, continuava o trabalho como se fosse obrigado do campo pastorear.
E eu ali parado, triste, desolado, vendo ovelha para todo lado, desconsolada a berrar. Pois se vida é pastoreio, não posso deixar de notar, que pasto verde eu gosto, o cão, o gato, o boi, mas entre cercas nada há de dar.
Pastor amigo, por que não rompe o aramado, as toras de sustentação e o fio de se laçar?
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O pastor tira o chapéu, dá uma piscada pra cá e diz que o tempo é curto e comandar o tempo é seu lugar.
Que tempo?, disse eu, escravo há de ficar se entre o céu e a terra vã, o sentido te escapar, pois de cerca já basta o berço pra não nos deixar escapar. Vida é escape no espaço e ovelha sabe onde está, larga a mão do pastoreio, cada cerca de bloquear, dispersa a bicharada, deixa o pasto que é o universoe cada qual o seu buscar.
Mas seu moço, disse ele, não me fiz outro mister, controlo latifúndio, de animal pra leite, lã e corte, rezo e conduzo a reza do pasto ao leito de morte. Às vezes até acho que sou anjo! Ou um diabo!, disse eu, vivendo à própria sorte!
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Olha ao seu redor, homem do cão, não fique a aboiar, liberte esses bichos todos, vamos na roça bailar, porque se deus existe, como nos disse Nietzsche, tem que saber dançar! Para de prender o tempo, pare de indicar lugar, você não sabe onde sopra o vento, nem reconhece o seu brisar.
E não pense que lhe quero mal se te chamo filho do cão, de Diógenes vai se lembrar, o cínico que saía às ruas sempre um homem a buscar, pois não via quem de verdade valesse a pena encontrar. Tudo era corrente, conluio e convenção, vida em que se depende é sempre uma prisão, seja de nome, poder ou adoração. Saber do que não precisa é a maior libertação.
Homem, me disse ele, como posso concordar? Se nesse cercado, a ovelha sua lã não quer me dar, estreito o espaço dentro, mais apertadas vão ficar. Faço assim meu caminho, encaminhando o destino dos bichos das cercas pra cá.
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Meu amigo, mas quem gosta de parede em tudo limitar, não adianta cobrir de rito o céu a se esperar, pois a vida se tem agora nesse mundo para se levar. Já te disse e repito nesse nosso divagar, não espere o Sol que apague para a existência melhorar, nem cubra de ornamentos o silêncio do teu altar, ovelhas gostam de caminho que se faz ao caminhar.
Não engane as pequeninas nem se engane, meu pastor, não coloque um fardo a mais no leite, nas lãs, na dor. Animal é gente outra não querem seu perdão, querem o seu de direito, trabalho, terra e pão, não dizime esses pequenos com muita carga e pouco aceno nessa alienação. Um dia as ovelhas se rebelam e ouvirás o canto são, íntegro, internacional e dessa classe união. A divisão do pasto não cabe ao pastor ou seu patrão, ou tudo é de todos ou paz não teremos não.
Meu companheiro, não se permita dizer tal aberração, sou pastor e pastoreio muito bem esse rincão, se as ovelhas não derem lã, ainda carne teremos então. Se esse fardo é pesado, cabe a fé na decisão. Pare de ser herege e não mude a tradição.
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Sou filósofo, não herege, não me confunda com outro irmão, argumento de autoridade não me leva à aceitação. Sabe, amigo, com você fui solidário mas cheguei à conclusão, nunca mais pastos cercados, nem pastores em ação, quero a vida das ovelhas sem sua reza e oração. Cada ovelha gritando alto Viva a Revolução!
Passe bem, satisfação.
Assim como cheguei, na memória também me fui, na certeza que um tempo ruim tem hora de duração.
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Lembrei-me de uma canção que a mim traz muito gozo, é daquele baiano de sobrenome Veloso: “Todo dia o sol levanta/ E a gente canta o sol de todo dia/ Fim da tarde a terra cora/ E a gente chora porque finda a tarde/ Quando a noite a lua amansa/ E a gente dança venerando a noite.”
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