Olhar Filosófico

O uno e o múltiplo: verdade e ilusão

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Enquanto a tradição da autoridade intelectual afirma que o Ser é Uno e não Múltiplo, pergunta-se então, o que seria a multiplicidade, ilusão?  E Nietzsche responde:

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“Os filósofos costumam colocar-se diante da vida e da experiência diante daquilo que denominam o mundo do fenômeno como diante de uma pintura, que está desenrolada de uma vez por todas e com inalterável firmeza mostra o mesmo evento, pensam eles, é preciso interpretá-lo corretamente, para com isso tirar uma conclusão sobre o ser que produziu a pintura: portanto sobre a coisa em si, que sempre costuma ser considerada como a razão suficiente do mundo do fenômeno. (...) porém, não é levada em conta a possibilidade de que essa pintura aquilo que agora, para nós homens se chama vida e experiência pouco a pouco veio a ser e, aliás está ainda em pleno vir-a-ser e por isso não deve ser considerada como grandeza firme, a partir da qual se pudesse tirar uma conclusão sobre o criador... (NIETZSCHE)

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Nietzsche afirma, pois, que o Uno e o Múltiplo são manifestações diferentes do que se esconde, naquilo que se mostra; aspectos que convivem, solidariamente, no mesmo. O que se havia até então tido por aparente, qual seja, o múltiplo sensível, o devir, é o que é realmente; enquanto que o que se tomou por existente autêntico é somente aparência e ficção do intelecto. Nietzsche, tal qual os sofistas, faz do paradoxo tradicionalmente metafísico iniciado por Parmênides, entre Ser e Nada, um problema de verborragia filosófica. Uma vez, portanto, dessa forma assumido o Ser, tudo será desde que se queira, sem obrigações morais e metafísicas, fenômenos apaziguadores e/ou afirmadores do caos que é a realidade.

Sem assumir a multiplicidade e suas perspectivas que são as únicas certezas da vida demasiada humana, não criaremos novas possibilidades de mundos além da ordem possível e permitida por este ou aquele grupo intelecto-social que assume sua interpretação, reprimindo, assim, os instintos da mudança como única e verdadeiramente produtiva, como bem deixou claro Freud a partir do próprio Nietzsche, acerca da ideia da cultura (ainda que, demasiada, judaico-cristã vista como um ‘mal necessário’)

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“A existência da inclinação para a agressão, que podemos detectar em nós mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, constitui o fator que perturba nossos relacionamentos com o nosso próximo e força a civilização a um tão elevado dispêndio [de energia]. Em consequência dessa mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanente ameaçada de desintegração. O interesse pelo trabalho em comum não a manteria unida; as paixões instintivas são mais fortes que os interesses razoáveis. A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter suas manifestações sob o controle por formações psíquicas reativas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificação e relacionamentos amorosos inibidos em sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. Espera-se impedir os excessos mais grosseiros da violência brutal por si mesma, supondo-se o direito de usar a violência contra os criminosos; no entanto, a lei não é capaz de deitar a mão sobre as manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana. Chega a hora em que cada um de nós tem de abandonar, como sendo ilusões, as esperanças que, na juventude, depositou em seus semelhantes, e aprende quanta dificuldade e sofrimento foram acrescentados à sua vida pela má vontade deles. Ao mesmo tempo, seria injusto censurar a civilização por tentar eliminar da atividade humana a luta e a competição. Elas são indubitavelmente indispensáveis. Mas oposição não é necessariamente inimizade; simplesmente, ela é mal-empregada e tornada uma ocasião para a inimizade. ” (FREUD)

Para Nietzsche, este mundo é o único e não há outro que separe um Ser existente supremo e autêntico, de um outro, aparente e inautêntico. Só o vir a ser é, ele mesmo guarda o ser e o não ser que o engendra pela guerra dos opostos.

“Não pareceria que o vir a ser é apenas o tornar-se visível de um combate de qualidades eternas? – O mundo é o jogo de Zeus, ou exprimindo fisicamente, do fogo consigo mesmo...” (Nietzsche)

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O fogo é o símbolo, que Nietzsche encontra em Heráclito, para dizer da força criadora do universo, “o caminho ascendente e o caminho descendente são um e o mesmo”, afirma o filósofo pré-socrático.  No jogo de forças que é o mundo, uno e Múltiplo são o mesmo fluxo perpétuo de suas formas, que retornam do jogo das contradições ao prazer da harmonia.

Para Nietzsche, conhecer a universidade dessa pluralidade de sentimentos, vontades, efetivações e desaparecimentos e, contemplá-la com o sentimento estético do artista trágico-criador que não teme é a sabedoria da experiência do Ser e seu destino na condição de devir, é o apropriar-se do real e fazer História a marteladas, demolindo e construindo, tendo como limite apenas o não-Ser que se move no que os gregos denominam “tempo sagrado” para diferenciar do “tempo profano”, que é o tempo solar, cronológico.

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